Mais que a Minha Própria Vida - Capítulo 20

Aquela semana passou bem rápido. Eu havia feito a minha inscrição para as aulas de francês, e então estas aulas, a dança, o teatro,a escola, o meu avô, meu hábito de escrever e as minhas amigas me consumiam todo o tempo. Fazia com que eu não tivesse tempo para pensar tanto. Não pensando tanto, eu jamais ficava triste. Só exausta.

Rachel se oferecera para me acompanhar no meu primeiro dia da aula de dança. Ela sabia o quanto eu me sentiria deslocada sendo uma pessoa totalmente sem coordenação motora em meio a tantos excelentes dançarinos. Mas eu não quis. Era outro objetivo.

10) Tentar enfrentar os meus medos. - tentar, pois esse é o tipo de coisa que, por ser tão complexo, leva toda uma vida, todo um processo. Principalmente porque a maioria dos medos que as pessoas carregam, elas o fazem sem ter a menor consciência dos mesmos . Você teme tantas coisas, mas você não conhece os seus medos. Como se enfrenta algo que não se conhece? Precisa ir mais fundo. Precisa se conhecer, se conhecer profundamente para conhecer os seus medos e, só assim, eliminá-los. É quase igual com os defeitos. Mas os defeitos...Bem, você meio que também precisa deles.

E bem, de qualquer forma, eu tinha que enfrentar aquilo sozinha.

Vesti-me com um vestido qualquer e com aqueles sapatos de dança recomendados pela própria escola. Eu me sentia como uma garotinha nervosa em seu primeiro dia no colégio. Era segunda feira e a aula seria de tango. A escola era enorme e, em cada sala, ensinava-se um tipo diferente de dança. As salas eram todas de vidro temperado, podendo-se então contemplar cada tipo de dança que era ensinado. Os bailarinos dançavam divinamente. Fazia com que eu engolisse em seco ao pensar se um dia dançaria como eles. Faltavam cinco minutos para começar a aula quando eu entrei na sala.

_ Boa tarde. - sorriu um professor. Era alto, musculoso, de cabelos bem pretos e sorriso bem branco. - Veio para a aula de tango?

_ Sim. É a sala certa?

_ É. E eu serei o seu professor. Me chame de professor Charlie. - ele estendeu a mão.

_ Prazer. - eu sorri. Homens e mulheres de todas as idades alongavam-se e arrumavam os cabelos e roupas preparando-se para a aula. A maioria das mulheres estava de salto. E eu com aquele sapato tão baixo. Mas não era aquele que eu deveria usar?

_ Nesta aula as mulheres gostam de treinar de salto para as grandes apresentações, porque é o que se usa.

_ E eu vou ter de treinar assim?

_ Não se preocupe. Só quando você estiver acostumada. Leva tempo, mas a prática é algo que não se esquece.

_ Tudo bem.

_ Ah, e seja vem vinda.

_ Obrigada.

_ Vá lá pra frente, certo? Começaremos agora.

_ Boa tarde pessoal. Espero que estejam muito animados, pois vamos ralar muito hoje,hein? - ele disse logo após postar-se á frente da turma. - Vamos treinar alguns passos da última aula e alguns novos. Temos uma aluna nova aqui. Pode dizer seu nome á todos?

_ Jennifer. - eu disse, corando.

_ Qualquer coisa que você precisar me avise, certo?

_ Tá bom.

Treinamos alguns passos em frente ao espelho. No começo era um pouco difícil, mas depois que se faz várias vezes seguidas você acaba pegando a prática aos poucos. Primeiramente fazíamos os passos separados. Depois o professor pedia para que as duplas se juntassem. As pessoas, conhecidas, começaram a formar seus pares enquanto eu ficava observando e torcendo para que sobrasse alguém sem par. Foi quando senti mãos tocaram os meus ombros.

_ Oi Jennifer.

_ Brandon? Ai, não acredito que é você. - sorri ao reconhecê-lo. - Desde quando você faz dança?

_ Desde os meus trezes anos. E você?

_ Desde hoje. - eu ri.

_ Que legal. Você vai adorar a sensação que dá. Olha, se você precisar de ajuda, tá bom? É só pedir.

