Mais que a Minha Própria Vida - Capítulo 1 (PARTE 2)

Em um primeiro momento nada havia na escola nova que fosse especialmente diferente daquilo a que eu estava habituada. Era uma escola mais simples, claro, mas com as mesmas caricaturas de professores - o bravo, o engraçadinho, o compreensivo, o jovem - e com alunos sempre separados em grupos definidos por seus gostos ou níveis de popularidade. Havia muito para conhecer, a vasta gama de esportes e atividades gratuitas que a escola oferecia com o patrocínio do governo, o extenso quadro de avisos, sempre repleto de fotos, eventos e cursos especiais, a imensa biblioteca com livros e enciclopédias empoeirados e, claro, meus novos colegas. Mas eu não sentia vontade de fazer nenhuma dessas coisas. Só pensava em ficar sentada, invisível, no meu canto enquanto as aulas passavam, até que o sinal tocasse e eu estivesse livre para ir para casa e mergulhar novamente no universo paralelo que somente os meus livros podiam me proporcionar.

O sino para o intervalo interrompeu os meus desvaneios e fui empurrada para fora da sala de aula juntamente com dezenas de alunos correndo, rindo e conversando amistosamente. Percorri o pátio com os olhos, procurando por um lugar vazio onde eu poderia ficar sem chamar a atenção e, antes que o encontrasse, uma mão de menina com longas unhas pintadas de vermelho me tocou o braço.

_ Oi novata! Eu sou a Grace. _ Sorriu para mim a garota com feições de mulher, cabelos longos e loiros e lábios pintados de gloss vermelho. - Essas são as minhas amigas: Leah e Rachel. Você pode passar o intervalo conosco, tá? - disse, e antes que eu pudesse responder, me puxou pela mão até uma mesa de pedra, com banquinhos coloridos envolta.

Grace parecia ser uma espécie de líder para o trio. Tomava a maioria das decisões, iniciava a maioria dos assuntos e, claro, era a mais extrovertida. Agia o tempo todo como se fosse muito legal por me livrar de passar o recreio todo sozinha - uma tortura - ela dizia. As outras duas, Leah e Rachel, eram irmãs gêmeas, embora em nada parecessem uma com a outra no quesito personalidade. Leah tinha uma personalidade marcante. Marcante até demais, eu diria. Era extrovertida como Grace, mas embora a desinibição de Grace tivesse um quê de sensualidade, a de Leah era agressiva. Ela era bastante crítica, e justamente o tipo de pessoa com a qual você jamais gostaria de brigar. Já Rachel trazia em si mesma uma doçura e leveza que me fizeram confiar nela mesmo antes de trocarmos as primeiras palavras. Era muito meiga, e tímida demais, sempre se escondendo atrás de seus lindos cabelos ondulados e ruivos e disfarçando as sardas que lhe enfeitavam o nariz. Era um trio bem peculiar, devo dizer, por ser composto por garotas tão diferentes.

Apesar dos assuntos sobre os quais conversavam serem absolutamente banais, a compania delas era agradável. Elas eram engraçadas e, apesar da situação de constrangimento por nos conhecermos pouco, pareciam realmente querer se aproximar de mim. Eram amigas há anos e haviam se conhecido no colégio, naquele mesmo banco onde estávamos sentadas. A conexão e cumplicidade entre elas era tão bela e real que, em pouco tempo, era como se eu também fizesse parte daquilo. A ideia de ter amigas de verdade me animou um pouco, afinal, eu não conseguia me lembrar há quanto tempo não confiava de verdade em alguém que não fosse o meu avô.

Repentinamente o clima do ambiente mudou. Os olhares de todas as garotas que estavam no pátio, inclusive o das que se sentavam comigo, foram atraídos para a porta de entrada. E tenho certeza de ter ouvido alguns suspiros.

_ Olha quem está ali! - gritou Grace tal qual estivesse vendo uma coisa incrível. Sucessivamente Leah e Rachel também sorriram e começaram a olhar na mesma direção.

_ Um dia você ainda será meu. - Leah disse baixinho.

_ Vá sonhando! - riu Grace. Ele já é meu desde a sétima série.

_ É. Só que você se esqueceu de avisá-lo. - riu Leah, enrrolando uma mecha de seus cabelos ruivos e alisados.

