Mais que a Minha Própria Vida - Capítulo 24

O coração disparado, as mãos a suar frio, o corpo trêmulo, as pernas moles, a visão embaçada. Chama-se estar ansiosa. Eu chamo de tensão antes de realizar um grande feito. Os personagens todos já estavam prontos. Até o Romeu, que tinha um dos figurinos mais difíceis de se vestir estava ao meu lado repassando as falas, o cabelo castanho claro engenhosamente penteado e com gel, as pernas a mover-se impacientes, desejosas de que o espetáculo começasse logo.

- Menina, se você não ficar quieta nós não terminaremos essa maquiagem a tempo. - ralhou-me o maquiador. Haviam quatro pessoas à minha volta. Davam os ajustes finais ao figurino, trançavam os meus cabelos prendendo-os no alto da cabeça deixando que algumas mechas caíssem pela minha face, maquiavam-me com aquele pó branco, o rouge, o rímel, o batom vermelho, e me mandavam parar de mexer tanto. Eu me sentia nervosa mas, ao mesmo tempo, explodia de felicidade. Eu iria representar um dos papéis mais importantes, eu havia conseguido, eu sabia que nunca me esqueceria daquilo.

_ Eu quero o 'coro' no palco em cinco minutos! - gritou o professor de teatro. Fora ele quem organizara tudo. O som da plateia do lado de fora, o som dos técnicos a prepararem as cortinas para serem abertas, a percepção de que tudo estava começando e, logo, seria eu o centro das atenções daquele palco. Todos os fatos, as sensações, faziam-me ficar com o coração na mão. - E os atores que representarão Sansão, Gregório, Abraão, Benvólio, Baltasar, Tebaldo,os Capuletos,os Montecchio,o príncipe, Romeu e os cidadãos fiquem nas coxias, pois vocês entram logo após o coro.

_ Boa sorte. - sorriu Simon segurando as minhas duas mãos com força. Era ele o Romeu. - Fique calma, certo? Ensaiamos muito, batalhamos por isso, vai dar tudo certo.

_ Sei disso. Vai lá. Dê um espetáculo, Romeu.

_ Estarei esperando por você. minha Julieta. - ele piscou, brincalhão.

_ Eu quero os atores que representarão Capuleto, Páris e o criado. - gritou o professor pela porta do camarim algum tempo depois. - As atrizes que interpretarão Julieta e a criada preparem-se que agorinha as chamarei. E menina que faz a 'Senhora Capuleto', descanse rápido que você entrará junto delas.

_ Eu sei. - a garota cochichou para mim virando os olhos - A gente já treinou isso um milhão de vezes.

_ É agora. - eu pensei, sentindo o meu coração disparar de novo. Sentei abraçada ás minhas pernas e levei uma bronca do figurinista por estar amassando o figurino.

_ Tá. Desculpa. - murmurei.

_ Jennifer Summers! - gritou uma das organizadoras da porta. Ela vestia um terno feminino preto e carregava uma caderneta nos braços. - Tem alguém aqui que disse precisar falar contigo e diz ser urgente. Apenas seja breve, certo?

_ Falar comigo? Mas quem? - pensei - Meu avô já está sentado lá nas poltronas, eu sei porque fui eu quem o ajudei a se sentar assim que cheguei. Quem poderia ser? - Caminhei até a porta. A moça apontou para um corredor escuro onde havia um banquinho e, assim que me aproximei, a pessoa que estava sentada se levantou.

_ Connor. - eu disse, tentando disfarçar o sorriso enorme.

_ Oi. - ele sorriu. - Vim te dar isso. - ele estendeu uma rosa vermelha - É pra te desejar sorte.

_ Obrigada.

_ Você está nervosa? - ele perguntou, se aproximando.

_ Muito. - respondi. E eu estava. Ainda mais perto dele.

_ Não fique. Você vai se sair bem. Você é muito talentosa, eu vi com meus próprios olhos. Sei que vai dar certo. Tenta ficar calma, tá bom? - ele disse com aquela voz doce e macia, olhos tão fixos nos meus que era como se me prendessem, me impedissem de fazer qualquer movimento.

_ Tá. - murmurei.

_ Você quer rever as falas?

_ Não dá tempo. - eu ri - A qualquer momento...

_ Jennifer! - o professor gritou pelas minhas costas muito irritado. - Vá para as coxias agora! Você está louca? Já está quase na hora de entrar e você fica de conversinha.

_ Desculpe.

_ Não se desculpe. Apenas vá!