_ Vou precisar de muita.

_ Estava com saudades de você. Você deu uma boa sumida quando começou a namorar aquele cara. Começa a namorar e esquece dos amigos, é?

_ Bem, nós terminamos.

_ Ah! Desculpa, ninguém me disse nada.

_ Sem problemas. Eu estou bem.

_ Mas por que vocês..hm...terminaram?

_ Não dávamos certo juntos. - menti.

_ Ah, nesse caso acaba sendo melhor assim, não é mesmo?

_ É. Assim nós não ficamos nos magoando.

_ Vamos dançar então? - ele mudou de assunto tomando minhas mãos.

_ Mas você não ter par?

_ Agora tenho. - ele sorriu. - A escola contrata alguns alunos que fazem aula há muito tempo para trabalharem como dançarinos. Você não ganha nada, mas pode fazer aulas de qualquer dança que quiser, desde que dance com todas as pessoas. O trabalho é meio que ajudar as pessoas a aprender a dançar. Ajudá-las a aprender apenas, pois elas só aprendem por si próprias. Bem, de qualquer forma, é divertido.

_ Legal. Você pode me ensinar muita coisa.

_ É. E em troca você pode fazer minha lição de casa. - ele riu, começando a ensaiar comigo os passos antes vistos.

_ Impossível. Você está na faculdade e eu ainda nem saí do ensino médio.

_ Ah, mas você consegue. Eu não estudava no ensino médio metade do que você estuda.

_ E como é a faculdade?

_ Eu estou gostando, sabe? Ver as matérias que gosto, conhecer tanta gente nova. O melhor de tudo é que lá eles não são tão preconceituosos em relação a certas coisas quanto eram os do colégio. - ele disse. Eu sabia exatamente do que ele estava falando.

_ Só pessoas sem nada na cabeça tem preconceito quanto a isso.

_ Você acha? - ele levantou a sobrancelha de um modo brincalhão.

_ Só acho que todas as pessoas tem o direito de amar quem elas quiseram, independente de qualquer coisa, e que os outros não deveriam se intrometer tanto. Qual o problema no amor? É um sentimento tão lindo.

_ É verdade. E a melhor coisa do mundo é não ter de ficar guardando-o dentro de si. - ele disse, fazendo um passo brusco. A frase fez com que eu bambeasse e quase caísse no chão. Aquela frase dizia muito sobre mim. Era o que eu fazia todo o tempo. Sorte que ele me segurou.

_ Epa...!

_ Tudo bem, querida. É seu primeiro dia. - ele riu.

Ter Brandon por perto tornava as coisas muito mais fáceis. Quem diria. Uma amizade com ele era algo que não passava jamais pela minha cabeça antes de conhecê-lo de verdade. O seu jeito de conduzir era firme e gentil, facilitando mais ainda que os passos fossem executados. E o humor com que ele lidava com meus erros e quedas fazia com que eu mesma não levasse tão a sério. Era bom tê-lo por perto.

_ Vocês foram ótimos hoje, meninos. Parabéns. Por hoje está bom, vão pra casa, descansem, e até a próxima semana. - disse o professor.

_ Alguém vem buscar você?

_ Não. Eu vou a pé.

_ Deixa eu te levar? Eu estou de carro. - Brandon pediu.

_ Tudo bem. - sorri. Era bem melhor do que ter de andar todas aquelas quadras para casa.

A porta de saída da minha sala dava de frente para outra sala onde uma aula ainda acontecia. A aula de ballet. Uma elegante professora de sapatilhas e collant preto conversava com as meninas e meninos enquanto eles faziam os passos que por ela eram pedidos. Os meninos usavam uma roupa azul muito colada e as meninas usavam um collant rosa com sapatilhas e uma saia igualmente rosa. Os rostos delas era levemente maquiado, o cabelo sempre preso em coque. Elas dançavam e rodopiavam envolta dos homens enquanto eles as seguravam, sustentavam,guiavam. Eles eram a força, o porto seguro, aquilo que não as deixava cair. Elas eram a beleza, a graça, a esbelteza, a sensualidade. Eles eram a proteção. Elas eram todo o sentimento. O ballet era tão bonito.

