Mais que a Minha Própria Vida - Capítulo 34

A semana passou, de certa forma, agitada, porque voltei a 'meter a cara' nos livros com a intenção de parar de pensar tanto em coisas que me faziam sofrer. Mas eu não parava de pensar naquela menina do sonho. Tantas vezes forcei a memória tentando me lembrar de ter visto aquela garota uma unica vez na vida, para que sua imagem ficasse gravada daquela forma em meu sub-consciente. Mas não. Eu definitivamente não a conhecia. Só podia ser uma lembrança de minha infância. O que mais poderia ser?

Mas sua presença acompanhava-me todo o tempo. Eu sonhava com ela todas as noites. Algumas vezes eu me encontrava aparentemente solitária naquela floresta sombria. Mas podia sentir que ela estava ali, podia até ouvir sua respiração. Eu não estava sozinha. Em outras vezes, eu andava pelo centro de Londres em meio a dezenas de pessoas, e conseguia vê-la lá de longe, fitando-me com aqueles olhos negros e misteriosos. E toda vez que eu a encarava, ela sorria, correndo para esconder-se de mim novamente. Até mesmo quando eu estava acordada, era como se ela estivesse escondida em algum canto a observar-me. E confesso que, por algum motivo que eu desconhecia, senti certa frustração ao olhar para os lados e não encontrá-la. Mas não faria sentido nenhum encontrá-la. Era apenas fruto da minha imaginação. Estaria eu ficando louca, então?

Naquela noite em especial, meu sonho foi mais perturbador do que de costume. Era uma noite muito escura, fria, chuvosa e melancólica. E eu me encontrava em um lugar que tornava essas características piores ainda. Era o cemitério de Londres, e eu estava agachada ao pé do túmulo do meu avô. Usava um vestido preto e carregava um guarda chuva pequeno numa mão e um feixe de rosas na outra. As rosas era de um vermelho-sangue muito vivo, o que contrastava com o momento e ambiente. O guarda-chuvas, por ser muito pequeno, não cumpria a sua função, deixando-me ensopada. Eu sentia o gosto da mistura da água da chuva e das lágrimas quando tocavam os meus lábios. E sentia um enorme vazio dentro de mim.

E, de repente, o barulho daqueles passos chamou-me a atenção para outra presença ali. Quem mais quereria estar comigo naquele lugar horrível? Levantei-me de uma vez, e logo reconheci aquela criança de rosto angelical o olhos penetrantes. Era ela. Ou era eu? Eu já não fazia idéia. Mas estava cheia daquilo. Ela tinha de me dizer o que é que estava acontecendo. Tinha de me explicar por que é que estava me seguindo. O que significava tudo aquilo? Seria só minha mente tentando pregar-me peças ou eu tinha de perceber algo para o qual estava sempre fechando os olhos?

_ Oi. - eu disse, tentando aproximar-me. Mas em meu primeiro passo, ela começou a correr, entrando entre árvores que levariam a uma certa floresta que eu já conhecia bem. Eu não podia deixá-la fugir daquela vez. Eu tinha que descobrir o sentido daquilo. - Volta aqui! Confia em mim! - mas ela sequer olhou para trás.

Tomada por uma súbita descarga de adrenalina, comecei a correr o mais rápido que conseguia. Ela era somente uma criança afinal. Eu podia alcançá-la facilmente, não era? Mas ela era muito mais rápida. Não importava o quanto eu tentasse e gritasse, não conseguia alcançá-la. E, quando o meu corpo já estava cansado o suficiente, quando as minhas forças não eram mais suficientes sequer para que eu ficasse de pé, deitei exausta no chão, sentindo-me vencida.

_ Você não precisa correr. Eu estou bem aqui do seu lado. - sussurrou a garota, a apenas alguns centímetros de mim, dando-me um tremendo susto.

_ Isso...não...é possível. Você estava longe.

_ Não. Sempre estive bem aqui. Ao seu lado.

_ E quem é você? Por que está me perseguindo? Qual o sentido disso tudo?