_ Vem comigo. - pedi a Connor.

_ Eu posso?

_ Não faço ideia - sorri - Mas vem. Eles não vão perceber. Há personagens saindo e entrando toda hora.

Corremos até as coxias, onde as duas meninas que entrariam comigo já estavam posicionadas. De onde estávamos dava para ver a cena no palco e, por um buraco, dava para ver a plateia. Haviam centenas de pessoas naquele lugar. Meu corpo estremeceu.

_ Tudo bem?

_ Nervosa.

_ Eu vou estar assistindo de lá da plateia. Se você ficar com medo é só olhar pra mim. - ele disse, entrelaçando os seus dedos nos meu e apertando com força a minha mão.

_ Eu não posso olhar pras pessoas quando estou representando.

_ Mas é bom saber que haverá alguém lá pra você, não é?

_ Eu... - comecei a dizer, mas as palavras simplesmente não saiam. Sempre seria o efeito que ele tinha em mim. Era maravilhosamente assustador.

_ Jennifer, hora de entrar. - disse uma das meninas que contracenariam comigo.

_ Certo. - eu disse para ela - Eu acho que... Que vou entrar. Tá? - eu tentei sorrir para ele. Deve ter sido um sorriso bastante cômico tamanho o meu nervosismo. Por estar com ele. Por estar tão perto de estar no palco. Então sem que eu esperasse ele segurou o meu queixo e beijou-me docemente.

_ Bem...Quebre a perna. - ele sorriu. E eu entrei. ***

*** "A origem da expressão "quebre a perna" (break a leg) não é totalmente certa.

Alguns falam que a origem vem do 1865, quando John Wilkes Booth, o assassino do presidente Lincoln, que era ator, na tentativa de matar o presidente Lincoln durante uma peça, pulando quebrou uma perna.

Outra versão é que o significado esteja ligado ao sentido de "perna" (leg), que se refere à parte lateral do palco onde ficam as cortinas.

Nesse sentido, o significado é a expectativa que os aplausos do público sejam tantos e tão fragorosos que levem o teatro abaixo.

Mas a origem na minha opinião mais provavel e sempre ligada ao significado de "leg" (que é exatamente a corda que levanta e baixa as cortinas) é que as cortinas sejam levantadas e abaixadas tantas vezes para os atores receberem os aplausos, que a corda (leg) acabe se quebrando. "

Foi então que descobri que havia uma única coisa que me deixava mais nervosa do que beijar Connor. Beijar Connor e depois entrar em um palco. As luzes todas virada à minha direção, dezenas, centenas de olhos todos focados em mim e aquele medo que nascia e percorria todo o meu corpo. Medo de tropeçar, de esquecer a fala, de fazer feio na hora. Mas naquele momento era tudo diferente. Connor estava lá por mim, meus amigos estavam lá por mim, meu avô, minha única família estava lá...Por mim. Eu tinha que mostrá-los o melhor de mim. Tinha que provar que cada voto de confiança, cada gesto de apoio que eu havia recebido havia realmente valido a pena. Pensar em tal coisa me levou a sorrir. Não era só por mim que eu estava lá. Era por eles também. E por eles eu faria qualquer coisa.

— Que é que houve? Quem me chama? - comecei a dizer. E então todas as falas vieram naturalmente a ponta da língua. Igualmente as dezenas de vezes que eu havia ensaiado. Igualmente aos passos de dança que aprendi e o meu corpo os fazia ao som dos ritmos tão involuntariamente que era como se eu houvesse nascido para aquilo. Como se já fizesse parte de mim.

Indescritível é a sensação de sentir o clima de aprovação da plateia, ouvir os comentários baixos, os sorrisos, as lágrimas, o som de todos eles levantando-se das cadeiras, os aplausos. Ah...os aplausos! Faz com que tudo tenha valido á pena.

_ Você foi ótima, amiga! Tava tão linda. Nunca gostei tanto assim de uma peça. - sorriu Rachel abraçando-me.

_ É mesmo. Você estava perfeita no papel. - disse Leah.

_ Você veio!

_ Claro que vim.

_ E eu também.

_ Grace! - sorri.

_ Tô tão orgulhosa de você. Minha menininha! Vi você crecer.

_ Viu nada. - eu ri, mostrando-lhe a língua.

_ Não vi mesmo. - ela riu - Mas te amo tanto que é como se tivesse visto. De qualquer forma, me orgulho do que você se torna a cada dia.

_ Obrigada.