_ Lindo, né? - comentou Brandon ao ver que eu observava.

_ Estonteante. - respondi.

A professora liberou aos alunos que logo transformaram-se em crianças e jovens alegres, que corriam, conversavam, faziam milhares de planos animadíssimos enquanto guardavam as suas coisas. Uma garota chamou-me a atenção. Ela tinha a pele muito clara e um rosto muito bonito que a fazia parecer muito com uma boneca de porcelana, de tão frágil e bonita que era. Tinha cabelos bem claros e finos, que escorriam enquanto ela soltava o coque, e olhos grandes e verdes que contrastavam com os seus cílios grossos e negros. Ela era um pouco mais alta do que eu. Seus olhos brilhavam assim como o seu sorriso transmitia felicidade ao correr para fora da sala em direção ao garoto que a esperava. Ela beijou-o de maneira apaixonada, afagando os seus cabelos e dirigindo-lhe algumas palavras que não pude ouvir. Então ela o abraçou e eu,finalmente, pude ver-lhe o rosto. Só então todo o meu encantamento em relação ao carinho dos dois foi todo por água abaixo. Eu conhecia aquele rosto. Eu conhecia mais do que eu gostaria. E a sensação que tomou conta de mim no momento era de cortar a garganta.

_ Eric. - eu sussurrei tão baixo que somente eu ouvi.

_ Jenni? Que foi? - perguntou Brandon ao tentar tirar-me de meu estado estático.

_ Hoje é o dia internacional do 'encontre o seu passado' e esqueceram de me avisar?

_ Desculpe se eu te faço lembrar ao Connor. - ele disse, abaixando a cabeça. - Eu achei que aquele seu namorado tinha feito você esquecê-lo.

_ Esquecê-lo também não é tão fácil quanto parece. - pensei. Mas não era daquilo que eu estava falando. Quero dizer, era também. Mas apesar de o simples fato de estar com Brandon lembrar-me de Connor, eu me sentia bem com ele. Mas Eric ter aparecido fora a gota d'água. Que diabos ele estava fazendo lá? Ele poderia estar em qualquer lugar. Qualquer um. Mas não. Era como se tudo que fosse deixar-me para baixo me perseguisse todo o tempo.

_ Não é disso que eu estou falando. - sussurrei. - Vamos embora.

_ Eu não entendo você. - ele disse, tentanto seguir o meu olhar. Então ele o viu. - AH! Ele é tão cara de pau! O que é que ele acha que está fazendo aqui?

_ Exatamente o que eu mandei que fizesse. Seguindo em frente. Conhecendo outras garotas antes de saber o que é melhor para ele. Tentando ser feliz...sem mim.

_ E por quê você disse essas coisas?

_ Vamos embora. Não quero que ele me veja.

_ Tudo bem. Vem. - ele colocou as mãos em minhas costas, conduzindo-me até o carro.

_ O que foi aquilo, Jennifer? - perguntava aquela vozinha dentro da minha cabeça.

Qual fora o tamanho do meu ciumes, da minha dor ao ver Eric com aquela garota? O suficiente para sentir uma raiva muito grande dentro de mim. Por que ele estava fazendo aquilo? Ele não dizia que me amava? Não dava pra ser outra garota, tinha de ser eu. Ele gostava de mim da mesma forma intensa como eu gostava de Connor. Ele aguentaria qualquer coisa que fosse desde que pudesse ficar comigo. Ele faria de tudo para que o meu coração se recuperasse e pudesse amar novamente. Então era tudo mentira? Qual parte de tudo aquilo que ele achava que tinha vivido comigo era verdadeira? Era como se ele houvesse mentido repetidamente e a raiva que eu sentia por isso quase fazia com que lágrimas quentes rolassem pela minha face. Raiva, mas uma raiva injusta. Ele tinha todo o direito do mundo de querer estar com alguém que lhe amasse de verdade. Eu não tinha direito de estar com raiva. Estava apenas sendo egoísta...De novo.

