Mais que a Minha Própria Vida - Capítulo 15

Eu prometi a mim mesma, por várias vezes, que não toparia dar esse passo em relação a Eric. Mas, ultimamente, eu andava me traindo muito. Não foi muito diferente, foi como se, em um momento, eu estivesse planejando a desculpa perfeita para enganá-lo e, em outro, eu estivesse dentro do carro com ele á caminho de sua casa, de malas feitas para passar cinco dias com aquelas pessoas que:

1)Eu não conhecia.

2)Eu temia conhecer.

3)Eu temia, principalmente, gostar delas. Porque gostar delas implicaria em muitas outras coisas. Coisas das quais eu não queria nem pensar.

Eric estava radiante como sempre. Era aquela sua mania boba (boba mesmo?) de achar tudo maravilhoso. Claro que era. Talvez fosse principalmente por mais um mísero detalhe: a Jenni, a selvagem Jenni, aquela de frieza impenetrável, estava fazendo a vontade dele pela primeira vez na vida. Isso já era um avanço, não era? Os pais dele esperavam sorrindo do lado de fora da porta como se ele praticamente os houvesse obrigado a agir perfeitamente para que eu gostasse deles. Como se precisasse. Era como se fosse genético aquela energia gostosa que saía de cada um deles. Aquilo sim era uma família de verdade. Eu sabia porque um dia eu tivera uma. É, um dia.

Sua mãe era uma mulher de estatura bem baixa, mas de largura considerável. Tinha cabelos cor de ouro que desciam um pouco abaixo dos ombros e uns olhos azuis tão doces quanto os do filho. Tinha um sorriso tão grande e aconchegante que fazia com que qualquer um se sentisse em casa. E, foi com palavras igualmente aconchegante e um tanto quanto doces, que fui recebida por ela. Seu nome era Molly.

_ Entre querida. E sinta-se á vontade. O Eric fala muito sobre você. Então pelos olhos dele pudemos chegar á conclusão de que você é uma garota incrível. - foram as palavras usadas por ela para receber-me.

O seu pai era de um tipo extrovertido e engraçado. Era bem mais alto que Molly, o que os fazia parecer um casal bastante peculiar. Mas nenhuma diferença era grande o suficiente que o amor daqueles dois não superasse. Os seus cabelos, que provavelmente já foram loiros um dia, agora traziam as marcas do tempo, cortados curtos e pentados para o lado. As rugas que ele tinha perto dos olhos me lembravam o meu avô de tão iguais que eram, e isso me fazia sentir certo carinho por ele. Nem tanto. Simpatia talvez. Afinal, eu nem conhecia aquelas pessoas. O seu nome era Tom.

_ Você é mais bonita do que ele contou. - ele disse, brincalhão - Se eu fosse você eu dava uma bronca nele mais tarde.

Caitlin e Kayleigh eram as garotinhas mais encantadoras que eu já havia visto até então. A primeira, com os seus numerosos seis anos de que se orgulhava (porque precisava das duas mãos para contar), era de uma alegria e energia sem fim. Ela gostava de aprender coisas novas o tempo todo e o seu passatempo favorito era contar ás pessoas todas as aventuras e novidades de que compartilhava. Ela tinha joelhos e cotovelos sempre arranhados porque gostava de correr como um pássaro por todos os lugares que podia alcançar, e não podia evitar que as suas perninhas, ainda desajeitadas, tropeçassem em alguns locais que ela não podia ver com os olhos, já que estes olhavam sempre para frente.

Kayleigh tinha quase dois anos, mas uma inteligência e astúcia tão grandes que a faziam parecer ter mais. Ela parecia uma pequena adulta andando pela casa e conversando com as pessoas com feições tão sérias que faziam com que ninguém conseguisse manter qualquer tipo de mal humor. Não tinha como não cair na risada. É claro que isso a irritava. Mas logo ela mostrava o outro lado. O seu lado doce e manhoso, de quando ela subia no colo e encaixava-se perfeitamente aos braços da pessoas que ela amava. Então ela parecia só uma criança. Uma criança única e especial.

Eric tinha um outro irmão mais novo que tinha de parecido não só os aspectos físicos, mas aquele jeito doce e inocente de ser. Ele se chamava Joshua. Era um garoto de treze anos estranhamente calado, mas que conseguia transmitir naqueles grandes olhos azuis tudo o que sentia. Ele saía pela porta com um dos primos que viajaria conosco e parara timidamente ao ver do que tratava toda aquela hospitalidade a que seus pais prestavam.

_ Oi. - eu sorri.

_ Oi. - ele respondeu, fitando o chão.

_ Esse é o meu irmão. Joshua.