_ Não tenha medo. Você não está sozinha. Eu sempre estive aqui. - ela tocou-me o braço. E como suas mãos eram geladas...!

Tentei tocar-lhe o rosto, aproximar-me, fazer todas aquelas perguntas que eu queria. Mas sua imagem começou a desfocar-se, aos poucos, até que tudo desaparecesse. E então eu estava de volta ao meu quarto.

_ Desculpa ter te acordado. - sussurrou Drake, sua mão fria segurando o meu braço. - Você parecia estar tendo um sonho ruim.

Pisquei algumas vezes, somente para ter certeza que ele estava realmente lá, que não tratava-se de outro sonho. E ele continuava lá. Deitado ao meu lado da cama e sorrindo para mim. O que ele estava fazendo ali? Será que eu dormira com ele na noite anterior e não me lembrava? Mas não fazia sentido. Eu me lembrava claramente de ter ficado até madrugada revisando os últimos tópicos do trabalho que eu teria de apresentar ao amanhecer, e depois caira exausta na cama, sem sequer ter tempo para tirar o meu jeans e colocar um pijama. Ao menos isso. Eu não estava de pijama perto dele. E eu tinha certeza de não ter dormido com ele.

_ O que você tá fazendo aqui?

_ Quer que eu vá embora? - ele brincou. - Eu vim ver você. Desejar sorte no trabalho de hoje. A Susie estava saindo pra aula e me deixou entrar. Fiz mal?

_ Não. Tá tudo bem. - eu disse, sentando-me tão bruscamente que senti uma pontada de dor invadir minha cabeça. - Ai minha cabeça!

_ Noite ruim?

_ Péssima.

_ Com o que você estava sonhando?

_ Não me lembro. - menti. - Não deve ter sido nada sério.

_ Você sempre dorme de roupa? - ele riu.

_ Oh! Eu tenho que trocar isso pra aula de hoje. - eu levantei-me, pegando uma roupa limpa no armário e trancando-me no banheiro.

Eu estava com uma cara péssima. Mas, ultimamente, eu sempre tinha aquela cara péssima devido ás minhas noites mal dormidas. E, considerando que eu já tinha me determinado a terminar de vez com Drake antes que aquilo realmente virasse algo sério, eu não tinha muito que ficar bonita pra ele. Era até melhor que não ficasse. Eu não estava pronta pra ter outra pessoa. Sequer estava pronta para voltar para o Connor. Talvez eu devesse ficar sozinha por um tempo.

Após tomar uma ducha, penteei os meus cabelos, prendendo-os para cima. Lavei o rosto, passei perfume e vesti a roupa que havia separado.

_ Pronto. - eu abri a porta.

_ Bonita. - ele riu - Só precisa se livrar dessas olheiras.

_ Claro. Diga-me como. - eu disse em tom irônico.

_ Te trouxe café. Sabe? Pra ajudar a ficar acordada. A Susie me disse que você passou a noite quase toda estudando.

_ Obrigada. - eu sorri, evitando olhá-lo nos olhos. Ignorá-lo era tão mais difícil quando ele estava ali na minha frente. E ele era tão bonito. E tão legal comigo. - Bem, já vou pra aula.

_ Mas falta uma hora pra ela começar de fato. E o campus é logo ali. Você não precisa realmente ir.

_ Mas eu tenho que...comer. E tenho que revisar os trabalhos, e...

_ Você já revisou o suficiente. E eu te levo pra comer. Me dê meia hora com você. - ele tocou-me o queixo - Eu senti saudades. Você meio que me ignorou a semana toda.

_ É...eu estava...você sabe...ocupada.

_ Você mesma sabe que estava errada quando disse que tudo aquilo foi um erro. Nosso beijo. Foi ótimo. Toda a química foi ótima. Você vai negar olhando nos meus olhos?

_ Não se trata disso, Drake. Eu só não tenho cabeça pra isso agora.

_ A gente não precisa namorar. Eu só quero...Estar com você. Depois você decide. Faz as regras. Sério. Eu não vou ficar te importunando. - ele dizia enquanto tocava-me os cabelos. E era uma sensação tão boa que, ainda que eu quisesse dizer para que ele fosse embora, eu não conseguia.