Por que eu sentia aquilo? Eu havia prometido a mim mesma, e tantas vezes, que ficaria feliz por ele quando ele encontrasse alguém que o fizesse feliz. E aquela garota parecia gostar tanto dele. Claro que gostava. Que tipo de pessoa não conseguiria amar ao Eric? Somente eu não conseguia. Somente eu queria tê-lo todo o tempo por perto apenas por que ele me distraía. Me fazia esquecer um pouco. E agora eu estava tão dividida e confusa que já nem fazia mais ideia do que deveria pensar. Então eu gostava dele? Eu havia me apaixonado por ele sem perceber? Ou será que era só um sentimento de possessão que eu havia criado por ele, por tê-lo tido alguns momentos ao meu lado, amando-me, querendo-me bem, cuidando de mim? Eu poderia amá-lo sem saber? Mas como, se apesar de todos os meus esforços, todas as lembranças e sentimentos por Connor ainda permanciam intocadas dentro do meu coração? Não é possível amar a duas pessoas ao mesmo tempo. E eu amava ao Connor, eu tinha certeza. Isso me levava a crer apenas que talvez, tendo Connor tão longe e platônico, o que eu sentia por Eric seria o mais próximo que eu poderia chegar do amor. Mas jamais seria amor. Seria outra coisa. Paixão? Carinho? Será que se eu o tivesse novamente eu consegueria sentir as coisas que não fui capaz de sentir antes? Não! Eu não faria isso, eu não poderia fazer isso. Eu já o havia machucado demais. Não o magoaria novamente. Ele não merecia. E eu não merecia tê-lo por perto. Eu jamais poderia ser completa para ele, e disso eu tinha certeza. Seria errado continuar sendo tão egoísta, logo naquele momento em que ele parecia estar conseguindo superar tudo.

Três semanas se passaram e, em cada segunda feira, lá estava ele com a menina. O nome dela era Sophie e ela era a mais exemplar dançarina de ballet daquela escola, sempre chamada para os maiores espetáculos e vencedora de inúmeros concursos. A garota perfeita. Era o que eu queria, não era? Que ele encontrasse uma garota tão incrível quanto ele. Estranho era que ele não se mostrava tão carinhoso quanto era comigo na época em que namorávamos. E ela era extremamente carinhosa.

Quando Eric me viu pela primeira vez na escola de dança, eu estava no meio de um passo com Brandon e o observava enquanto ele esperava pacientemente pelo término da aula de ballet. Então os seus olhos encontraram-se com os meus e a sua feição foi como se simplesmente não acreditasse que estivesse acontecendo, que eu estava ali. Ele caminhou até a vidraça e ficou me vendo dançar por um bom tempo. Eu fingi não perceber, mas ele continuava ainda assim. Até a aula de ballet acabar. Isso não se repetiu, e não nos cumprimentamos nem naquele dia e nem nos outros. Era como se fôssemos completos desconhecidos.

Com as três semanas eu havia aprendido bastante coisa e já conseguia fazer alguns passos relativamente bem. Ainda mais com a minha amizade com Brandon, que estava cada vez maior, ás vezes passávamos o dia juntos em minha casa, ensaiando. Até tive a oportunidade de conhecer o seu namorado. Eu já o havia visto algumas vezes, mas sair com eles dois era extremamente divertido. E minha confiança em Brandon crescia mais e mais. Tinha somente um assunto sobre o qual não conversávamos: Connor. E ele sabia que eu não queria sequer ouvir aquele nome. Então ele não falava, e ficava tudo bem.

Eu seguia á risca todos os meus objetivos da lista que havia feito, fato que me impediu de dizer não quando Grace convidou-me para aquela festa no dia que estava reservado para ficar com ela e as outras garotas, ainda que eu não estivesse com a menor vontade de fazê-lo. Pensei em colocar mais um objetivo: 'não desistir da lista', mas cheguei á conclusão de que aquilo não era um objetivo. Era...Era uma obrigação. Por mim. Eu faria aquilo por mim. Por mim e pelo Adam, o cara que mudou totalmente o meu rumo, meus planos, meus sonhos, em dez minutos de conversa.