_ Mas eu vi. - exclamou aquela aconchegante voz. Aquela voz que lembrava 'casa', lembrava família, lembrava...

_ Vô! Você gostou?

_ E precisa perguntar? Você estava perfeita. Vamos sair pra comemorar hoje. Comer uma pizza. O que você acha? Chame seus amigos.

_ Tudo bem. - sorri.

_ Amiga, acho que tem alguém que quer falar com você. - sussurrou Rachel. Sequer precisei olhar para o lado para saber quem era. Eu já estava me perguntando por que é que ele demorara tanto.

_ Oi Julieta. - ele sorriu. Eu o abracei. - Você estava maravilhosa. Você é tão talentosa que surpreende, Jenni. Seu brilho atrai de uma forma que você nem faz ideia. E como você brilhou no palco... Você mereceu cada um daqueles aplausos.

_ Obrigada. - eu disse, sentindo o meu rosto corar.

_ Lembra aquele dia na festa?

_ Que é que tem?

_ Você ainda não respondeu a minha pergunta.

_ Que pergunta?

_ 'Você me daria a honra de sair pra jantar comigo?' - ele sorriu, reproduzindo perfeitamente a pergunta daquela noite.

_ Eu adoraria, mas...

_ Mas...?

_ Já fizeram planos pra mim.

_ Como assim?Quem?

_ Oi amigo da Jenni. Eu sou o avô dela, tudo bem? Olha, nós vamos sair pra comer uma pizza agora, antes que fique tarde. Convidei todos os amigos dela. Você também está convidado, viu?

_ Ele. - cochichei sem graça.

_ E então? Você vem?

_ Vô... - murmurei, completamente vermelha.

_ Claro, por que não? - Connor sorriu. Era incrível como ele conseguia sempre quebrar qualquer clima estranho. E a forma como, mesmo perto, tudo nele era mistério. Ele era sensualmente misterioso até no modo de falar. No modo de olhar, de andar. Não importa o quão perto eu estivesse, eu já jamais conseguia decifrar o que se passava em sua cabeça.

_ Então eu vou chamar o táxi.

_ Não precisa. Eu levo vocês todos.

_ Você tá de carro? Aquele do seu irmão? - perguntei.

_ Não. O meu. Os meus pais me deram de presente de aniversário. É pra ficar mais fácil ir pra faculdade. Bem, apesar de que só vou começar a ir nas aulas no começo do ano que vem. Já perdi esse ano quase todo, não faz sentido ir só nos dois últimos meses.

_ Que legal. Ah não! Todo mundo tem um carro. Só eu que não. - cruzei os braços fingindo estar zangada. Ele riu da minha expressão, olhando-me nos olhos de uma forma doce,

_ Vamos?

_ Vamos. Meninas, vocês vem? - perguntei á Rachel, Grace e Leah. Só Rachel podia. Ethan passaria mais tarde para buscá-la. Eu esperava que fosse muito, muito mais tarde. Morreria de vergonha do clima estranho que seria na mesa estando só eu, Connor e meu avô.

Andamos até o Nissan 350Z preto de Connor e todos ficamos parados admirando-o. Tinha o aspecto novinho, a pintura ainda reluzia e era visível o seu orgulho tocar o capô do carro.

_ Wow! Belo carro. - disse Rachel após assobiar - Quem dera o meu pai me dar um desses.

_ Bem, eu vou começar a trabalhar na empresa do meu pai agora. Aí vou ajudar a pagar.

_ Pagar um presente de aniversário?

_ Meu pai tem dessas. Sempre diz a mim e ao meu irmão que temos de batalhar pelas coisas. Ele tá certo, afinal, só acho que ele se dedica tanto ao trabalho que se esquece de outras coisas mais importantes;

_ Ainda assim você é sortudo.

_ Quer trocar a faculdade por um desses,J.? - brincou meu avô.

_ Ai, eu estou quietinha aqui e ainda sobra pra mim! - me defendi, fazendo com que todos rissem. Lá no fundo eu sabia que jamais teria um daqueles. Vovô passara toda o resto da minha infância e adolescência, desde que meus pais morreram, juntando dinheiro para que eu fosse para Liverpool, o meu grande sonho. Até mesmo a herança de meus pais, que não era muita, tinha sido quase toda investida nisso. Ainda que eu conseguisse a bolsa que tanto almejava, fazer faculdade em Liverpool era muito caro.