_ Por favor...

_ Você não me sai da cabeça desde aquele dia, sabia? As sensações que provoca em mim... Eu fiquei tão louco por você. - Drake sussurrou no meu ouvido. Meu coração começou a bater forte e, o que eu poderia dizer? Ele também me deixava balançada. Mas não era o suficiente. Não era como com o Connor.

Suas mãos começaram a acariciar-me a cintura, os braços, a nuca. Era tão bom e relaxante, como se fosse exatamente o que eu precisava, depois daquela estressante semana e desgastante noite. Ele beijou o meu pescoço, meu queixo, e quando beijou minha boca eu já não tinha mais forças para lutar. Era como se todos os meus sentidos estivessem simultaneamente ativos. O seu perfume, seu gosto, o som de sua respiração acelerada, a imagem do seu corpo deitando-se por cima do meu, o toque de suas mãos firmes, tudo aquilo me agradava. Ele era uma ideia ruim. Uma péssima e insana escolha. Mas fazia com que eu me sentisse gostada, desejada. Há muito eu não tinha aquilo. Talvez fosse por isso que atraía-me tanto.

Eu o abraçava forte, aproveitando cada segundo daquele beijo, cada sensação que aquilo trazia. Sua boca descia até o meu pescoço e voltava até a minha, seus braços me puxavam com força, sua mão acariciava minha cintura por baixo da blusa e, cada vez mais, eu me sentia entorpecida. Era tudo tão bom. Ele era tão bom naquilo. Já eu? Eu não tinha a mínima noção do que fazer. Não sabia onde beijar ou tocar. Não sabia o que se passava pela mente nele. Será que ele pensava no quanto eu era ruim? Será que estava arrependido de ter tentado algo comigo?

_ Eu...eu não sei fazer nada.

_ Você é... - ele começou a dizer, sem terminar a frase.

_ Não! É só que... Não diria nada. Diria quase nada. - eu disse, sentindo minha face queimar de vergonha.

_ Tudo bem. - ele sorriu - Você tá fazendo tudo certo. Sério.

_ Mentiroso.

_ Eu vou trancar a porta. Tá? Pra não acontecer da Susie aparecer de repente igual da última vez.

_ Tá.

A parte boa era que quando ele estava por perto, eu conseguia não pensar em nada. Não pensava no meu futuro. Não pensava no meu avô, não pensava no Connor e não pensava na garotinha misteriosa dos sonhos. Eu apenas tentava concentrar minha energia naquela única sensação: vivacidade. E conseguia. Drake fechou a porta e voltou a estar ao meu lado da cama tão rápido quanto um piscar de olhos. Ele afundou a boca em meu pescoço e agarrei forte a

sua camisa. Não precisei de um esforço sequer para tirá-la: ele mesmo o fez. E eu tentava não pensar na besteira que estava prestes a fazer.

A sensação que acompanhava o toque de sua pele quente com a minha era irresistivelmente maravilhosa. Não trazia medo, dor ou qualquer tipo de remorso. E eu queria aproveitar cada segundo daquilo. Acariciei as suas costas com minhas mãos, enquanto nossas pernas se abraçavam e a forma como ele acolheu-me nos seus braços fez com que eu me sentisse protegida. Fechei os olhos, concentrando-me em seu cheiro. Protegida. Não era a primeira vez que eu me sentira daquela forma. Eu me sentia assim sempre que meu pai segurava minha mão quando eu sentia medo. E me senti assim, como se nada de ruim fosse capaz de atingir-me, na primeira e única vez em que dormi com Connor. Havia sido tão maravilhoso, que é como se nunca tivesse sido real. Eu tinha medo de me esquecer como era. Ah, como se fosse possível.