Grace estava meio brigada com os pais, e isso a deixava triste. Ir na festa com ela e ainda deixar que ela (depois de muito insistir) ainda escolhesse a roupa que ela queria que eu usasse, era a minha forma de deixá-la feliz. E como aquilo a deixava feliz. Poderia ser mais um objetivo. A repetição de um dos objetivos do Adam:

11)Fazer o máximo para que as pessoas á minha volta sejam felizes. E isso as faça se lembrarem de mim como alguém que lhes deu algo bom. - era um objetivo lindo. E não me custava nada tentar realizá-lo. Afinal, não é como dizem? No fim de tudo não importa quem conquistou você, mas quem você conquistou. Porque são essas pessoas que terão você dentro de si para sempre.

_ J., você tá tão linda! Assim que eu terminar de te maquiar ninguém mais vai te reconher. - Grace disse,virando o espelho para mim.

_ Sei lá. Achei meio curto o vestido. Meio decotado demais. Não gosto de sair assim. - eu disse, tentando puxar a ponta daquele vestidinho preto.

_ Não tá nada. Tá linda. Você vai ver, todos os homens da festa admirando você.

_ Como se eu quisesse isso.

_ Todo mundo quer! - ela riu.

_ Todo mundo nada.

_ Senta aí e fica caladinha,J.! Deixa eu passar maquiagem em você.

_ Cadê a Rachel e a Leah?

_ A Rachel já está a caminho. A Leah vai encontrar a gente lá.

_ Encontrar a gente ou as outras amiguinhas dela?

_ Ela disse que era a gente.

_ Então tá, né.

Quando chegamos estava ainda no começo da festa. Era uma festa de quinze anos de uma garota do colégio e, apesar de não conversarmos muito com ela, todas fomos convidadas. Leah chegou umas duas horas mais tarde. Ela foi alegre nos cumprimentar como não fazia há muito tempo.

_ Uma trégua. - disse Rachel após ela se afastar um pouco. - Nós paramos de brigar um pouco.

_ Ai, que bom amiga. É tão bom isso, né? Tudo se ajeitando pra todas. E mais um ano para nós, até que possamos ir para a faculdade, ficar independentes, ver nossas vidas começando de verdade. Tenho certeza que estarei totalmente preparada para quando chegar a hora.

_ Eu tenho também, amiga. Você conseguirá tudo o que deseja. - ela disse apertando as minhas mãos. - Ai, por que é que aqueles dois não vão para um motel, hein? Ficar se agarrando aqui assim,no meio da pista de dança.

_ Quem? Cadê?

_ Ali. - ela apontou disfarçadamente. - Cuidado pra não olhar de forma descarada, hein? Não quero que percebam que eu estava falando deles.

_ Meu Deus, o que o Eric tá fazendo aqui? - eu perguntei, apesar de ter sido muito mais uma exclamação. Meu rosto estava branco.

Eric disse algo no ouvido da garota, que riu para ele. Desde quando ele era um conquistador nato? E quem era aquela garota? Ele não estava namorando a Sophie? A menina era tão bonita quanto. Tinha os cabelos escuros, levemente ondulados e dançava excepcionalmente bem. Eles ficaram um tempo juntos até que alguém ligou para ela, possivelmente os seus pais dizendo que estavam na porta, pois logo em seguida ela se foi. O que eu estava fazendo? Vigiando-o? É que ele estava tão diferente daquilo que eu conhecia.

_ Olha só. - apontou Rachel - A menina mal foi embora e ele já está dando em cima de outra. - Ah, eu tinha criado um monstro.

_ Não deveria ter vindo.

_ Não, J.! Esquece isso. Viemos pra nos divertir e é isso que faremos. - disse Grace,puxando-me para longe dali.

Tudo estava bem, eu juro. Tudo estava perfeitamente sob controle. E tenho certeza que teria continuado da mesma forma se ele não houvesse me visto ali. Mas ele viu. Ele viu e, por um momento, eu pude ver nos olhos dele um sentimento de vergonha. Vergonha pelo que estava fazendo, vergonha de ser pego fazendo aquilo. Ser pego por mim. Quanto será que significava pra ele? Eu sabia que o tinha magoado, mas não justificava, não justificava de forma alguma magoar outras pessoas por isso.