A outra parte da herança ficara para minha criação. Meus pais nunca haviam sido muito de racionar dinheiro. Ganhavam bem, vivíamos perfeitamente bem, eu poderia ter tudo, mas eles gastavam muito com nossas viagens, roupas, inovações técnicas para a casa, de forma que eles nunca haviam pensada em ficar juntando para caso algo viesse a acontecer, porque bem... Creio que eles nunca imaginaram que morreriam tão novos e que eu, somente eu sobreviveria. Disso que eu tinha raiva. Por que diabos tinha de ser eu? Preferia milhões de vezes ter ido embora junto com eles. Meu avô não merecia, naquela altura do campeonato, ter de lidar com o peso e com a responsabilidade de terminar de criar uma criança. Era por isso que tentava não exigir muito dele. Eu pensava que as pessoas não eram obrigadas a fazer nada por mim. Que o fato de eu estar viva era um erro, um grande erro.

No caminho até o carro, Connor andou a alguns metros de mim com aquela expressão indecifrável, aquele mistério de sempre. De forma que eu queria me aproximar, mas não sabia se podia. Queria entrelaçar os meus dedos nos seus, queria abraçar a sua cintura, queria beijar os seus lábios novamente...Mas não sabia qual seria sua reação. Eu deveria me irritar com todo aquele mistério. Mas não. Aquilo me deixava completamente atraída, viciada, como se ele fosse a droga mais fascinante de todas.

Após chegarmos, Rachel sentou ao meu lado e meu avô, cheio de ciumes, sentou do outro, fazendo com que Connor tivesse que se sentar a nossa frente.

_ Vou sentar do outro lado. - cochichou Rachel.

_ Não precisa. Deixa. Acho que seu celular tá vibrando.

_ É o Ethan.

_Sério? Mas nós acabamos de chegar. Não vai embora não Rachel, por favor. Não me deixa aqui nessa situação.

_ É que eu prometi a ele que sairíamos hoje. Estamos fazendo aniversário de namoro. - ela disse, abrindo a mensagem. Era Ethan avisando que já estava na porta.- Eu tenho que ir.

_ Tá né. Vou levar você até o carro. - eu disse, levantando-me e caminhando com ela até onde Ethan estava parado.

_ Ai, amiga. Vou morrer de vergonha.

_ Relaxa. Você sai dessa...E viva. Afinal seu avô precisa que conhecer o novo 'netinho' dele, não é mesmo?

_ Muito engraçada você. - eu disse irônica.

_ Ah, amiga. Vai dar certo.Aproveite para estar com ele enquanto você ainda não foi pra faculdade. E outra coisa. É melhor voltar correndo pra lá antes que o seu avô comece a contar histórias da sua infância. - ela brincou, abraçando-me.

_ Nossa, é mesmo!

Caminhei devagar até o restaurante. Eu me sentia bem. Eu me sentia extremamente feliz. Os meus sonhos estavam sendo realizados, ou melhor, conquistados por mim. Eu tinha os meus amigos e minha família por perto e o meu coração gritava de satisfação a cada segundo que eu passava com aquele homem que me fazia tão bem. Logo eu iria para a faculdade dos meus sonhos. Não havia nada mais que eu poderia querer. Sorri pensando nisso. Na verdade eu ri, eu poderia gargalhar, eu poderia entrar saltitando naquela pizzaria...Mas acho que não seria muito conveniente.

Meu avô e Connor conversavam animosamente como se já se conhecessem há anos. Eles gargalhavam muito e, quando cheguei, as gargalhadas pararam.

_ Quero rir também. Qual era a piada?

_ Nenhuma, querida. - disse meu avô. Connor segurou o riso.

_ Vô! - eu disse em tom de bronca.

_ Eu não disse nada, não é Connor?

_ Estávamos tendo conversa de homem. - sorriu Connor.

_ Meu avô não tá te contando histórias constrangedoras sobre a minha infância não, né?

_ Não, não. - ele riu.

_ Então me contem. Qual a piada?

_ Conversa de homem. - meu avô deu uma piscadela só por saber que me deixaria brava.

_ Tá. - eu disse emburrada - Vou pegar o refrigerante. Vocês dois comportem-se.

_ Aqui o cardápio. Peguei lá no balcão. Aqui é muito bagunçado, que horror. - eu disse após ter pedido os refrigerantes. Sentei-me na mesa, desta vez, ao lado de Connor. Ele sorriu sutilmente e pousou uma das suas mãos sob minha perna, fazendo-me gelar ao simples contato.

_ E então? Você faz o que? - perguntou o meu avô.

_ Começarei ano que vem a faculdade. Passei um tempo viajando logo que terminei o colegial. Voltei recentemente, inclusive.