E então era como se ele estivesse lá. Sua presença era tão forte. Seu cheiro, seu gosto, e eu podia ter certeza de ter ouvido a sua voz bem próxima. Até as reações em meu corpo eram as mesmas. Os arrepios, as borboletas, o coração disparado. E, estando assim, de olhos fechados, o visualizei ali, na minha frente, era ele quem beijava-me e tocava-me daquela forma. E eu não poderia desejar outra coisa que não aquilo. Eu tinha de dizer. Era minha chance. Eu tinha de dizer que o amava. Que era ele e somente ele quem eu queria. Que nada que já havia se passado importava. Que eu trocaria qualquer coisa por aquele momento.

_ Connor... - sussurrei.

_ O quê?

Aquela vez diferente da que eu esperava fez com que eu me situasse. Era como acordar de um sonho. Era com Drake que eu estava. E eu acabara de falar o nome de outro. Me odiei por aquilo. Eu fazia tudo errado sempre. Tomei um susto tão grande que empurrei-o de uma forma que eu não faria se tivesse pensado melhor. Mas eu definitivamente não queria estar ali. Não com ele. Não daquela forma.

_ Oh, me desculpa! Me desculpa! - sussurrei, após ele quase cair no chão tamanha a força com que foi empurrado.

_ O que eu fiz de errado? Eu mal toquei você.

_ Você não fez nada de errado.

_ E o que você falou?

_ Eu...falei...que...que não quero fazer isso. - tentei não fazer contato visual. Era mentira e era horrível. Mas eu não queria que parecesse pior do que já era.

_ O que é que eu fiz de errado? - perguntou-me novamente, incrédulo.

_ Eu já disse. Nada. - abracei os meus joelhos - Sou só eu. O problema é comigo. Por favor, vai embora.

_ Jenni, olha pra mim. - ele levantou o meu queixo de forma um pouco rude - Você sabe que isso não faz sentido nenhum, não é?

_ Eu já disse pra você ficar longe de mim. Eu sou problema. Você deveria ter me ouvido desde o começo.

_ Não faz isso.

_ Eu não quero te magoar. Olha, eu...gosto de você. Não te conheço bem mas acho que você é um cara legal. E merece uma garota legal ao seu lado. Mas eu... Eu não posso fazer isso. Eu tenho um passado que não consegui superar e, até que eu pare de me sentir confusa, quero ficar sozinha.

_ Jenni, olha, você não tá pensando com clareza.

_ Eu só não quero ficar vendo a cara dele a cada vez que eu fechar os olhos! Só isso. Você não sabe como eu me sinto. Eu não acho que esteja pronta pra outra pessoa agora.

Drake olhou-me com uma expressão séria. E, como uma última tentativa, segurou forte o meu braço com uma mão e minha nuca com a outra, beijando-me. Livrei-me de suas mãos com repulsa, virando o rosto.

_ Tudo isso por causa daquele merdinha? Isso é ridículo. Ele sequer foi te visitar no hospital quando seu avô estava doente. Sequer te deu um abraço quando a viu no cemitério. Você espera todos os dias, atende animada toda vez que o telefone toca. Mas nunca é ele. Ele nunca liga. Você sempre se deu por inteiro. E ele? Nunca disse um 'obrigado'. É esse lixo que você diz que ama? Você não percebe o quanto é ridículo? O que você pensa? Que vai se guardar pelo seu 'paquerinha de ensino médio' pelo resto da vida? Bem, é vida real, menina. Ele não gosta de você e ele não vai voltar. Você não pode achar que todos os caras do mundo vão se apaixonar por você. Não é como os livros que você lê, como as histórias que você imagina. Deveria parar tentar ser a 'princesinha' de histórias que não existem. Sabe, Jenni? Claro que não é sempre assim. Mas a maioria dos caras só querem uma coisa com as garotas. Você sabe o que é. Isso não quer dizer que ele vai se apaixonar por você se você fizer. Ele, no máximo, vai falar com você mais algumas semanas pra não ficar chato. Acho que você já é madura o suficiente pra entender isso. Pra entender que é isso que ele é. Eu posso até não ser muito diferente dele, mas eu estou aqui. Eu estou presente. É pra mim que você vai correr quando sentir falta de ter alguém por perto. Ele não pode fazer isso...pode?

