Mais que a Minha Própria Vida - Capítulo 31

_ Aqui estamos. 'London Bridge Hospital'. Precisa de ajuda com a mala? - perguntou, gentil, o taxista.

_ Não, eu posso carregá-la sozinha. Obrigada. - eu disse, empurrando-lhe por cima do banco a exata quantia de cinco libras, resultantes da viagem da linha de trem ate ali. O coração palpitante, a ansiedade enlouquecendo-me os sentidos. Chequei por uma ultima vez o papel com minhas letras tremidas. Aquele recado de Rachel, a exata localização do hospital e do leito do meu avo na Unidade de Tratamento Intensiva.

Não creio que possam existir palavras com o poder de expressar em toda a imensidão o pavor que senti quando recebi a noticia. Rachel me ligara exatamente um dia depois de termos nos falado pela ultima vez, a meu pedido, após passar na casa do meu avo para checar se estava tudo bem. Minhas intuições nunca falhavam. Se houvessem falhado naquela única vez, se o meu avo estivesse bem, se tudo pudesse acabar de uma forma feliz, bem, não seria eu. Não seria a minha historia.

'Há alguma maneira de você perder algumas aulas e fazer uma viagem rápida pra Londres?' ela perguntou. E não adiantou que eu lhe bombardeasse de perguntas, ela não me disse do que se tratava. 'Fui na casa do seu avô. Ele não estava. O Ethan me deu a ideia de ligar para o hospital mais próximo da sua casa. Então me disseram que ele estava internado por lá. Foi por isso que ele não atendia as suas ligações.'. 'E como ele está?' eu perguntava ' Por que ele está no hospital? O que há de errado? Quanto tempo ele vai ficar internado? Por que ele não me avisou nada?'. ' Jenni, eu...Apenas de um jeito, ta bom? Você precisa vir. Eu não posso te falar nada. Não por telefone. Não seria legal. Nós precisamos conversar.'. ' Como assim não seria legal? Rachel, por favor, você está me fazendo pirar!' mas não adiantava. Devia ser sério o suficiente para que ela quisesse ocultar e poupar-me de preocupações muito mais intensas do que aquela. Mas somente um pensamento povoava a minha mente: eu não posso perder o meu avo.

Era meio de semana, e sequer me importei com o fato de que talvez não conseguisse permissão, ou pensei em todas as aulas que perderia, enquanto eu jogava algumas roupas dentro da minha mochila. Juntei todo o dinheiro que seria usado com os meus almoços por uma semana e comprei uma passagem para Londres no próximo trem. Deve ter deixado bastante evidente o meu desespero para o reitor da universidade, que imediatamente absolveu-me das aulas por todo o resto daquela semana, desejando-me boa sorte com um olhar de compaixão.

Peguei a mochila preta, pendurando-a nas costas. O meu nervosismo era tamanho que sequer percebi o quanto estava pesada. Rachel sabia que eu chegaria por volta daquela hora. Provavelmente estava em algum lugar dentro daquele enorme hospital de paredes de vidro.

_ Eu quero ver o paciente do quarto 307. - eu disse, ofegante. Uma mecha do meu cabelo que se soltara do coque grudava na minha nuca, pois ainda que fizesse um frio cortante, eu estava transpirando.

_ Nome completo? - pediu a recepcionista.

_ Jennifer Dakota Summers.

_ Você é o que do paciente?

_ Neta. Eu moro com ele.

_ Certo. Siga ate o final do corredor quatro e procure por um médico ou enfermeiro. Eles a informarão sobre o estado do paciente e sobre a possibilidade de que receba visitas. Você tem algum parente esperando na sala de espera?

_ Sim. Uma irmã. - menti.

_ Bem, só pode entrar uma pessoa por vez no quarto, certo?

_Certo. - murmurei, cambaleando pelo corredor.