_ Viajando? Para onde?

_ Pelo mundo. Foi ideia dos meus pais, há muito eles planejavam isso para mim. Para eles, conhecer culturas novas, lugares novos, ter a oportunidade de amadurecer com isso seria o melhor presente que eles poderiam me dar. E foi.

_ Sem dúvidas. Nada como conhecer mais de outras histórias e culturas. Espero que tenha aproveitado bastante.

_ Eu aproveitei. - ele sorriu.

_ E a J. logo logo estará na faculdade. Ela te contou? Ontem ela enviou o requerimente á Universidade de Liverpool. As notas, as atividades extracurriculares estão perfeitas. Sei que ela será aceita. Tê-la na faculdade será lucro deles, isso sim. Eles demoram no máximo três semanas para enviar a resposta, então se tudo der certo, em menos de um mês ela se muda.

_ Em menos de um mês? - ele perguntou, parecendo surpreso.

_ Vô!

_ Que foi Jenni? Não era pra ter falado? Era pra ser surpresa?

_ Meio que...Era. - respondi sem graça. Na verdade eu tive medo de contar a ele pois, se ele soubesse, talvez desistisse de tentar de aproximar de mim. Por que aproximar-se se eu ia embora? Bem, agora já era tarde.

_ Sei que você será aceita. - ele disse, meio desanimado.

_ Burra! Burra! - pensei - Deveria ter conversado com vovô, não permitido que ele contasse às pessoas. Afinal de contas, eu nem fazia ideia se seria admitida.

A pizza chegou e continuamos a conversar sobre assuntos aleatórios. Ninguém tocou novamente sobre o assunto Universidade de Liverpool, ou melhor, sobre o fato de que eu ia embora em menos de um mês e ninguém sabia. Bom, não é que ninguém soubesse. As meninas sabiam. As minhas melhores amigas. Até Brandon sabia e guardara bem o segredo. Só Connor que não. Eu não quis que ele soubesse. Quis tentar fazer com que ele se apaixonasse por mim nesse pouco tempo em que conviveríamos juntos. Um mês... O que é que eu estava pensando? Homens como Connor jamais se apaixonavam por garotas como eu. Ainda mais garotas mentirosas. Certo, eu não havia mentindo. Apenas omitido. Mas é pior ainda, não é? Mas o que eu deveria fazer? Deveria dizer 'Olha Connor, eu vou embora daqui a um mês, mas ainda assim quero tentar viver uma história contigo.' ? Deveria dizer que poderíamos nos ver nas poucas vezes em que eu viajasse para Londres para matar saudades do meu avô e dos meus amigos, e que ele deveria esperar por cinco anos para ter-me por completo? Não era justo. Ele viajara por tempo demais. Quase dois anos. E eu nem o esperara. Certo que minha cabeça e meu coração continuaram pertencendo a ele. Mas eu namorara com Eric, ele também conhecera outras pessoas, o que me garantia que não seria diferente quando eu fosse pra faculdade? Era o meu medo. Eu queria viver aquele mês como se eu não fosse embora. Como se fosse o último mês perfeito. Como se fosse um sonho, não uma despedida.

_ Vou chamar um táxi pra gente antes que fique tarde, tá bom Jennifer? - disse meu avô.

_ Não precisa disso. Eu levo vocês pra casa.

_ Já demos trabalho demais pra você hoje.

_ Não é trabalho. Eu adoro dirigir meu carro novo. - ele brincou.

_ Tudo bem então. Eu só vou dar uma passadinha no banheiro. Vocês esperam?

_ Claro vô. - eu disse, enquanto ele desaparecia pelos corredores lotados da pizzaria. Os dedos de Connor percorreram o meu braço até que se entrelaçaram nos meus. Estávamos tão perto que era pedir demais que ele não percebesse o quanto me fazia arrepiar. Parecia que ele adorava aquilo. Os efeitos que ele causava em mim. Como se tivesse total consciência e sentisse prazer em provocar-me daquela forma. Ele esboçou um sorriso no canto dos lábios e eu segurei a sua nuca, avançando em sua boca e demonstrando claramente todo desejo acumulado durante aquelas horas. Era exatamente daquilo que eu falara para Eric no dia em que terminamos. Era daquele jeito que eu me sentia. Tudo o que ele provocava em mim fazia com que eu só quisesse explorar mais aquele universo desconhecido, misterioso que ele era. Eu puxei forte o seu corpo contra o meu, minhas mãos estavam agarradas á sua camisa, como se fosse pra impedir que ele escapasse. Não faço ideia de quanto tempo demorou para que eu percebesse que estava agindo intensamente demais.