_ Como...você sabe...dessas coisas? Da minha história? - perguntei, sentindo as lágrimas de raiva descerem quentes pelo meu rosto. A forma como elas queimavam minha face só aumentavam mais ainda o meu rancor.

_ Isso importa?

_ Jessica! Eu sabia que não deveria confiar nela!

_ Você não aprende mesmo, né? De tudo isso que eu falei, a única coisa que ficou na sua cabeçinha foram as coisas que eu sei?

_ Não, Drake. Eu ouvi cada palavra. Mas você está errado. Você não o conhece para falar dessa forma. Ele pode sim ter vários defeitos, mas não tenho dúvidas de que entre vocês dois não há comparação. Ele é muito melhor. E você também está errado em outra coisa: eu não vou correr pra você. Nunca! Nem que você quisesse muito poderia substituí-lo.

_ E quem falou que eu queria substituí-lo?

_ Eu deveria saber. Você não passa de um jogador. O seu jeito, a forma como você me trata carinhosamente mesmo mal me conhecendo... Como não desconfiei? Tudo falso. Me odeio por ter sido tão ingênua.

_ Quer saber? Tanto faz. - gritou ele, saindo pela porta e batendo-a bruscamente.

A raiva que tomou conta do meu corpo era tão intensa que chegava a me assustar. Não era justo. Eu não merecia aquilo. Sabia que não merecia. Drake não tinha direito de falar comigo daquela forma, ainda que estivesse magoado. Levar aquilo até o fim, depois de ter uma lembrança tão forte de Connor, seria algo agressivo que eu faria contra mim mesma. Era tão difícil de entender? Mas, pior que isso, Susie não tinha o direito de contar os meus segredos pro irmão dela. Eu a fizera jurar que não contaria a ninguém. E ela o conhecia a anos. Não poderia então imaginar que as coisas acabariam daquela forma? Eu já não havia sido magoada o suficiente?

_ Você esqueceu sua camiseta, seu idiota! - abri e porta e gritei, pegando-a do chão e andando até ele perto o suficiente para jogá-la forte contra seu corpo. E depois, ainda sem conseguir pensar direito, peguei o meu trabalho, meu casaco e andei emburrada até o refeitório. Eu sabia que Susie só poderia estar lá.

_ Oi, J.! Ficou muito brava de deixar o Drake te acordar? Desculpa, mas ele insistiu tanto. - Susie sorriu, ao me ver andando em sua direção. Mas eu definitivamente não poderia retribuir aquele sorriso. Ela havia sido minha amiga e estado ao meu lado durante todo aquele tempo que estive em Liverpool. Mas havia traído minha confiança, e eu estava brava e magoada.

_ Sua falsa! Você é a pessoa mais falsa que eu já conheci na minha vida! Definitivamente você e seu irmão são da mesma família. Se não fossem irmãos eu diria até mesmo que se merecem! - eu gritei, deixando-a envergonhada na frente de dezenas de pessoas e sem ter a mínima noção do que estava acontecendo.

_ Jennifer...O que foi que eu fiz? - ela sussurrou envergonhada, encolhendo os ombros.

_ Você não tinha o direito de contar os meus segredos pro Drake. Eram coisas minhas, era a minha história e você não tinha nada a ver com isso. Não sei por que é que eu confiei em contar a você. Nem te conheço. Agora vejo mais ainda que não a conheço nem um pouquinho. Poxa, Susie! Não dava pra manter essa boca fechada uma única vez? Você não tem a capacidade de guardar um segredo com você sem transformar em fofoca pra escola inteira?

_ Eu não sou uma fofoqueira. - ela sussurrou mais baixo ainda. Creio que, se pudesse, se enterraria ali mesmo.

_ Não? O que você passa a maior parte do tempo fazendo que não é contando as mais novas fofocas das meninas que você conhece e descrevendo minusciosamente os caras bonitos do colégio? Sério, agora eu percebo. Nós duas não temos definitivamente nada a ver pra sermos amigas.