_ Jenni? - ele puxou o meu braço. Nem precisei olhar para trás. Eu jamais confundiria a sua voz.

_ Você tá tão...Linda. Você cortou o cabelo? Nossa, você cresceu mais nesses dois meses? Tá tão diferente.

_ Obrigada, Eric. Mas você já tinha me visto. Você me vê toda segunda feira.

_ É. - ele disse em voz baixa, abaixando a cabeça. - Desculpa.

_ Pelo quê?

_ Por nada.

_ E cadê a Sophie?

_ Sophie?

_ É. Sua namorada.

_ Sophie não é minha namorada.

_ Então quem é? Aquela garota de agorinha?

_ Nenhuma delas é.

_ Coitadinha, Eric. Ela gosta de você.

_ É. Ela gosta. - ele disse numa frieza impressionante. O cheiro do álcool era inconfundível saindo de sua boca.

_ Você bebeu, Eric?

_ Só um pouco.

_ Sei. E desde quando você bebe?

_ Bem, é um país livre. - ele riu - Não se preocupe. Não vou dirigir pra casa.

_ Então agora você é um garanhão, hein? Todas as garotas aos seus pés. Incrível a rapidez com que você me esqueceu.

_ Jenni! - ele disse, se aproximando. - Você não percebe? Eu não esqueci você. Eu estou tentando, e meu Deus, isso está me enlouquecendo. Eu estou fazendo o que você disse. Estou tentando seguir em frente. Você disse que só se encontra a pessoa certa quando você já procurou em várias outras.

_ Eu não disse exatamente isso.

_ Estou procurando, Jenni. Você disse que eu não sabia como me sentia. Que eu achava que amava você porque você era minha primeira namorada. Bem, eu estou tentando acreditar nisso. Mas não adianta, eu não consigo gostar delas. Eu fico com todas essas meninas, mas...o tempo todo eu estou procurando você. - ele disse de uma vez, parando para respirar só depois.

_ Você não pode dizer que eu sou a justificativa pra você agir assim.

_ A Amanda tem um sorriso idêntico ao seu. A Sarah consegue me olhar exatamente como você olhava. A Lisa fala igualzinho a você, se não fosse a voz diferente parecia até você falando. A Sophie...Ah, a Sophie tem um jeito como o seu. É por isso que eu gosto mais dela. Ela se parece muito com você, é importante pra que eu não me esqueça como você era. A diferença é que ela se apaixonou por mim...De verdade.

_Eric, eu me apaixonei por você.

_Mentira.

_Eu me apaixonei sim, Eric. Eu realmente gostava de você. Mas...

_Mas era só isso,né? Era tudo o que você podia me dar. E isso te fazia sentir mal porque você não conseguia me amar. Por mais que você gostasse de mim, aquilo jamais viraria amor.

_ Você queria uma parte muito grande de mim e eu... Me desculpa, mas eu não consigo Eric. Eu não consigo ainda. Não é que eu não queira.

_ Você nunca me deu uma chance. Era como se eu fosse o clone do Connor, uma lembrança ruim dele que só fazia piorar as coisas.

_ Não é verdade. Eu me sentia bem com você. Os poucos momentos que eu conseguia esquecê-lo eram aqueles em que estávamos juntos. Mas você sempre estragava tudo. Forçava as coisas. Por que você não esperava o meu tempo? Eu queria mudar, eu queria que você fosse pra mim o que eu era por você. Mas tudo foi rápido demais e tudo o que eu fazia era machucar você. Eu não queria te machucar. Eu odiava te ver triste e eu sabia que era a culpada.

_ É porque quando a gente ama alguém faz de tudo pra ter isso de volta.

_ Eu sei. Não é culpa sua, é culpa minha. Eu não devia ter beijado você aquele dia. Você não tinha culpa da mágoa que eu sentia e você não merecia ser envolvido nisso.

_ Eu não consigo ter raiva de você. - ele sorriu um pouco envergonhado - Mas eu não consigo evitar procurar você o tempo todo. E eu não consigo evitar descontar em outras garotas a dor que eu sinto por querer você e não poder ter.

_ Não faz isso, Eric. Segue em frente. Deixa que eu siga.