Ver Rachel sentada naquela cadeira trouxe uma enorme onda de paz em meu corpo. Ela cruzava as pernas compulsivamente, como sempre fazia quando estava nervosa, e folheava, impaciente, uma revista. Ela estava com um aspecto exausto. O cabelo aparentemente sujo e preso por um coque, roupas amassadas como se ela não as houvesse trocado de um dia pro outro, e enormes olheiras marcando os seus grandes olhos azuis. Mesmo assim ela continuava linda. E era lindo o que ela fazia ali.

_ Jenni... - ela chamou, com todo o cuidado para não levantar muito a voz, mas com um brilho nos olhos que eu jamais percebera o quanto sentia falta. Levantou-se da cadeira em um salto e correu para abraçar-me forte. - Eu senti sua falta.

_ Eu também.

_ Eu sinto muito por você ter tido que jogar tudo pro alto e voltar correndo pra Londres. E que o nosso reencontro tenha que ser aqui. E pelo seu avô. - ela baixou a voz ao dizer a ultima frase.

_ Como ele está?

_ Eu não sei, Jenni. Eu o vi somente por alguns minutos ontem. E ele estava adormecido. Parecia meio...fraco. Eu falei mais com o medico, sabe? Ele não acordou pra falar comigo.

_Fraco... - eu sussurrei,repetindo a palavra que ficara em minha mente.

_Eu passei a noite aqui, na sala de visitas. Eles não me deixaram entrar hoje. Ele teve outra crise. Eu imaginei que você eles deixariam. Mas não sei. Eu só achei que fosse importante que você estivesse aqui. Para você e para ele.

_Rachel! -eu disse, em tom repreendedor - Você lembra que se recusou a me contar por telefone? Eu não faço ideia do que esteja acontecendo. Me explique, por favor.

_ Sente-se aqui. - ela puxou-me em direção a uma cadeira.

_ Certo, certo. Agora me conte. - implorei, enquanto ela se sentava ao meu lado, escolhendo as palavras com cuidado.

_ Jenni, você sabia que o seu avo tinha câncer?

_ Câncer? Como assim? Meu avo não tem câncer. Você esta enganada. - ri nervosamente.

_ Eu sinto muito...

_ Nao sinta! Apenas me conte o que sabe. - pedi olhando em seus olhos, que se desviaram dos meus rapidamente. As suas mãos seguraram as minhas, apertando-as.

_ Você não sabia, não e?

_ Eu contaria a você se eu soubesse. Há quanto tempo ele tem câncer? - perguntei, tentando frustradamente respirar devagar.

_ Há algum tempo.

_ Tipo muito tempo?

_ Sim. - ela disse, fitando o chão - Tanto tempo que foi ficando cada vez mais pior. Ate ficar muito, muito ruim.

_Ele não faria isso comigo. Eu o conheço, Rachel. Ela não me esconderia.

_ As vezes escondemos certas coisas das pessoas que amamos para protegê-las.

_ Mas não seria justo ele guardar todo o sofrimento para ele. - eu disse, já não conseguindo conter as lágrimas que teimavam em sair. Rachel abraçou-me forte. Nenhuma de nós duas conseguia tirar forças para terminar aquela conversa.

_Senhorita Weber? - chamou um homem alto de jaleco brando. Ele se referia à Rachel.

_ Ah, sim. Jenni, esse é o doutor Luke. É ele quem esta cuidando do seu avô.

_ Você é a neta do senhor Summers?

_ Sim. - respondi, o que soou mais um choramingo.

_ Estava esperando por você. Será que poderia me acompanhar por favor? - pediu ele.

Andamos ate uma sala pequena de paredes brancas. Tinha um ar absolutamente profissional, com uma pequeno sofá e uma mesa, onde provavelmente o médico atendia aos pacientes. Ele pediu que eu me acomodasse no sofá e puxou uma cadeira com o intuito de que ficássemos frente-a-frente. Cada gesto seu fazia-me engolir em seco. Naquela altura o silêncio me irritava profundamente. Era como se todos ficassem todo o tempo calculando as palavras antes de responder as minhas indagações

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_ O seu avô sempre foi um fumante compulsivo. Você sabe disso, não é?