_Josh. - ele disse em voz baixa, afastando-se logo depois.

_ Quantos irmãos!. - eu ri - Acabou ou tem mais?

_ Agora acabou. - ele riu, enquanto Kayleigh tentava subir em seu colo.

_ Não Kay. Agora não.

_ Sim.Sim.Sim. - ela balbuciava, teimosa.

Estando as malas no carro, nós partimos. A estrada que levava á fazenda era longa e deserta, com um ou outro carro que passava de vez em quando. O caminho era longo e demorado. Mas até as irmãs mais novas de Eric estavam acostumadas. Cada um escolhia uma música e todos nós cantávamos. Era a forma que eles tinham de passar o tempo. Caitlin, ou Cate, como ela gostava de ser chamada, ia, aos poucos, acostumando-se comigo e já fazia dezenas de trancinhas no meu cabelo.

_Pare Cate. A gente não vai pegando no cabelo dos outros assim não. Você não sabe se ela gosta. - disse Eric, todo cheio daquele ar de irmão mais velho. Isso era engraçado vindo dele.

_ Ei, do que você está rindo?

_Seu bobo! Ela gosta sim! Não gosta, Jenni? - ela perguntou, puxando uma trancinha para que eu visse como estava.

_ Claro. - eu sorri. - Deixa ela Eric.

_ Então tá. Vai dando moral pra ela, vai? Essa menina não dá sossego. Toma cuidado. - ele disse.

_Vou tomar. Ela deve ser mesmo muuuito perigosa. - zombei dele, beijando-lhe a ponta do nariz. Isso fez com que ele ficasse vermelho e agindo como um bobo.

A fazenda era enorme. Mas o tinha de ser, para que coubesse assim tanta gente. Já nos esperavam todo o resto da família, gerações inteiras ali, juntas. Avós, tios, tias, e uma primaiada sem fim. Talvez ele não estivesse mentindo quanto á 'tradição familiar'.Pelo que parecia, toda a família estava lá. E para trazer-me maior aflição, todos estavam cientes das minha existência e ansiavam muito me conhecer.

_ Olha só quem veio! - disse a avó. E então crianças e jovens de todas as idades correram em direção ao carro, enquanto os adultos levantavam-se preguiçosamente de suas cadeiras e redes.

_ Vó. Essa é a Jennifer. A garota de quem eu falei. - Eric disse, fazendo-me corar. Parece que ele adorava aquilo. Que ele queria mostrar pro mundo inteiro que eu era a namorada dele. Como é que alguém poderia ter tanto orgulho disso? E por que é que isso fazia-me sentir tanto remorso?

_ Olha só. Está mesmo namorando. O meu garotinho já é um homem. - respondeu a avó, causando todo o tipo de zombação por parte dos primos.

_ Vó!

_ Que foi?

_ Pára com isso!

Pulando estas parte das apresentações, que pouco nos interessa, vamos avançar para uns dois dias após a minha chegada na fazenda. A família dele havia me recebido calorosamente e de braços abertos, e pareciam gostar cada dia mais de mim. Também não era difícil não me apaixonar por eles. Não era difícil gostar da sensação de segurar a Kay no colo,de ouvir a voz infantil da Cate contando sobre todas as coisas as quais ela achava incríveis (e você aprendia o quão incrível poderia ser um lagarto colorido,um desenho em uma nuvem ou uma flor diferente),de ser gracejada por sua avó ( que fazia tudo quanto era tipo de doces caseiros apenas por me agradar),de ver a felicidade nos olhos dos pais de Eric por vê-lo tão feliz. Se eu pudesse, eu juro que procuraria a garota mais bonita, divertida e incrível da Terra para apresentar ao Eric. Era o que ele merecia. Eu não era justa com ele. Mas eu não conseguiria me afastar dele e ver tristeza em seus olhos. Machucaria a mim da mesma forma como machucaria se ferissem um irmão, um amigo, uma pessoa que eu amasse.

Mas eu fui descobrindo que também não era difícil conviver com ele. Era extremamente fácil. Ele ria de um jeito alegre, de um jeito tão verdadeiro que fazia com que eu sentisse a sua felicidade e quisesse rir também. Ele sabia brincar quando via que eu começava a ficar triste e, logo, as tristezas nem pareciam tão grandes assim. Ele sabia conversar sobre tudo, sobre tudo mesmo, de forma que eram extremamente agradáveis as horas que passamos juntos deitados na rede, conversando sobre tudo o que passava em nossas cabeças. Cada dia mais o carinho que eu tinha por ele crescia. Cada vez mais era bom tê-lo por perto.