_ Eu sei, eu sei.

_ Olha, eu tô quase conseguindo. - eu sorri - Estou me sentindo tão bem,sabe? Passo mais tempo com minha família e amigos, faço tudo o que gosto, estou aprendendo coisas que jamais imaginei que aprenderia. Me sinto tão mais segura, sabe? Acho que nunca estive tão feliz.

_ Essas coisas que você anda fazendo... Fazem com que você o esqueça?

_ Fazem com que eu aprenda a conviver com isso.

_ E se eu fosse devagar dessa vez, Jenni? E se a gente só deixasse acontecer naturalmente? Você gosta de mim. Você não me ama, mas você gosta de mim. E eu sou louco por você. Prometo que dessa vez vou respeitar o seu tempo, respeitar o que sente. Talvez você até já esteja pronta, sabe? Mas ainda não sabe. Se alguém é capaz de fazer você feliz, de fazer com que você esqueça aquele cara...Bem, eu queria que esse alguém fosse eu.

_ Não Eric. Não estraga tudo. Por favor. - eu pedi. Ele se aproximou de mim, tocando as minhas costas como se a muito tempo ansiasse por aquilo. Seu rosto se aproximava do meu e eu não podia evitar que aquilo me deixasse nervosa.

_ Não vou estragar. Eu não estou pedindo você em casamento. Só estou pedindo outra chance.

E então ele me beijou. Ele me segurava forte como se não fosse soltar nunca mais. Para eu não ir embora. Mas ainda assim a delicadeza com a qual ele fazia aquilo ainda era...Ainda era o Eric. O mesmo Eric. Eu não podia negar. Eu senti falta do seu cheiro, do seu carinho, do seu cuidado. Eu queria me sentir completa, mas aquele espaço do meu coração onde deveria ficar guardado o amor permancia vazio. E ás vezes aquilo doía. E, ainda que Eric não o completasse totalmente, ele fazia com que não parecesse tão vazio assim.

Mas de que adiantava? O que eu sentia quando estava com ele ainda não chegava nem perto de como era com o Connor. Não havia mudado nada. Era um erro, um tremendo erro. Só estávamos nos enganando, nos machucando novamente, e eu sabia que aquilo traria consequências futuras. O que é que eu estava fazendo? Era errado e eu sabia que era. Estava mudando o meu rumo, estava impedindo tanto a mim quanto ao Eric de seguir em frente. Nós jamais conseguiríamos seguir em frente juntos. Era algo que tínhamos que aprender sozinhos. E, mais do que isso, eu era a terceira garota que ele beijava aquela noite. Não era certo. Ele estava virando uma pessoa que ele não era, e parecia não fazer a menor ideia do quão errado era. Eu não podia mais mentir pare ele. Eu não o amava e não sabia se algum dia poderia ser capaz de sentir aquilo por ele. Eu me apaixonara, mas era só. Uma paixão que só acabaria em mágoa e decepção. Eu prometi a mim mesma que não o machucaria novamente. Aquilo tinha que parar. Tinha que parar imediatamente.

_ Eric, para com isso. - pedi, afastando o seu corpo do meu. - Isso foi um erro.

_ Como algo feito com amor pode ser um erro? - ele disse, e por mais que não lhes possa explicar o que foi que senti ao ouvir aquilo, posso dizer-lhes o efeito que teve. Eu comecei a chorar. Eu me senti sem chão. 'Como algo feito com amor pode ser erro?'.Eu não sei como. Mas é um erro, eu sei que é.

_ Jenni, você tá chorando? - ele disse. E ele me abraçou. - Desculpa. Não queria ter feito isso. Eu estraguei tudo de novo,né?

_ Pare de falar Eric. - eu sussurrei no seu ouvido.

_ Você me machucou sim, Jenni. Mas eu machuquei você também. Eu sei que eu também faço você sentir dor, mas olha, é sem a menor intenção.

_ Eu sei. E eu também.

_ Eu sei. - ele acariciou os meus cabelos. - Sabe, eu imaginei que se você me beijasse agora, talvez você poderia se sentir igual você falou aquela vez.

_ O que mudou?