_ Sim. E teimoso. - lembrei-me de quando era uma menina e os meus pais tentavam de tudo para fazer com que o meu avô parasse de fumar tanto. Mas não adiantava. Havia virado um hábito e ele não conseguia evitar. Quando os meus pais morreram e eu fora morar com ele, ele tinha o cuidado de fazer tudo escondido e longe de mim. Talvez fosse por medo de influenciar-me. Mas eu sabia. Ele não me enganava.

_ O hábito de fumar cigarro não é, de forma alguma, recomendado, por trazer grandes possibilidades de resultar em um câncer, em razão da exposição a longo prazo de agentes 'carcinógenos'. Principalmente para um sujeito da idade que seu avô tem. Bom, o câncer pulmonar e muito perigoso, por ser um dos tipos mais mortais. Existe o tratamento, mas este se torna de risco, principalmente tratando-se de uma pessoa de idade. Na primeira vez que ele esteve no consultório, reclamando de falta de ar, tosses crônicas, dor no peito e dificuldade de engolir, eu fiz um exame e localizamos o câncer já em estado crítico.

_ Então ele sabia...! - sussurrei.

_ Sim, ele sabia. Nós começamos o tratamento com a quimioterapia e, no primeiro momento, funcionou. Mas alguns meses depois o câncer voltou, juntamente com todos os sintomas. Por seu avô ser uma pessoa de idade, tivemos medo de fazer uma radioterapia, pela possibilidade de ser mais perigoso, mesmo que fosse mais eficaz. Então fizemos a quimioterapia mais uma vez, mas infelizmente o tratamento não vingou. Conversamos, então, com o seu avo, explicamos a gravidade do problema e lhe demos as opções. Então ele aceitou fazer a radioterapia, como uma ultima tentativa.

_ E então? Deu certo dessa vez, não é?

_ A maioria dos tratamentos oncologicos (para câncer) são eficazes. Mas, em alguns casos, o câncer acaba voltando. Foi o que aconteceu com o seu avô. O câncer voltou mesmo após a radioterapia, e o carcinoma já havia atingido as grandes células.

_ O que isso quer dizer?

_ Grosso termo, quer dizer que não há muito o que possamos fazer. Seu avo já está idoso e é perigoso para ele ter de passar por tratamentos como estes novamente. Entretanto, nos últimos meses tentamos um método novo e ainda pouco explorado. Um remédio natural que vinha mostrando resultados em pacientes que se ofereciam para tal. A única saída era esperar que o corpo dele reagisse a esse novo tratamento. E, acredite, ele estava reagindo bem. Foi impressionante. Em semanas vimos o câncer diminuir consideravelmente.

_ Mas se está funcionando, por quê ele está aqui?

_ Você tem que entender que podem ainda haver algumas recaídas. Resultados do quanto ele maltratou o próprio corpo. Foi o que aconteceu para que seu avô esteja aqui hoje. A sorte foi que ele conseguiu ligar no meu celular no momento em que começou a passar mal. Estamos lhe medicando, mas o seu estado é grave. Eu não sei informar quando ele sairá da UTI.

_ Eu...eu não posso perder o meu avô. - eu sussurrei, sentindo as lágrimas lutando para não sair - Você não entende. Somos só eu e ele. Se acontecer algo a ele, eu estou sozinha, eu não tenho ninguém. Eu não sei como será a minha vida. Eu não posso, não consigo. Você disse que tentaram de tudo, mas precisam ir além. Vocês tem de ajudá-lo.

_ Querida, agora você precisa ser forte. Forte por vocês dois. Sei que acontecem em nossa vidas algumas coisas difíceis de entender, mas servem simplesmente para nos tornar melhores a cada dia. E, acredite. Estamos tentando de verdade.