_ Desculpa. - murmurei sem graça, enquanto recuperava o fôlego.

_ Pelo quê? - ele sorriu.

_ Você fica muito bravo comigo?

_ Por que eu ficaria bravo com você?

_ Por eu não ter te contado...Que eu vou embora.

_ Bem, Jenni. Eu fiquei supreso, né? Não entendi a razão pela qual você não contou.

_ É que não quero que fiquem lembrando toda hora. Não quero que todos fiquem me tratando como se estivessem a se despedir de mim. Tudo o que eu quero é um último mês inesquecível com as pessoas de que gosto.

_ Eu entendo, eu acho... Mas é que agora muda tudo,né? Você vai embora...!

_ Não precisa mudar. - eu sussurrei tocando os seus lábios com os dedos.

_ Você é uma menina encantadora. Eu gostaria de ter tido a oportunidade de conhecê-la melhor.

_ Você a tem. Um mês é um bom tempo.

_ Então vou aproveitá-lo bem. - ele sussurrou acariciando-me rosto.

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' Então é isso. Você está aqui. E eu sinceramente não sei como deveria me sentir. Os objetivos da lista agora tornam-se cada vez mais banais em frente a tudo que consegui, e meu maior sonho está a um passo de mim. Porém agora amedronta-me saber que para conquistá-lo terei de me afastar de sua presença, seu beijo, seu marcante aroma, seus efeitos sobre todo o meu sistema nervoso. Isso me enlouquece. Não sei mais o que fazer. Não sei se devo continuar sendo racional quando tudo dentro de mim grita para que eu não seja. Não sei mais se quero o que pensei querer. Mas eu andei até aqui. E sei que não tenho um único motivo concreto para desistir de tudo e ficar. E, ainda que o tivesse, eu não ficaria. Então não faz diferença, faz? A coisa mais inteligente que eu poderia fazer seria afastá-lo de mim. Muitas vezes me determinei a fazer isso. Mas quando seus olhos encontram os meus, bem, eu me esqueço o significado da palavra determinação. Não sei o significado de nada. Tudo que sei são sensações. Tudo em você me provoca sensações.'

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_ Jennifer!

_ O quê?

_ Pare de estudar e vá dormir. São as suas últimas semanas de aula. Não quer reprovar no terceiro ano, quer? Pois é isso que vai acontecer se você dorme mal de noite e depois fica dormindo na aula.

_ Vô, primeiro que eu nunca durmo na aula. E segundo que eu não estou estud...Quero dizer...Certo, já estou indo dormir. - eu disse, fechando aquele pequeno caderno que mais continha textos confusos e exageradamente sentimentais para o meu gosto do que 'objetivos a cumprir'. Uma semana havia se passado depois de Connor afirmar que aproveitaria bem o mês que restava para me conhecer melhor. Por que é que ele tinha que me deixar sempre tão confusa? Por que é que ele não simplesmente dizia: ' Olha, me desculpe mas eu não vou esperar anos por alguém que mal conheço. Então não faz sentindo tentar forçar algo entre nós em um mísero mês' ? Ás vezes eu achava que ele simplesmente tinha a pretensão, ele queria que eu gostasse dele apenas para satisfazer ao seu ego. Eu era um projeto dele? Uma experiência? Eu não queria ser uma experiência. Eu queria somente parar de me sentir sempre tão confusa.

Tomei um banho quente e demorado, aproveitando para lavar os meus cabelos, coisa que tive um domingo inteiro para fazer e acabei não fazendo. Coloquei um pijama, desliguei a luz e fiquei a esperar o sono. E ele não vinha. Peguei o meu celular com a intenção de checar que horas eram. Dez e quarenta.

_ Meu avô é muito exagerado. Até parece que estava assim tão tarde.

_ Jennifer, venha aqui.

_ Vô, eu estou dormindo. Você me fala amanhã.

_ Você tá esperando alguém?

_ Como assim? - perguntei, levantando-me sobressaltada.

_ Tem um carro aqui na porta.

_ Um carro? Que carro? - perguntei, pensando que poderia ser Rachel ou Grace. Tive medo de que tivesse acontecido algo a uma delas.

_ Igual o daquele seu amigo da pizzaria.

_ O quê? - perguntei, mais como uma exclamação. Corri pelo quarto e desci correndo as escadas.

_ Você tem certeza, vô?