_ Eu estou apaixonado por você, sabia? - ele dizia, acariciando-me o rosto. Eu sabia. Claro que sabia. Mas tudo o que eu conseguia fazer era sorrir para ele. O que é que eu podia fazer? Dizer que estava dando o máximo de mim para apaixonar-me por ele, mas eu não conseguia sentir nada mais que carinho?

_ Eric!Jenni!Venham nadar no rio com a gente. - chamou Alice, uma das primas dele que não deveria ter mais do que treze anos. Haviam mais uns seis ou sete primos a alguns metros, esperando por ela.

_ Nadar no rio? Agora?

_ É.Vamos com a gente. Vai ser legal.

_Você quer? - ele perguntou com um olhar ansioso.

_ Vamos. - eu sorri. Ao menos eu poderia fugir do assunto, da situação. Ao menos na frente de todos aqueles primos, ele não ficaria declarando-se para mim todo o tempo. E eu preferia assim. Eu não acho que merecia a forma como ele gostava de mim.

Era uma subida muito grande até chegar nas pedras que davam acesso ao rio. Para alcançá-lo era um queda de um tamanho de um prédio pequeno. Porém o 'pequeno' depois do prédio não estava aí para tornar a altura menos assustadora, visto que um prédio de seis andares pode ser considerado um prédio pequeno. Os primos mais jovens apenas observavam, enquanto outros andavam alguns passos atrás e pulavam fazendo acrobacias até a água. E coragem foi exatamente o que me faltou ao aproximar-me da ponta daquele monte de terra e pedras.

_Só tem esse jeito de descer...pulando? - perguntei á Alice.

_Tem outro jeito. - ela sorriu maliciosamente puxando a ponta de uma corda presa á uma árvore. Demorei alguns minutos até entender do que se tratava. Meu Deus, eles queriam mesmo que eu pulasse daquilo?

_ Vamos Jenni! Você está com medo? - ela riu ao perceber que eu recuava.

_ Vai lá Eric. Mostra pra ela como se faz. - riu um outro garoto.

_ Tá. - ele disse em voz baixa, dando corajosamente um passo á frente agarrando-se firme á corda e pulando, se deixando ser levado ao meio do rio. E, depois, com uma mistura de pavor e coragem ele soltou a corda, deixando-se cair com força na água.

_ Caramba! Ele pulou mesmo Luke! Olha lá! - gritou Alice com uma feição assustada.

_ É. Tô vendo. Difícil de acreditar,né?

_ Cara, ele te ama! - ela disse, tocando-me o ombro. - O Eric tem pavor de pular daqui. Pavor mesmo. Desde que éramos pequenos tentávamos fazê-lo pular, mas ele nunca pulava por nada! E agora ele pula só pra impressionar você? Ai, como homem é burro!

_ Aham. Vocês estão brincando,né?

_ Olha na minha cara. Você acha que eu tô brincando? - desafiou Alice.

_ Ele não precisava ter feito isso. Eu nem ia pular. A gente podia ter dado a volta e entrado lá de baixo.

_ Tarde demais. Ele fez só pra impressionar você.

_ Então...Então eu vou. - eu disse, criando uma coragem que nem eu mesma conhecia. Ele morria de medo daquilo e havia pulado por mim. Ele fazia tanto por mim que eu tinha que me mostrar grata. Eu tinha de retribuir. Fingir que o fato dele ter feito aquilo havia me encorajado. Então eu agarrei a corda tendo a certeza que eu me arrependeria amargamente por aquilo.

Com os olhos fechados você pode sentir as coisas de uma forma muito diferente. É como se a emoção se intensificasse, porque daí você não tem sequer noção do tamanho do estrago que se está fazendo. E, talvez, o perigo nem seja assim tão grande. Mas com os olhos fechados torna-se uma aventura. Os olhos fechados, o vento forte no cabelo. A sensação de se estar ali vulnerável, sem apoio algum para segurar-se, apenas o vento, a calma, o silêncio. É como se você perdesse a noção do tempo, de altura, de espaço. E ainda que o momento tenha durado segundos podem parecer ter durado horas. Até que acaba e você simplesmente não consegue crer que teve a coragem de passar por aquilo. E, ainda que você jure nunca, nunca mais fazer novamente, fica aquela sensação de ganho, de vitória. Eu consegui. Eu venci meu próprio medo. Eu acho que essas coisas, essas simples coisas que você vivencia, te fazem mais forte. Ainda que ninguém perceba, só você. Ou até nem mesmo você. E eu não estou falando só de pular morros altos. As 'aventuras' mais seguras do mundo podem ser as mais assustadoras. Um sentimento pode ser extremamente assustador. Mas, não importa o que seja, enfrentar os seus medos sempre o fará mais forte. Isso eu garanto.