_ Eu não entendo como isso, como tudo poderia ser uma coisa boa. Eu perdi os meus pais. Só tenho a ele. Minha única família. Ele tem de viver para ver eu me formar, me casar, ter o meu primeiro filho. Ele prometeu. Prometeu que estaria comigo. Deus não pode deixá-lo ir embora antes de cumprir as suas promessas. - eu disse, olhando-o de uma maneira desesperada.

_ Você quer um copo d'água? - ele perguntou, sem saber o que fazer. Acredito que não importa o quão adulto você for ou quantos anos de experiência você tenha, sempre será difícil dizer a alguém que ela esta prestes a perder alguém que ama. Ver a dor nos olhos de uma pessoa indefesa, ver o desespero e não poder fazer nada a respeito. Apenas esperar. E eu estava prestes a passar pelo momento mais difícil da minha vida. O momento em que eu teria que crescer de uma vez, aprender a lidar com a solidão e nunca olhar para trás.

_ Não quero agua. Quero vê-lo. Eu posso?

_ Claro. Venha comigo.

Ver o meu avo, o homem que me criou a maior parte de minha vida, deitado em uma maca e rodeado de tubos foi a cena mais emocionalmente perturbante que eu havia presenciado até aquele momento. Quando os meus pais haviam me deixado, eu fora para o mesmo hospital e fiquei em coma durante cinco dias. Por esta razão eu não fora ao enterro. E nunca vira nada relacionado ao acidente. Foi uma dor insuportável a notícia de tê-los perdido, mas as lembranças que guardei dentro de mim eram de pais saudáveis e felizes e de nossos melhores momentos. Quanto ao meu avô, eu sabia que aquelas imagens nunca mais sairiam da minha memória.

Eu não pude evitar o peso de consciência que tomou conta de mim ao vê-lo naquele estado. Como pude ser tão ingênua e deixar que houvesse chegado àquele ponto? Ele sempre fora muito independente e, como um verdadeiro pai, nunca deixara que eu soubesse dos seus problemas para proteger-me. Mas tudo começava a se tornar mais claro. As constantes gripes, a sua mania de tomar remédios para tudo, as suas demoradas 'idas ao supermercado'... E eu confiava nele o bastante para nunca duvidar de nenhuma das desculpas. Ele me escondera todo o tempo. Desde quando ele tinha câncer? Desde que eu era pequena? Era por isso então que o meu pai era sempre tão preocupado e zeloso com o meu avô? Eu nunca entendera porque ele sempre ficava bravo com as estripulias do vovô, porque tratava-o como se fosse de porcelana e pudesse quebrar a qualquer momento, se aquele senhor sempre parecera forte e saudável. Tudo começava a fazer sentido. A minha ingenuidade a todas aquelas evidencias fez com que eu me odiasse profundamente.

_ Me perdoe. - eu sussurrei, segurando a sua mão. O medico já havia saído e eu estava agachada ao lado do leito, naquele ambiente melancólico cheio de pessoas à beira da morte.

_ Tchau, querida. - ele murmurou, ainda imerso em sono. Provavelmente estava sonhando ou algo assim. Mas fez-me estremecer.

_ Não diga isso. Diga 'até logo'. Você vai ficar bom. Eu prometo que vai ficar tudo bem. Eu prometo, eu prometo, eu prometo. - beijei suas mãos enquanto repetia por varias vezes - Eu prometo! - os meus soluços chamaram a atenção de uma das enfermeiras, que pediu ao medico que me tirasse de lá antes que eu acordasse algum paciente.

_ Deixe que ele descanse. E você também. Vá para casa e descanse. Deixe comigo o seu celular que a manterei informada de qualquer coisa que acontecer.

_ Eu não quero ir. - choraminguei.

_Vá pra casa, menina. E leva sua amiga com você. Ficando aqui, vocês somente atrapalharão. Vão para casa, tomem um banho, comam direito e tentem se manter calmas.

_ Você promete ligar se qualquer coisas acontecer?

_ Prometo. Pode ir pra casa.