Eu procurava entre todos aqueles rostos qual seria aquele que tanto as encantava, mas não fazia ideia de quem poderia ser. Rachel sorriu ao perceber e apontou para um garoto encostado na parede a alguns metros de distância.

_ Ele se chama Brandon. - ela disse - E todas as garotas daqui do colégio são apaixonadas por ele há anos. Mas ele não olha para nenhuma delas, como se simplesmente fosse bom demais para todas.

_ Ele está no último ano.E dizem que ele namora uma garota mais velha. Da faculdade, sabe? Peixe grande. - continuou Leah.

_ Eu daria qualquer coisa para ser ela. - disse Grace.

_ Novidade! Qualquer garota aqui daria qualquer coisa para ser ela. Até a Jennifer. Não é, Jeni? - perguntou Leah, focando os olhos em mim.

_Hm...Eu não sei. Eu não o conheço nem nada. - eu sussurrei meio envergonhada.

Brandon parecia ser mesmo aquele tipo que atrai olhares. Tinha cabelos bem claros e os penteava de maneira despojada, assim como todo o seu visual. Bonitos olhos azuis, sorriso brilhante, músculos... Como aqueles modelos de comerciais de perfumes. Ainda assim me era um pouco estranho que apenas características físicas houvessem sido passíveis de despertar o amor platônico de todas aquelas garotas. Parecia coisa de filme. Afinal de contas, desconsiderando a aparência física, Brandon não parecia ter nada de especial. Parecia um garoto de dezessete anos comum, enquanto batia a bola de basquete pelo chão e se divertia com a conversa entre os amigos. Eu não conseguia me imaginar conversando com ele durante horas, e muito menos me apaixonando e escolhendo-o para partilhar os meus pensamentos e sentimentos. Eu não gostaria de estar com alguém que flertaria com dezenas de outras meninas na minha frente. E me perguntava se aquelas garotas pensavam por aquele ângulo ou apenas ignoravam os fatos por imaginarem que aquele sentimento jamais deixaria de ser platônico.

E, então, como uma forma do universo de me punir por ser tão crítica com aquelas garotas, meus olhos foram atraídos para outra pessoa. Um garoto. Era dos garotos que estavam na mesa de Brandon, mas em nada parecia com eles. Tinha um olhar misterioso, distante, como se estivesse a esconder segredos empolgantes demais para sair dizendo por aí. Sua pele era muito branca e contrastava com os seus olhos e cabelos negros a cada vez que o sol refletia em sua pele. Suas feições, gestos, olhares, tudo nele era enigmático. Era impossível saber o que pensava, ou tentar arrancar qualquer traço de personalidade somente por observá-lo. 'Como aqueles psicopatas de filmes de terror, eu pensava, como se a forma com a qual ele atraía minha curiosidade devesse ser mais um aviso para que eu me afastasse. Mas não. Eu só conseguia ver a forma como ele levantava a sobrancelha quando algum amigo lhe dirigia a palavra ou como movia os lábios ao falar. O seu sorriso discreto ou como andava sem sequer olhar para os lados. Ele era tão sedutor que eu não conseguia entender como é que aquelas garotas do colégio só conseguiam perceber a presença de Brandon.

_Quem é aquele de blusa preta com quem Brandon está falando? - perguntei às garotas.

_Que importa? - sorriu Grace - O único que importa aqui é o Brandon. Ele ofusca os amigos, então, sabe? Tanto faz.

_ É. Tanto faz. - Balancei a cabeça. Qual era a graça em amar secretamente daquela forma? Em fantasiar, e somente fantasiar, o cheiro, sabor, toque de alguém? Desejar Brandon secretamente, por anos, devia ser para aquelas meninas como uma fome que matava aos poucos. E o pior era que provavelmente ele até já soubesse, mas não fizesse muito caso. Mas elas eram cegas...E eu hipócrita. Hipócrita porque os meus olhos também estavam estavam sendo cegos, atraídos insistentemente por aquele garoto de olhos enigmáticos que eu nem conhecia. Era ridículo. Eu nunca havia me sentido daquela forma e não conseguia evitar.

Melissa J
Enviado por Melissa J em 03/12/2014
Reeditado em 14/01/2015
Código do texto: T5056839
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