Minhas costas doíam pela força que a pressão da água fizera sobre elas. A sensação de gelado que veio logo depois era bem pior. Dava vontade de sair correndo. Entretanto, pouco tempo depois eu senti uma coisa diferente tocando-me as costas. Algo mais quente que a água. Agora já me envolvia, e era firme sem deixar de ser sutil e carinhoso. E logo veio um bafejo quente no meu rosto, como um respirar.

_ Jenni? Pode abrir os olhos agora. Eu peguei você antes que você afundasse.

_ Oi. - foi tudo o que eu consegui dizer quando abri os olhos.

_ Sou eu o Eric. Lembra?

_ Lembro, Eric. - eu ri - grandes quedas não te fazem perder a memória.

_ Ainda bem, né? - ele sorriu aliviado, levando-me até a borda.

_ Você tá legal?

_ Tô bem. Só minha cabeça que dói um pouco. E - AI! - minhas costas. - eu disse, levando a mão ás costas.

_ Você não precisava ter pulado, sabia?

_ É. E nem você.

_ Mas eu gosto de pular. Eu vivo pulando de lá quando venho pra cá.

_ Ah, é mesmo? - perguntei, tentando segurar para não rir.

_ Fique caladinha. - ele riu.

_ Você se entrega, bobão!

_ Seu bobão. Só seu. - ele murmurou acariciando-me a face.

Eric saiu do rio e andou até a mochila, pegando uma toalha grande a branca. Eu levantei-me atrás dele e ele envolveu-me com a toalha. Ser cuidada daquele jeito era tão bom.

_ É pro frio passar mais rápido. - ele disse, erguendo-me no colo.

_ Me larga Eric! Eu posso andar sozinha, seu exagerado.

_ É que eu não quero que você suje os pés.

_ Eu não sou a princesinha da Inglaterra. Posso sujar os meus pés um pouquinho ao andar dois metros pra pegar meu chinelo.

_ Mas seu chinelo ficou lá em cima.

_ Merda!

_ Toma. Pega o meu. - ele disse,colocando-me ao chão e entregando-me. Eu apenas permaneci parada olhando para ele.

_ Estava na mochila. O meu outro está lá em cima. Depois eu pego.

_ Não precisa.

_ Precisa sim. Coloca logo, teimosa.

_ 'Teimosa' e 'bobão'...lindos os apelidos de que nos chamamos. - eu ri.

_ Ah, deixa eu carregar você, vai?

_ Eu não gosto. - eu disse, lembrando-me da primeira vez que Connor ergueu-me daquele jeito. Aquela vez lá em casa...Na árvore...AH! Tinha que parar de me lembrar disso.

_ Por que não?

_ Eu não gosto de me sentir vulnerável.

_ Não gosta de...tá né. Então vamos. Posso segurar sua mão pelo menos? - ele disse tocando a nuca, confuso.

_ Isso pode. - sorri.

Nós até tentamos fazer com que alguns primos voltassem conosco, mas eles pareciam pretender ficar lá por muito mais tempo. Um vento muito frio soprava nas nossas direções, e a

cada segundo eu me arrependia de ter pulado naquele rio. Decidimos, então, voltar a pé, naquela caminhada longa demais, até chegar em casa quando já estava começando a escurecer. Meus cabelos ainda pingavam aquela água fria, e meu corpo sentia espasmos a cada onda causada pelo vento que percorria o meu corpo. E, para piorar, eu comecei a ficar resfriada, já sentindo a minha voz modificar-se, a respiração ficar difícil e os espirros virem insistentemente.

_ Eu não devia ter te levado para o rio essa hora. - ele franziu a sobrancelha.

_ Você não tem culpa. Eu quem quis ir.

_ É. Mas eu poderia não ter deixado.

_ Até parece que você manda em mim. - eu disse, mostrando-lhe a língua. E então recomeçaram as 'sessões' de espirro.

_ Eu tenho um ótimo remédio para isso.

_ O quê?

_ Um banho bem quente. - ele disse. Mas o seu sorriso sumiu do rosto ao escutar o gemido que eu soltara. - O que significa isso?

_ Preguiça... E a água do choveiro é meio fria. Eu prefiro ficar debaixo do cobertor.

_ Bonito, hein? Assim você vai ficar ainda mais gripada. O chuveiro do banheiro do meu quarto tem a água bem quente. Você pode tomar banho lá.