Eu dormi na casa de Rachel naquela noite. Digo dormir, pois foi a intenção inicial. Na prática, passei toda a noite chorando abraçada a um travesseiro. Rachel dormiu como uma pedra, cansada dos dias que passou no hospital. Os pais dela foram carinhosos como nunca comigo, sensibilizados pela menina que estava prestes a perder a única pessoa que cuidava dela.

Fizeram-me comer, fizeram-me leite quente e tentaram dizer palavras reconfortantes. Como se adiantasse. Eu já era experiente o bastante no quesito 'morte' para saber que, não importa o que fizessem, doeria imensamente ate que eu não aguentasse mais.

_Claro que nós vamos ao hospital, Jenni. Mas, por Deus! Almoce primeiro. Você mal comeu ontem a noite. Como pretende cuidar do seu avô assim? Com fome e sono, parecendo um zumbi.

Assim como no dia anterior, meu avô dormia naquela fria cama de hospital quando cheguei para visitá-lo. Ele parecia fraco, emagrecera bastante e a palidez de sua pele era perturbadora. As enfermeiras tentaram confortar-me, dizendo que ele estava melhorando aquele dia e que sua sonolência constante acontecia em razão dos medicamentos contra a dor. A pior parte era nunca saber ate onde aquilo era verdade. Talvez estivessem apenas com pena da garotinha frágil dos os olhos tristes que eu aparentava ser. E meu estado, realmente, era de causar pena a qualquer um.

Eu poderia ficar somente uma semana em Londres. Se não voltasse após esse tempo seria seriamente prejudicada na faculdade, pois perderia muitas provas Eu não me importava muito com isso, mas era o esforço do meu avo que estava tornando possível que eu pudesse estudar em Liverpool e eu não poderia simplesmente ignorar os fatos.

Os dias se passavam vagarosos e desgastantes. Na teoria eu fiquei na casa de Rachel, mas na prática passava dias e noites naquele hospital. Meu avô acordou poucas vezes, não bom o suficiente para poder sair da UTI, mas consciente o suficiente para deixar recados para mim pelas enfermeiras. Nas unicas vezes em que ele acordou, eu dormia pesamente no leito ao lado. Ele não permitia que me acordassem. Pedia apenas para que me mandassem para casa, dissessem que ele estava bem e que eu deveria me cuidar melhor. Como se adiantasse. Eu sempre fora cabeça dura e isso eu herdara dele próprio. Eu não sairia dali ate que me dissessem que ele estava realmente bem.

E então, justamente um dia antes da minha partida de volta para Liverpool, ele acordou. O céu parecia ate mais claro, a energia do lugar tornara-se mais leve, tudo indicava que as coisas passariam a melhorar para todos. Lembro-me bem do meu assombro ao acordar de uma pequena soneca e não ver o meu avo em seu leito costumeiro. Mas então veio uma das maiores alegrias que já consegui sentir. Uma sorridente enfermeira conduziu-me ate uma enfermaria, onde meu avo esperava-me acordado. Os seus olhos transmitiam uma afeição imensa ao ver-me ainda ali, suas bochechas estavam muito mais coradas e ele aparentava estar mais forte do que a última vez que eu o vira.

_ Vô! - eu sorri, correndo para os seus braços, quase esquecendo-me de ser delicada ao tocar-lhe. - Você esta acordado...!

_ Sim, querida. E estou me sentindo bem melhor. Ate me deixaram sair daquele horrível quarto de UTI, você viu? - ele acariciou minha cabeça, sorrindo.

_ Vi sim. Foi a melhor noticia do mundo. Eu não conseguiria voltar para Liverpool sabendo que o senhor estava tão mal.

_ Vai ficar tudo bem agora.

_ Eu deveria te dar uma bronca, sabia?Como o senhor pôde fazer isso comigo? Por que não me contou? Eu nunca teria saído de casa, deixado o senhor sozinho, se eu soubesse. Não e justo esconder de mim.

_ Eu sei que você não teria saído. Justamente por isso não contei. Quero que viva sua vida, querida. Você tem apenas desessete anos. Não queria que começasse a se privar das coisas por causa do seu velho avô. Eu já vivi uma vida inteira. Você apenas começou a viver a sua.