_ Você combinou alguma coisa essa hora, Jennifer?

_ Juro que não.

_ Você vai lá fora desse jeito?

_ Vou! - eu disse, correndo para fora antes que ele pudesse fazer qualquer objeção e fechando a porta para que ele não viesse atrás.

O Nissan preto estava com o motor ligado. Dentro dele a mais linda imagem que poderia aparecer aquela hora da noite. Sua cabeça projetou-se para fora da janela, e ele arqueou a sobrancelha.

_ Bonito pijama.

_ Cale a boca!

_ Estou falando sério. - ele riu.

_ Eu já estava deitada.

_ Desculpe. É que uma garota prometeu-me um encontro. Vim buscar o que ela prometeu.

_ Tenho aula amanhã. E meu avô jamais vai deixar eu sair essa hora.

_ Peça a ele.

_ Ele não vai deixar.

_ Se você não pedir eu peço.

_ Não! Fica quietinho aí, seu maluco.

_ Estou esperando você pronta.

_ Eu não sei se ele vai deixar.

_ Ele vai. - Connor sorriu. Como se soubesse bem como forma como o seu charme encantava a todos. Até ao meu avô. O pior é que ele estava certo.

_ Onde vocês vão? - perguntou o meu avô antes que eu dissesse qualquer palavra.

_ Jantar.

_ Onde?

_ Em um restaurante. Eu não sei qual.

_ Você quer muito ir?

_ Bem, eu gostaria de aproveitar ao máximo o tempo com os meus amigos antes de ir embora.

_ Mas desse aí você gosta, né?

_ Vô!

_ Esses seus olhinhos brilhando mostram claramente que ele não é só um amigo pra você.

_ Pára vô! - eu gritei, fazendo com que surgisse um sorriso de prazer nos lábios dele. Como se ele houvesse descoberto um grande segredo que ninguém soubesse.

_ Esteja de volta meia noite, certo?

_ Mas já são quase onze horas.

_ Meia noite e meia.

_ Uma hora, vai.

_ Meia noite e quarenta e não se fala mais nisso.

_ Vô, eu já tenho dezessete anos.

_ Eu posso mudar de ideia e mandar você dormir.

_ Tá bom. Não mude. - eu disse, correndo até o meu quarto e profundamente arrependida de não ter tido a ideia de sair pela janela como da outra vez.

Tive que me sentar para ver se conseguiria pensar direito. Eu estava prestes a ter um encontro com Connor Garrel? E por que isso parecia a coisa mais incrível do mundo? Era ridículo. Ele era só um garoto. Era ridículo o fato de eu gostar dele dessa forma. O fato de eu ficar feliz com as mínimas coisas que vinham dele. Só de ficar perto dele. Quando ele era gentil, quando ele sorria, quando ele me olhava nos olhos, era como se o dia não pudesse ficar melhor. E, naqueles momentos em que eu tinha cada vez mais dele, quando eu já deveria estar acostumando-me com sua presença e atenção, era quando mais parecia incrível e amedrontador. Me despertava sentimentos intensos demais para que eu pudesse lidar. E eu nem entendia direito por que acontecia. Já havia visto dezenas de garotas da idade que eu tinha se apaixonarem, mas sequer chegava perto da intensidade do que eu sentia por Connor. Era maior, muito maior.

Eu quisera ficar incrível para ele. Ainda que isso significasse demorar um pouco. A combinação daquele vestido verde, do salto alto e do batom vermelho faziam com que eu parecesse um pouco mais velha, e evidenciavam os contornos que eu havia adquirido com a dança. Joguei algumas mechas do meu cabelo para trás, prendendo-as com aqueles grampos brilhantes, e andei até o espelho a fim de checar o resultado. Estava tudo perfeito. Eu sorri. Estava tudo dando certo. Nada poderia acontecer de ruim. Eu teria um encontro, um encontro de verdade com ele.

_ Você tá linda. - Connor sorriu. E foi como se houvesse valido a noite. Ele destravou a porta do carro para que eu entrasse. Estava um calor tão gostoso lá dentro, tão diferente do vento frio do lado de fora.

_ Vamos?

_ Aonde vamos?

_ Espero que você ainda não tenha jantado.

_ Eu jantei...Ás oito.

_ Bom, faz muito tempo. Você já está com fome de novo.

_ Estou?

_ Está. - ele riu.

_ Então tá. Se você diz.

_ Espero que goste de comida japonesa. - ele disse, ligando o carro.