A fazenda da família de Eric tinha muitos e muitos quartos. Os adultos ficam agrupados em casais, um em cada quarto, é claro. Os solteiros dividiam o quarto com uma irmã, um filho, ou mesmo tinham um só para ele. O que restava para toda aquela primaiada era quatro quartos: dois para as meninas e dois para os meninos. Dois para os mais novos e dois para os mais velhos. Eu estava no quarto das garotas mais velhas, dividindo-o com mais três meninas. Duas bi-camas e um colchão. Ao menos haviam deixado-me ficar na cama de cima. Ao entrar na casa, logo notamos o súbito silêncio que tomava conta do ambiente. Já era por volta de sete horas da tarde e não havia uma adulto sequer por lá.

_Onde será que tá todo mundo? - perguntei.

_ Provavalmente eles foram pra cidade mais próxima comprar algumas coisas pro jantar.

_Tá. Mas tinha que ir TODO MUNDO? - perguntei, dando ênfase nas duas últimas palavras.

_ Sei lá onde eles estão, Jenni. - ele riu. - O pessoal daqui é assim mesmo. Não pára em casa. Não se preocupe que agorinha eles voltam.

_ Tudo bem.

_ Não precisa ter medo de ficar aqui sozinha comigo. Eu não mordo.

_ Ha ha ha. Até parece que eu tenho medo de você. - eu disse muito ironicamente.

_ Pois deveria ter. - ele desafiou, enchendo-me de cócegas.

_ Não! Sai daqui! Sai daqui, Eric. - eu empurrei-o correndo para dentro de casa. Nós agíamos sempre como se fôssemos amigos de épocas. E era muito divertido essa amizade que crescia dentro de nós.

_ Bem vinda ao lugar mais legal do mundo. - ele disse, abrindo para mim a porta do quarto onde ficavam ele e os outros garotos.

_ Eu tenho até medo disso. Deve ter meias, cuecas e revistas pornográficas espalhadas por todo o quarto.

_ É verdade! Deixa eu esconder. - ele riu, entrando na minha frente.

Porém, ao contrário do que eu pensava, o quarto era muito bem arrumado. As camas feitas, as roupas em seus devidos lugares. Havia pipas de todos os jeitos e formas pendurados a parede. Havia também alguns troféus dourados em estantes que, embora não parecesse ouro, deixam-me curiosa sobre sua procedência. Em outra parede havia uma daquelas redes de basquete para crianças, já bastante velha, o que indicava que já estava ali há anos, e bolas de tudo quanto é tipo espalhadas pelo chão. Todo o quarto era de um azul clarinho bem suave, que trazia uma paz muito gostosa. Apenas em uma das paredes havia uma janela. Uma janela enorme, por onde se podia ver uma boa parte da fazenda. Colados a sua volta, dezenas de adesivos de super heróis, já gastos e apagados pelo tempo.

_ Bem...interessante seu quarto.

_ Bom...Era meu e dos meus primos desde que éramos crianças. Não mudou muito. Deu pra perceber,né?

_ Er...claro que não. Por que?

_ Nada não. - ele disse, fitando o chão. - Vou pegar uma toalha pra você.

_ Tá bom. - eu respondi, andando em direção a algo que me tinha chamado a atenção. Era um conjunto daquelas estrelinhas fosforescentes que a maioria das crianças já teve. Daquelas que se coloca nas paredes e no teto, e á noite faz parecer existir um sistema solar inteiro no quarto. No dele tinham alguns planetas também. E até alguns alienígenas engraçados. Eu os toquei com o dedo, sorrindo pelas lembranças.

_ Ai não! Você encontrou. Isso é quase um fóssil de tanto tempo que tem. - disse Eric, surgindo atrás de mim com uma toalha branca nas mãos.

_ Aham. Sei. - eu ri.

_ Você tem bons olhos, hein senhorita?

_ Obrigada.

_ Eu gostava delas quando era criança. Desligavam a luz e elas ficavam brilhando. E você podia ficar olhando...Dava uma sensação de calma. De que você não está sozinho.

_ E então? Você perdeu o medo de estar sozinho?

_ Não,Jenni. Eu descobri que ninguém é totalmente sozinho. Sempre existem pessoas que te amam, que estão com você. Ninguém consegue viver sozinho.

_ É... - eu disse, fitando o chão. - Mas eu acho que vou comprar uma dessas pro meu quarto. Pra eu lembrar que não estou sozinha.

_ Mas você não está.

_ Eu sei.

_ Eu trouxe a toalha. - ele disse, entregando-me.

_ Brigada. Eu vou lá tomar banho então. - eu disse, entrando no banheiro e batendo a porta.