_ Mas eu teria prazer em cuidar de você. Você e meu avo, minha mãe, meu pai. É tudo o que eu tenho. Não quero que algo assim aconteça de novo. Eu não vou voltar para Liverpool. Vou pedir transferência para uma universidade daqui.

_ Eu não quero que você seja infeliz. Sempre foi o seu sonho estudar naquela universidade. Me mataria ser o motivo de você desistir dos seus sonhos.

_ Não seria uma desistência. Seria algo como...Uma reformulação do que quero. E agora o que quero é que senhor fique bem. E quero estar por perto garantindo isso.

_ Querida, eu não corri nenhum risco. Assim que passei mal, liguei para o celular do doutor e o hospital foi buscar-me imediatamente. Você nem teria ficado sabendo se não tivesse mandado sua amiga me procurar. Que diferença faria você estar por perto? Seu sofrimento me faria sofrer em dobro. Eu estou doente sim, Jenni. Mas não estou sozinho. O médico disse que volto para casa hoje á tarde. Que fiquei um dia a mais na UTI só por garantia. Sabia que o novo tratamento está dando ótimos resultados? Sabe que continuo vivendo minha rotina normalmente? Outro dia encontrei sua doce amiga Rachel no mercado. Ela nem sequer percebeu que eu estava doente porque não pareço doente. Não quero que você fique se preocupando. Quero que lute pelos seus sonhos e pelo seu futuro. Hoje mesmo estou providenciando contratar uma enfermeira para cuidar de mim. Mas volte para Liverpool.

_ Não parece certo. Sabe? Não teria problema algum ficar aqui. Eu posso ate trancar a faculdade por um tempo.

_ De jeito nenhum! - ele gritou, usando aquele tom autoritário que sempre usava ao me repreender quando eu ainda era menina - Você vai voltar pra faculdade, mocinha. Não quero saber. Prometo melhorar, prometo te ligar todos os dias. Eu ficarei infeliz se você desistir do que quer para ficar aqui. Você quer que eu seja infeliz?

_ Não. E claro que não.

_ Eu dei tudo de mim para colocar você lá dentro. Para dar a você a realização de seu sonho. Se formar na mesma universidade de sua mãe. Você não vai sair de lá. Vai fazer suas malas e voltar exatamente no dia em que foi programado.

_ Mas está programado para...amanhã! Eu não quero ir. Quero ficar com o senhor. - choraminguei.

_ Fique comigo hoje e viaje amanha. Eu ficarei bem. Prometo ficar. Estou melhorando, você não vê? Sinto que o tratamento finalmente esta dando certo.

O que eu poderia fazer? Bater o pe e dizer-lhe que ele não tinha o direito de achar que mandava em mim? Fazer escondida um transferência para outra universidade e contar-lhe somente depois? Eu sempre respeitei muito ao meu avô, respeitei a sua força e coragem para pegar uma criança órfã e terminar de criá-la como se fosse sua filha. Tudo bem que eu era sua neta. Mas ele sempre teve mais de uma escolha. Talvez se ele deixasse que o serviço social me levasse, uma família me adotaria e ele não teria de se preocupar. Mas ele preferiu lutar pela minha guarda, juntar todas as suas economias e acabar de criar-me da melhor forma que pôde. Então, se ele dizia que queria que eu fizesse algo, quem seria eu para retrucar? Quem seria eu para considerar a opção de deixá-lo infeliz? E bem que ele estava certo. Ainda que eu estivesse por perto,eu ano saberia o que fazer. Acabaria aborrecendo-o com todas as minhas preocupações e medo de perdê-lo. Então eu aceitei a sua ultima proposta. Ficaria com ele por todo aquele dia e, no dia seguinte, tomaria o primeiro trem de volta para Liverpool.