_ Não é justo você falar assim comigo. Eu só contei pra ele. E não era nada demais.

_ Nada demais? Claro que não era importante pra você. Você não faz nem ideia de como eu me sinto exposta, não é?

_ Pare de gritar comigo, Jenni. Você sabe que não foi por mal. Não seja uma vadia.

_ O que você disse? - gritei mais ainda, sentindo o meu sangue subir á cabeça. Então era isso? Eu estava sendo uma vadia? Ela tinha de estar sempre certa, não podia aceitar o quanto o seu jeito me magoava ás vezes? Quem ela achava que era para falar comigo daquela forma? E então eu tive a pior reação que poderia ter - e não fazia ideia no quanto me sentiria mal por isso. Levantei a mão, determinada a bater em seu rosto. E seria forte. Bem forte. Mas algo fez com que eu parece antes de tocá-la. Eu não poderia fazer aquilo. Quero dizer...era a Susie. E eu queria mesmo ser esse tipo de pessoa?

_ Faça, Jenni. Eu mereço. E pode ter certeza que você vai se sentir muito melhor. - ela disse, desafiadora, me olhando no fundo dos olhos.

_ E você se sentiria menos mal, não é mesmo? Bem, então eu te condeno a viver com isso. - eu disse, andando rápido para longe daquelas pessoas.

Porém, antes que eu passasse pela última mesa do refeitório, uma súbita tontura tirou todo o equilíbrio do meu corpo, amolecendo as minhas pernas e escurecendo minha visão. Segurei forte na primeira cadeira que vi pela frente, o que me impediu de cair. E, logo, dezenas de meninas começaram a aproximar-se de mim.

_ Você tá bem? Quer que eu chame uma enfermeira? - Susie perguntou, depois de ter afastado as pessoas para poder passar e segurado forte em meu braço, para poder manter-me em pé.

_ Não encosta em mim, Susie. Eu não quero mais ver você. É tão difícil de entender?

_ Por que é que você tá ajudando ela mesmo depois dela ter sido toda grossa? - perguntou uma das garotas á Susie.

_ Porque ela é minha melhor amiga. - ela disse. E eu me senti um pouco mal por tê-la envergonhado daquela forma. - Eu vou te levar pra enfermaria. - ela sussurrou para mim, tentando colocar o meu braço envolta do seu pescoço.

_Eu estou legal. Sério. - eu disse, seca, dando o meu máximo para me manter em pé. Não foi tão difícil quanto a tentativa dos segundos anteriores. - Eu tenho que ir. Preciso me sair bem naquele trabalho.

_ Você vai sair. Estudou mais do que qualquer pessoa. Eu tenho certeza. - ela disse de forma doce, libertando meu braço.

_ Tá... - eu saí dali,tentando não 'quase cair' novamente.

A minha aula já havia começado a alguns minutos e o professor já estava em pé na frente da sala, fazendo a chamada. Mas era como se todas as garotas da sala tivessem acabado de vir do refeitório, pois começaram a cochichar descaradamente a partir do momento em que entrei. Era uma situação desconfortável, mas eu tinha de estar ali. Eu tinha de estar extraordinariamente bem em todas as matérias se eu quisesse pedir a bolsa para o reitor Ronnie. E eu precisava muito daquilo. Aquele trabalho valia mais de 60% da nota.

_ Jennifer? - chamou a voz grossa do professor, acordando-me dos pensamentos - Você está bem?

_ Como assim?

_ Está meio pálida. Não quer ir até a enfermaria?

_ Não. Está tudo bem. - eu disse. Era compreensível que eu estivesse pálida. Qualquer um estaria depois de ter passado por tudo aquilo que eu acabara de passar. Eu me sentia triste, magoada e confusa. E, pra piorar, meu estômago estava estranho desde que eu entrara naquela sala.

_ Quer ser a primeira a apresentar o seu trabalho? Depois disso você pode ir pro seu alojamento descansar. Você não parece bem.