Como era gostosa a sensação daquela água quente esquentando o meu corpo. Deixando com que toda aquela água fria do lago escorresse por meus cabelos, até que todo o frio tivesse indo embora. Sentir todos os meus músculos relaxando. Sentir a espuma escorrendo pela pele, o cheiro de sabonete e shampoo alastrando-se por todo o ambiente. Até que o espelho ficasse embaçado, até que os dedos das mãos e dos pés ficassem enrugados o suficiente para que eu percebesse que já havia passado muito tempo lá dentro. E que não dava pra ficar para sempre. O meu corpo, agora relaxado, só queria sentir o macio de uma roupa confortável e de uma cama, um cobertor. Era uma sensação tão relaxante que poderia não ir embora nunca mais.

_ Eric! - eu chamei, abrindo uma fina brecha na porta, apenas para que ele ouvisse a minha voz.

_ Que foi?

_ As minhas roupas...eu esqueci. Tem como você pegar minha mala, ou algumas roupas?

_ Tá. Espera aí. - ele disse, chegando cinco minutos mais tarde com uma camiseta e uma calça do moleton que eu havia trazido para dias frios.

_ Eric, você esqueceu a... - Pensei na minha calcinha, mas morrendo de constrangimento só de pensar em Eric observando as minhas roupas íntimas.

_ A...?

_ Ai, deixa pra lá. Trás minha mala, vai?

_ Tá bom. Você poderia só dizer o que era que eu pegaria pra você.

_ Claro que não. eu não quero você mexendo nisso.

_ Táa, eu pego. - ele disse, em tom de riso.

Eu saí do banheiro com um andar mole e sonolento. Eric estava deitado em uma das camas. A maior de todas. Ele olhava para o teto de um jeito também um pouco sonolento. Dava para

perceber que ele lutava para permanecer de olhos abertos, e estava compenetrado nisso de tal forma que mal percebera que eu havia saído do banheiro.

_ Eu estou meio cansada. Acho que vou lá pra 'minha' cama dormir, tá bom?

_ Não. Você tem que esperar até que o jantar esteja pronto. Você não pode dormir antes do jantar.

_ Por que não?

_ Porque faz mal.

_ Ai, que mentiroso! - eu ri - Nunca vi isso de que ir dormir sem jantar faz mal.

_ Ah, Jenni. Agorinha está todo mundo chegando aí. O jantar nunca sai depois das nove, você sabe. Não vai demorar muito. Eles vão ficar chateados se você não jantar com a gente.

_ Eu não vou conseguir esperar acordada. - eu disse, esfregando os olhos.

_ Vai sim. Deita aqui do meu lado. Se nós ficarmos conversando, nenhum de nós dorme. - ele disse entrecortando um bocejo. Ele se afastou um pouco na cama deixando um espaço para que eu me deitasse e eu me deitei. Estava tão cansada que sequer questionei quando ele colocou o edredon por cima de nossos corpos e envolveu-me em seus braços. Tão macios e rosados. Braços de menino mesmo. Tão diferentes dos braços do Connor. Tudo em Connor era adulto, sério, sensual. Eu sentia-me só uma garotinha inexperiente perto dele, porque era isso que eu era. Com Eric tudo brincadeira, sorrisos, meninices. Eu adorava o jeito doce que ele tinha. Jeito de menino que não é mais criança mas também está longe de tornar-se adulto. Com Eric, era como se nós fôssemos iguais.

_ Porque é que você tem a cama maior de todas? Por acaso você é o neto preferido? - eu ri.

_ É claro que sim. Eu sou o neto, sobrinho, filho, sou o preferido de todos. Aposto até que sou o seu namorado preferido. - ele disse, beijando-me de leve.

_ Tá bom. Hora de falar a verdade.

_ Era a minha cama lá de casa. Meus pais compraram outra e trouxeram essa pra cá. Feliz?

_ Melhor, né? Veja bem que te faço até uma pessoa melhor. Menos mentirosa pelo menos né?

_ E eu faço você menos teimosa.

_ Eu gosto da sua cama antiga... - eu disse, abraçando-me ao travesseiro. - quando você tem sono, travesseiros parecem muitos mais macios do que realmente são.

_ É por que você ainda não conheceu a nova. - ele disse, sem malícia alguma. Só eu fui capaz de ver a maldade em sua frase. Isso me fez corar. Então tentei mudar de assunto antes que ele percebesse.

_ E então? De onde você conseguiu aqueles troféus?

_ Não são meus. São do meu avô. No tempo dele tinham uns concursos lá de quem soltava pipa melhor. Bem, não sei bem como era, porque pra mim isso de soltar pipa é tudo igual. Mas, enfim, ele era o melhor e sempre ganhava os troféus.

_ Ah! Por isso esse monte de pipas coladas na parede.

_É.

_Você deveria tentar, sabia?

_ Soltar pipas? Sem chance.

_ Quem sabe ser campeão nisso é algo genético? - eu ri.