O médico realmente havia liberado ao meu avô para voltar para casa naquele mesmo dia. Mesmo assim pedi que ficasse no hospital até a manhã seguinte, pois tive medo que passasse mal novamente. Passei a tarde á procura de uma enfermeira de confiança que pudesse cuidar dele quando voltasse para casa e escolhi uma indicação de seu médico. Assim eu ficaria mais tranquila. Dormimos em um apartamento no hospital e mal começara a amanhecer, quando uma enfermeira tocou-me o braço. Eu pedira para que ela me acordasse antes das seis da manha para que eu tivesse tempo de pegar o trem e chegar de acordo com o prazo proposto pelo Reitor Ronnie. Lavei o meu rosto, penteei os meus cabelos prendendo-os em um coque, coloquei uma camiseta branca e um jeans meio desgastado, e coloquei nas costas a mochila com as roupas, a qual eu arrumara na madrugada anterior. Meu avô ainda dormia, cansado pelas longas horas em que passamos conversando e, apesar de parecer um pouco pálido, ainda tinha a respiração estável e tranquila. Dei-lhe um beijo na testa e ele acordou sorrindo carinhosamente.

_ Bom dia querida.

_ Bom dia vovô. Me desculpa por te acordar. É que estou voltando para Liverpool.

_ Tudo bem.

_ Como o senhor está?

_ Me sinto ótimo. Volto pra casa hoje mesmo.

_ Tem certeza que não quer que eu fique mais alguns dias?

_ Eu me ofenderia se você fizesse isso. Sei que tem um prazo para voltar. Volte, faça as suas provas, e assim que terminá-las eu compro uma passagem para que você venha passar um fim de semana. Combinado? Assim você fica mais tranquila.

_ Tudo bem vô. Então até daqui a duas semanas. - Me despedi, antes de descer e entrar no carro da mãe de Rachel, que já me esperava na entrada do hospital.

_ Bom dia. - eu disse, em meio a um longo bocejo.

_ Bom dia, querida. Dormiu bem? - perguntou a mãe de Rachel.

_ Dormi bem pouco, mas como uma pedra. Fiquei muito ansiosa e preocupada.

_ Não se encha de preocupações. Tudo vai melhorar agora. - disse Rachel, entrelaçando os seus dedos aos meus.

_ Eu sei. - deitei em seu ombro.

Por estar muito cansada, devo ter dormido um pouco no caminho até o lugar onde pegaríamos o trem, pois a ultima coisa de que me lembrava era ver a mãe de Rachel religando o motor do carro. Rachel ajudou-me com a mochila, dando-me um longo abraço logo que desci do carro.

_ Vou morrer de saudades. Volta logo, ta? Quando você voltar, as coisas estarão muito melhores e poderemos nos divertir muito. Eu prometo.

_ Tomara que você esteja certa. - suspirei, exausta pelos péssimos dias que haviam se passado.

_ Você sabe que eu sempre estou certa. - ela sorriu. - Boa viagem, ta? Me liga quando chegar.

_ Vou ligar. Cuida do meu avô. - eu disse, dando um ultimo aceno enquanto o carro saía da calçada.

Mesmo tendo chegado bem cedo para pegar o trem, a estação já estava lotada de pessoas apressadas carregando malas e crianças. Lembro-me de ter dado uma ultima conferida no número do trem que eu deveria pegar, antes que o meu celular tocasse, revelando uma ligação de um número desconhecido.

_ Eu poderia falar com a senhora Jennifer Summers?

_ Sou eu.

_ Bom dia. Estou falando do 'London Bridge Hospital‎'. A senhora precisa vir imediatamente. É possível?

_ Bem, eu estou na estação de trem prestes a pegar o meu. O que aconteceu? - perguntei, sentindo o coração palpitante, ainda que mentalmente repetisse para mim mesma que estava tudo bem.

_ Senhorita Summers, sinto informar que o paciente John Summers faleceu esta manhã.

Melissa J
Enviado por Melissa J em 18/03/2015
Reeditado em 18/03/2015
Código do texto: T5174924
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