_ Eu estou bem. - insisti, andando até a frente da sala. Mais cinco rostos conhecidos do refeitório entraram na sala, soltando sussurros e risadas debochadas.

_ Pode começar querida. Primeiramente, qual a temática que você escolheu?

_ A revolução no ensino de Jornalismo na Europa Ocidental.

_ Pode repetir mais alto, por favor? Para todos escutarmos? - pediu ele. E mais risadas apareceram do fundo da sala.

_ A revolução no ensino de Jornalismo na Europa Ocidental.

_ Certo. Pode começar.

_ Tá. - suspirei fundo, repetindo mentamente todas as notas que tomara de uma última leitura que eu fizera na madrugada daquele mesmo dia. Eu tinha nas mãos, inclusive, um guia de apresentação que eu mesma fizera, que era pro caso de esquecer o que eu ia dizer. Não haviam motivos pra me preocupar ou ficar nervosa. Exceto...por aquela sensação desagradável no estômago que aumentava cada vez mais. Era como se tudo o que eu comera naquele dia pudesse ser 'posto pra fora' a qualquer momento. O detalhe é que eu ainda não havia comido nada.

_ Jennifer? Está tudo bem mesmo?

_ Eu... - tentei dizer, mas meu estômago embrulhou mais forte e daí eu já nem pensava no trabalho, mas em quanto tempo levaria para correr até o banheiro. Se é que daria tempo. Fechei forte os olhos, colocando uma mão sobre a barriga e tapando a boca com a outra, pra evitar que eu vomitasse ali mesmo. - Droga!

_ Amanda Palmer? você pode levar a Jennifer para a enfermaria, por favor? - pediu o professor a uma garota tímida de longos cabelos ruivos que sentava na frente. Ela andou até mim, com um sorriso envergonhado e passei o meu braço por cima de seus ombros.

_ Obrigada Amanda.

_ Não há de quê.

Até aquele momento eu nunca havia reparado naquela enorme porta vermelha num dos corredores e ao lado do bebedouro. Eu nunca precisara ir até a enfermaria. Deixei que Amanda me conduzisse até lá, porque sabia que ela se sentiria mal de não cumprir a ordem do professor, mas eu já me sentia bem melhor e poderia facilmente voltar para a aula.

_ Bom dia, meninas. - sorriu a enfermeira. Ela era grande, gorda, com cabelos lisos presos em um coque. Tinha a expressão tranquila de quem já faz a mesma coisa há anos. Ao perceber que era eu a razão de estarmos ali, tomou-me pelas mãos e fez-me deitar em uma das macas próximas a parede. - Pode ir agora, querida. Obrigada. - ela sorriu para Amanda.

_ E então? - seu rosto voltou-se para mim. - Como está se sentindo?

_ Bem. Na verdade eu estou ótima. Já posso até voltar pra aula.

_ Mesmo? - ela riu - Creio que se estivesse bem não estaria aqui...concorda?

_ É que eu tive um enjoo no meio da apresentação do meu trabalho de Teoria do Jornalismo. Sei lá. Deve ser o nervosismo. E o fato de que não deu tempo de comer nada hoje. Ou de eu ter dormido pouco esses dias. Essas coisas. Nada demais.

_ Sei. - ela disse de um jeito que parecia que eu estava escondendo algo. Me senti uma criminosa. Mas eu não estava escondendo nada. Tinha certeza.

_ E você anda tendo enjoos frequentemente ou foi só hoje?

_ Foi só hoje.

_ Bem, então eu vou passar um remedinho pra você. Daí pode ir até o seu dormitório e tente descansar um...

_ Não! Espera! - eu a interrompi, de repente me lembrando de algo.

_ Sim?

_ Eu tive enjoo semana passada. Foi...Acho que na quarta. No dia anterior eu tinha comido uma pizza que pedi de uma pizzaria aqui perto. Acho que a pizza me fez mal. Ou a senhora

acha que o enjoo da semana passada com o de hoje tem relação? Digo...Eu posso estar doente?

_ Eu não diria isso. - ela disse de uma forma irônica - Mas se foi da forma como você disse, acho que não tem relação.