_ Não sei...nós dois?

_ Ah, Eric. Senti falta de ter você perto de mim. - desviei do assunto enquanto os seus dedos ainda acariciavam as minhas costas. Como era bom. Por que é que não podia ser só aquilo? Por que é que ele sempre tinha de exigir mais do que eu poderia dar? Bem, eu sabia porque. Era um direito dele. O direito de querer ser amado de volta.

_ Mas você não sentiu aquilo...né?

_ Senti como?

_ Da forma como você dizia que se sentia com o Connor. As borboletas no estômago, coração disparado… Você sabe. O que eu sinto por você.

_ Desculpa...Desculpa!

_ Você não sente. - ele disse. E eu ia dizer o quê? Ele só percebia o que já era óbvio. Tinha de ser o Connor. Eu o amava, eu o amava muito. Ele jamais poderia substituí-lo. - Ah, você não sente. Eu nunca me senti tão derrotado na minha vida.

_ Me desculpa!

_ Você não tem culpa. Você não é obrigada a gostar de mim. Ninguém é.

_ Eu peço desculpas por estar magoando você de novo.

_ Ei, você não lembra? Eu quem beijei você agora. Só eu que tenho de pedir desculpas.

_ Eu deixei que acontecesse.

_ É, mas fui eu quem fiz. Você não pode controlar tudo todo o tempo, Jennifer. Você não pode se culpar por tudo que acontece.

_ Tá bom. - eu sussurrei, desencostando a minha testa de seu ombro para limpar as últimas lágrimas. - Eu vou sentir sua falta.

_ Nós podemos ser amigos.

_ Não, não podemos.

_ É verdade. Péssima idéia.

_ É. - eu disse, antes daqueles segundos de silêncio que permaneceram. Então foi o Eric quem afastou-se de mim.

_ É um ciclo vicioso, não é? O Connor magoa você, você me magoa, eu magoo a Sophie e ela vai acabar magoando alguém. Nunca vai acabar,não é? Por isso que ninguém mais acredita no amor.

_ Não precisa ser assim, Eric. Nós dois não precisamos sair magoados disso. Podemos apenas lembrar um do outro com carinho. E você não precisa magoá-la também.

_ É, mas eu magôo. E ela diz não se importar, desde que possa me ter por perto. Exatamente o que eu dizia pra você. - ele sorriu de uma forma melancólica. - Eu não consigo gostar dela.

_ Eu não posso te aconselhar em relação a isso, Eric. - eu disse, olhando para o chão. - Mas ela parece realmente gostar de você.

_ Eu realmente gosto de você. Que diferença fez?

_ Eu sou um monstro, não é?

_ Adeus, Jenni. - ele disse, andando firmemente em direção á saída e deixando-me ali. Eu estragara tudo. Eu sempre estragava tudo.

_ Me desculpa... - eu sussurrei baixo demais para que qualquer pessoa pudesse ouvir

Tudo ficou muito estranho após a festa, mas algo dentro de mim dizia que eu havia feito a coisa certa e que tudo começaria a melhorar a partir de então. Prometi a mim mesma que tentaria ficar bem, que não atrapalharia a vida de Eric e que não desistiria de completar os objetivos da lista. Nenhuma das minhas amigas comentaram sobre o ocorrido na festa. Nenhuma delas comentou sobre o fato de eu ter ido para o jardim e passado a maior parte do tempo chorando. Era como se não houvesse acontecido, e elas bem que estavam certas em fazê-lo, conversar sobre só magoaria mais. A outra semana chegou muito rápido e tudo deu a entender que Eric estava disposto a seguir em frente. Como cheguei a tal conclusão? Na segunda feira ele apareceu, como sempre. Porém junto dele veio um enorme buquê de rosas vermelhas. Não, eu não me permiti olhar nos olhos dele e não me permiti sequer olhar nos olhos de Sophie. Sabia que seria um olhar de dor por parte dele, que me magoaria, e um olhar de felicidade extrema por parte dela, o que me lembraria que seria difícil, muito difícil que um dia eu pudesse permitir tal coisa a mim mesma.

Melissa J
Enviado por Melissa J em 30/01/2015
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