_ Grande coisa ser campeão de soltar pipas hoje em dia. Preferia sê-lo em outra coisa.

_ No quê?

_ Nada não.

_ No quê? Fala!

_ Se algum dia eu conseguir eu falo.

_ Então tá. Eu nem queria saber.

_ Ah! Você está se roendo de curiosidade. - ele disse, virando-se na cama para ficar em frente a mim.

Ele tinha um carinho, um cuidado tão grande ao beijar-me, que era como se eu fosse de porcelana e ele tivesse medo de me machucar ou quebrar. O beijo de Connor era selvagem, desencadeava a respiração acelerada, aqueles arrepios em todos os lugares imagináveis do corpo, aquela vontade de fundir-me ao corpo dele para sempre. O beijo de Eric era doce, trazia calma, uma sensação de bem estar enorme, que fazia-me sentir que, embora nada estivesse bem, um dia ficaria. Era a certeza de que ficaria tudo bem simplesmente porque tinha que ficar.

_ Eu adoro beijar você. Você é tão...Tão linda. Ás vezes eu tenho que fazer muita força pra acreditar que você tá aqui comigo.

_ Para, Eric. - eu pedi, tentando não olhar seu rosto.

_ Como foi o seu primeiro?

_ O meu primeiro o quê?

_Beijo,ué.

_ Ah, Eric. - eu ri.

_ Ah, conta vai.

_ Bom, eu não me lembro direito.

_ Tente se lembrar.

_ Por que é tão importante?

_ Por que eu quero saber. - se Eric estava insistindo em saber de algo,logo isso que não era normal a ele, é porque deveria lhe ser realmente importante. Mas por quê?

_ Bem, eu tinha treze anos. Estava em um aniversário de uma colega de classe,e estávamos brincando de girar a garrafa.

_Girar a garrafa?

_É. Verdade ou consequência. Então eu já tinha escolhido 'verdade' duas vezes, e era o número máximo de vezes que você poderia escolher a mesma coisa. E então eu escolhi consequência e o garoto que havia sido 'sorteado' comigo pediu para me beijar.

_ E por quê você não recusou?

_ Não podia. Eram as regras. Mesmo assim eu bati o pé e disse que não ia fazer de jeito nenhum. Como eu era uma menina muito tímida e não tinha muitos amigos, aí que eles implicaram mesmo.

_ Quando se é criança, leva-se as regras muito a sério. Mais do que os adultos.

_ Acho que eles não se importavam tanto com as regras. - eu ri - Mesmo assim consegui escapar naquele dia. E os meus colegas se esqueceram. Mas o menino não. Ele não me obrigou nem nada, sabe? Mas acho que ele gostava de mim. Lembro que ele era alto e ruivo e se sentava na minha frente na sala de aula. Mais ou menos duas semanas depois ele me chamou pra passar o recreio com ele. E, de alguma forma, fomos parar atrás da quadra de esportes e nos beijamos. Lembro que estava meio escuro e eu estava morrendo de medo. Mas, ao mesmo tempo, eu queria muito saber como era beijar alguém.

_ E você gostou? Sentiu aquilo que dizem? Todas aquelas sensações?

_ Na verdade não. - eu ri. - Foi super estranho. Eu não sabia como fazer e ele também era meio desajeitado... Mas então depois, com outras pessoas, você acaba aprendendo direito. Não é?

_É...claro.

_ E aí você sente.

_ O quê?

_ As sensações.

_ Ah. - ele murmurou, fitando o teto.

_ Você está com ciumes? - eu perguntei eu tom zombateiro. - Foi há tanto tempo!

_Claro que não. - ele sorriu amarelo. -Por que eu estaria?

_E o seu, Eric? Como foi?

_ Fica pra outro dia, né? Vamos ver se todo mundo já chegou. Eles já devem ter chegado. - ele disse, na iminência de levantar-se. Segurei com força os seus pulsos e coloquei-me por cima dele, uma mão e cada lado de seu corpo, prendendo-o.

_ Você está legalmente detido até que me conte. Vamos, foi tão ruim assim? Eu te contei o meu.

_ Não foi ruim. Foi muito bom. Mas eu não quero falar sobre isso. Me deixa, vai?

_ Por favor...- eu pedi de um jeito dengoso.

_ Jenni. Não. Nem rola.

_ Então tá. Você é muito injusto. Mas agora nem me importo. - eu disse, cruzando os braços e virando-me de costas para ele na cama.

_ Não faz isso Jenni. Jenni? - ele chamava, tocando-me o ombro - Tá, tá bom. Você venceu. Eu conto.

_ Então conta. - eu virei-me sorrindo.