Não era o fato de eu realmente gostar de comida japonesa, não era o fato do restaurante ser ótimo e da comida estar divina, não era o fato de termos nos divertindo muito que fez com que eu me sentisse tão feliz como me sentia. Era só o fato de ele estar ali. O fato de que, tudo estava perfeito, mas tudo estava perfeito com ele. Nada mais importava. Era um daqueles restaurantes onde tudo fica milimetricamente planejado para seguir a cultura que se quer representar. Tivemos que tirar os sapatos ao entrar e as pessoas sentavam-se em uma espécie de almofada que Connor contou-me que se chamavam 'zabuton', pois a mesa era muito baixa. Por incrível que pareça, o nervosismo não tomou conta de mim daquela vez. Era como se eu me sentisse cada vez mais próxima dele. E eu realmente me diverti. Ele era engraçado, divertido, fazia-me rir muito e ria de todas as minhas tentativas, não muito certeiras, de fazê-lo rir. Ele me fazia sentir tão bem, tão leve que os minutos passaram-se como se fossem segundos e, num piscar de olhos, já passava da hora dele me deixar em casa.

_ Queria ficar mais um pouco contigo. - ele sussurrou no meu ouvido. Meu corpo se arrepiou ao simples toque de seus lábios em minha pele, e tentei inutilmente disfarçar o meu sorriso. Ele realmente gostava de estar comigo. - Quando mais aprendo sobre você mais quero aprender.

_ Eu também queria ficar mais um pouco.

_ Você já recebeu a resposta da universidade?

_ Não. Vai chegar pelo correio. A qualquer momento.

_ Você está nervosa?

_ Um pouco.

_ Nervosismo envelhece, sabia? - ele sorriu, passando os dedos pelos meus cabelos. - Você com certeza vai passar, Jenni. Tem um currículo invejável. Como seu avô mesmo disse, eles não são loucos de desperdiçar um talento como você.

_ Um talento...! - eu disse, em um tom irônico.

_ Você não tem nem um pouco de consciência sobre si mesma, não é?

_ Como assim?

_ Você é batalhadora, é talentosa, é um exemplo pra muita gente. Você quer uma coisa, luta por ela e consegue. Isso é admirável, Jenni. Você pode ter tudo o que quiser. Ninguém é louco de entrar na sua frente.

_ Acho que você está me superestimando. Eu não sou assim tão grandiosa. E eu não tenho tudo o que eu quero.

_ O que falta?

_ Você. Eu quero que você seja meu. - eu pensei - Coisas. - eu disse.

_ Se você quer mesmo essa 'coisa', você vai conseguir. Sei disso. - ele sorriu.

_ Eu vou sentir sua falta quando eu for pra faculdade.

_ Você vai conhecer tantas pessoas lá que nem terá tempo para se lembrar de mim. - ele disse, acariciando-me a nuca.

_ E você vai conhecer outras pessoas na sua faculdade também. - sussurrei.

_ Você está com ciúmes? - ele perguntou, abrindo um enorme sorriso. - Não fique. Até o fim desse mês eu pertenço a somente a você. - ele disse, em tamanho tom de brincadeira, que duvidei veemente da veracidade.

_ Pra mim não serve. Não quero você só até o fim do mês. Eu quero que você seja meu. Quero ter você da mesma forma que você me tem. - pensei. Para ele, eu apenas tentei sorrir.

_ No que você está pensando?

_ Nada.

_ Você já tem que ir?

_ Quantas horas?

_ Uma hora.

_ Tenho. Eu já estou atrasada. Não quero dar trabalho pro meu avô logo nas últimas semanas em que vamos morar juntos.

_ Você se preocupa demais com as coisas.

_ Eu sei.

_ Preocupação envelhece mais do que nervosismo. - ele brincou.

_ Pois é. Por isso que eu já tenho esse aspecto de cinquenta anos. - sorri - Tenho que ir.

_ Bem, ás vezes eu me esqueço mesmo que você só tem dezessete anos.

_ É. Mas eu continuo tendo só dezessete. Tenho que ir, Connor.

_ Me dá um beijo antes?

_ Você pedindo assim... - eu sorri,procurando sua boca. Seus braços abraçaram o meu corpo e tudo o que eu sentia era segurança. Depois que meus pais haviam me deixado, eu deixei-me esquecer o quão quente e aconchegante era aquela sensação de segurança. E lá estava Connor, fazendo-me lembrar. Tudo o que eu queria era não ter de sair dali.

Melissa J
Enviado por Melissa J em 18/02/2015
Código do texto: T5140865
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