_ Ai, que bom. Suspirei aliviada.

_ Mas você por acaso tem tido...hm...Alguns sintomas estranhos ultimamente?

_ Sintomas estranhos?

_ É. Como aumento de apetite, fraqueza, cólicas, mudanças bruscas de humor, desejos estranhos...tontura.

_ Não. Não tenho sentido nada disso.

_ Tem certeza disso? - ela disse, olhando-me nos olhos.

_ Hm. Tenho.

_ Bem, então...

_ Ah! Espera! - interrompi novamente - Hoje eu estava no meio de uma discussão. Daí, de repente ficou tudo preto. Perdi a força das pernas momentaneamente e achei que fosse desmaiar. Mas logo fiquei bem.

_ É. Isso se chama tontura.

_ Eu estou doente?

_ Querida, quero que você me responda com sinceridade o que vou perguntar, certo?

_ Certo. - eu já não fazia ideia de onde ela queria chegar.

_ Você já fez sexo?

_ Huh? Como assim? O que isso ter a ver? - perguntei, sentindo-me corar. Agora ela queria saber da minha vida pessoal inteira?

_ Acredite, querida. É pertinente.

_ Já. - eu disse, fitando o chão.

_ Há quanto tempo?

_ Uns três meses. Talvez um pouco mais.

_ Certo. E vocês usaram camisinha? - ela perguntou novamente. As perguntas dela tinham mesmo que ser tão indiscretas?

E então tudo tornou-se claro. O meu coração foi a mil só de perceber o pensamento sombrio dela. Grávida, eu? Não tinha a menos lógica, a menor chance. Como ela poderia olhar para

mim e ter esse tipo de conclusão? Como poderia saber? É normal ter enjoos quando se está nervosa. Era só isso. Eu tinha certeza.

_ Eu não estou grávida. - eu ri nervosamente - Tenho certeza. Foi só um enjoo bobo de nervosismo.

_ Tudo bem, querida. - ela suspirou - Mas a questão é que dezenas de meninas vêm aqui todos os meses e dizem a mesma coisa. E estão erradas. Então temos que excluir todas as possibilidades pra termos certeza que você não está. Entende?

_ Mas eu não estou. - insisti.

_ Vocês usaram camisinha? Tudo o que você falar aqui é confidencial. Sou médica. Não posso dizer nada a ninguém porque é crime.

_ Não usamos. Mas ele...Ele parou antes que...Você sabe.

_ Uhum. - ela me olhou como se já tivesse ouvido isso milhares de vezes. - Bem, só tem um jeito de nós descobrirmos, não é mesmo?

_ Não vai ser nada. - eu disse, enquanto ela caminhava até o armário e pegava uma caixinha, colocando-a dentro de um saquinho branco.

_ Aqui está. - ela entregou-me o saquinho.

_ O que é? É o remédio pra enjoo?

_ Não, querida. É um teste de gravidez.

_ Eu não preciso disso. - sorri - Toma, vai gastar os seus á toa.

_ Não se preocupe. Temos um monte como esse. Eles são mais requisitados do que você imagina.

_ Mas eu não estou. Não estou grávida! É sério. Não há a menor chance.

_ Vocês jovens sempre acham que são imunes a tudo. Acredite: pode acontecer. Até com você.

_ Claro. Qualquer merda pode acontecer comigo. - murmurei mal humorada.

_ Vamos nos certificar do que estar acontecendo com você antes de reclamar, não é? - ela deu um sorriso maternal. - Atrás da embalagem estão as inscrições de como usar. Qualquer dúvida fale comigo. E, querida, se der positivo, pode vir aqui que eu ajudo no que precisar, certo?

_ Não vai dar.

_ Mas se der.

_ Tá. - fitei o chão - Posso ir pro meu dormitório agora?

_ Espere. - ela abriu uma gaveta, tirando outra caixinha - Toma. É pro enjoo.

_ Até que enfim.

_ Pode ir agora.

Melissa J
Enviado por Melissa J em 02/04/2015
Código do texto: T5193047
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