_ Eu estava caminhando por um lugar onde eu gosto de caminhar. Gosto porque é calmo,tem pouca gente, é bastante grande, e... Era o lugar onde uma garota incrível frequentava. Jenni, era ela linda. Eu fiquei meio perplexo desde a primeira vez que a vi. Eu a via sorrindo, conversando com as amigas, dançando as músicas que ouvia em seu fone de ouvido. Ela dançava tão sutilmente que acho que só eu percebia. Tudo o que me era necessário para melhorar o dia era conversar com ela. Tudo bem que ela era meio mal-humorada e tudo mais. Mas eu não importava. Era ela, e ela estava falando comigo. - ele começou dizendo. E eu fui descobrindo do que se tratava. O meu rosto queimava. Eu tentava não pensar nisso. Não podia ser. Só não podia ser. Eu não conseguia dizer nada. - E, então, um dia, do nada, eu a vi sentada em um banco, muito triste. Foi então que eu descobri que vê-la triste era como estar igualmente triste. Daí eu me aproximei. E ela se entregou para mim. Ela me deu a chance de conquistá-la. Foi...cara, foi a melhor sensação da minha vida. E, desde então, Jenni, desde então tudo que eu faço a todo momento é tentar fazer certo o que ela pediu que eu fizesse. É como se fosse o maior objetivo que alguém poderia querer conquistar, sabe? É...o maior. Ao menos para mim.

_(...)

_ Jenni? Jenni, você está ouvindo o que eu estou falando? Fala comigo.

_ O seu primeiro beijo foi comigo?

_ É, foi.

_ Então por que depois você disse 'eu devo ter ficado muito bom nisso'?

_ Não sei por que eu disse isso. Acho que queria parecer maduro pra você.

_ Eu sou uma pessoa horrível!

_ Claro que não. Você é uma pessoa incrível.

_ Não. Sério. Me desculpa.

_ Jenni, pára! Você não me obrigou a fazer nada.

_ Na verdade eu praticamente te obriguei sim. Eu estava triste, magoada, e fui logo me sentindo no direito de ir te agarrando. Eu jamais imaginaria que fosse seu primeiro beijo. Essas coisas tem de ser com alguém que seja especial pra você. Tinha que ter sido.

_ Mas você é especial pra mim!

_ Especial mesmo,Eric. Especial, tipo...alguém que você...

_ Ame?

_ É.

_ Mas eu te a... - ele começou a dizer, até que tapei sua boca com força para que ele parasse.

_ Fica calado Eric. Fica calado, tá bom? Você não sabe de nada. Você não sabe nem a metade do que eu passo. Eu não quero que você sinta isso por mim.

_ Tudo bem. Você não precisa estar pronta para dizer ainda. - ele disse. E eu apenas desviei os meus olhos do dele, virando-me novamente para o outro lado da cama e fechando os olhos. O silêncio tomou conta daquele quarto. Eu só me perguntava o quão traumatizado ele ficaria quando um de nós acabasse magoando ao outro. Ele era tão inocente e eu sentia-me tão responsável por ele. Tal qual uma irmã mais velha. Por que é que ele tinha de gostar de mim daquela forma? E por que é que eu não conseguia parar de vez com aquilo? Eu era tão egoísta. Não fazia sentido. Ficar com uma pessoa para esquecer outra...! Pessoas são diferentes. Essas coisas não acontecem. Só se você fingir. Mas lá no fundo você sabe: não acontecem.

Ele ficou acariciando os meus cabelos em silêncio, e aquilo era tão bom. Eu sentia os movimentos do meu corpo ficaram cada vez mais lentos e os meus pensamentos irem cada vez mais longe, até que quase não fizessem mais lógica. As minhas pálpebras foram ficando cada vez mais pesadas e os suspiros mais longos. A cada segundo que se passava, mais macio ficava aquele travesseiro, mais aconchegante estava o espaço que me envolvia.

_ Lembra quando você disse que eu deveria soltar pipas como o meu avô para que eu me tornasse campeão como ele?

_ Hmm...? - eu murmurei, mergulhada em sono e cansaço

_ ...e que eu disse que preferia sê-lo em outra coisa?

_Uhuuum...

_ Se eu conquistasse você, se eu fosse a única pessoa que existisse em seus pensamentos, não existiria troféu de reconhecimento para algo tão grande. Seria melhor do que qualquer tipo de prêmio. Seria o próprio prêmio...você. - ele disse ainda, até certificar-se de que eu estava dormindo. Ou até que ele achasse isso. - Você ainda será minha, Jennifer Summers.

Melissa J
Enviado por Melissa J em 21/01/2015
Código do texto: T5109651
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2015. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.