Mais que a Minha Própria Vida - Capítulo 38

Boa noite leitores :)

Quero agradecer ás queridas Letícia Escobar, Beatriz Aurich, Wanessa Said, Liz Gilbert, Manu e Carolina pelos comentários. Adoro ler as suas opiniões. Ah, e Caroline, feliz aniversário. Esses capítulos de hoje são o presente que você pediu. Gostaria de ter postado mais cedo, mas aí está.

Gostei da criatividade na criação da sua teoria sobre o motivo do mistério do Connor e a forma como aconteceu o acidente. Não vou dizer que está certo nem errado, mas em breve a Jennifer vai se lembrar da cena com detalhes e vocês saberão como foi.

Então é isso gente. Espero que gostem. E comentem :)

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O arrependimento veio no segundo seguinte á revelação. Connor me olhava boquiaberto, em estado de choque, com aqueles olhos enigmáticos que escondiam qualquer coisa que ele estivesse pensando. Enquanto isso, um turbilhão de lembranças e medos passavam pela minha cabeça quase a ponto de me enlouquecer. 'O que foi que eu fiz?', eu pensava. Ele estava tão próximo e queria de verdade estar comigo. E eu estragara tudo. Tornara o próximo momento tanto imprevisìvel quanto inevitável. Os meus nervos estavam á flor da pele, e eu tinha a impressão que as imagens á minha frente começavam a se tornar cada vez menos nítidas.

_De quem? - ele suspirou. Seu rosto começava a formar traços de decepção. Então ele ainda tinha alguma dúvida?

_ De quem você acha que é, Connor? - eu me levantei bruscamente - Quer saber? Esquece! Eu vou pra casa.

_Jennifer... - ele tocou-me o ombro. - Fica calma. É só que...Você tem certeza? Você esteve morando em outra cidade, em um campus e tal...

Aquela pergunta, o fato de que ele duvidava de mim, era como se fosse o elemento que faltava para que tudo aquilo que eu guardava dentro de mim viesse á tona. Não era óbvio que era dele? Por que outro motivo eu teria lhe contado, por que outro motivo eu teria voltado á Londres? Nada daquilo teria sentido se eu não tivesse certeza. Eu já não deixava transparecer o suficiente os efeitos que ele causava em mim? Já não ficara provado que ele era e sempre fora o único homem em quem eu confiava suficientemente para me entregar daquela forma?

Eu juro que tentei me segurar. Mas daí já era muito tarde. Sabe quando você pára pra pensar só depois que faz alguma besteira? Pois quando eu parei pra pensar, o contorno vermelho com as proporçöes exatas da minha mão já marcava o seu rosto e o som que ecoara daquele golpe já chamara a atenção da maioria das pessoas que estavam por perto. Não era só pela pergunta, ainda que ela me machucasse muito mais do que eu o machucara. Era por tudo. Por ele ter demorado um ano inteiro para perceber que eu existia, por ele ter decidido viajar pelo mundo durante quase dois anos justo quando eu não conseguia conter a felicidade dentro do meu peito pelo simples fato de tê-lo por perto, por ele ter me feito esperar durante horas no aeroporto só para depois avisar que a viagem estava tão boa que ele a havia prolongado, por todos aqueles meses em que fiquei desconsolada a sentir um vazio enorme dentro de mim, por ele ter voltado logo quando eu já estava quase recuperada e ter feito com que eu me apaixonasse novamente, por ele ter me dado um mês incrível ao seu lado e depois despedir-se de mim numa linha de metrô - quando poderia ter implorado para que eu ficasse - e ter fingido que tudo ficaria bem mesmo quando ambos sabíamos que não ficaria, por ter me negado um abraço aquele dia no cemitério e, principalmente, por seduzir-me o tempo todo, agindo com se nada estivesse a acontecer e achar que eu ficaria bem depois. Ele havia dado tantas mancadas e, ainda assim, nunca deixara de ser aquele cara que fazia com que meu coração batesse mais forte.

_ Vai se foder! - gritei.

_ Ai! - ele reclamou, colocando a mão no lado do rosto em que eu havia batido. Eu quis me desculpar, mas a raiva ainda estava presente, fazendo com que metade de mim fosse culpa e a outra decepção.

O desconforto no estômago veio logo depois, tornando difícil manter dentro do mesmo qualquer coisa que eu houvesse comido. Era uma péssima hora para ter mais um daqueles enjôos comuns da gravidez. Mas o que é que eu poderia fazer? Deixei tanto Connor quanto as outras pessoas da praia ali parados, assustados, e corri até a lanchonete mais próxima. Ele me seguiu, chamando o meu nome e pedindo que eu parasse de correr. Mas eu não podia sequer explicar-lhe antes que fosse tarde. Não era o tipo de coisa que ele queria que ele visse.

_ Jennifer! - ele finalmente alcançou meu braço.

_ Me larga, caramba! - eu puxei de volta, entrando correndo no banheiro feminino e no primeiro boxe vazio que minha vista alcançou.

Eu tranquei a porta e me abaixei. Mas parecia que, quanto mais vezes vomitava, pior aquele desconforto estomacal se tornava. Quando eu finalmente achei que havia parado, me sentei ao lado do vaso, abraçada ás minhas pernas e, pela primeira vez, chorei de medo. Eu achei que estivesse sozinha naquele banheiro, até que ouvi alguns passos chegando cada vez mais perto de onde eu me encontrava. Ainda assim eu não queria sair dali e muito menos parar de chorar. Eu não devia nada para ninguém. Se alguém tentasse falar comigo eu apenas gritaria para que fosse embora. Afinal de contas, as coisas não poderiam ficar piores ainda...Poderiam?

_ Jenni... - soou uma voz masculina do outro lado da porta. O meu corpo estremeceu. Era pior do que eu pensava.

_C...Connor?

_Abre a porta pra mim. Vamos conversar.

_Você tá ficando louco ou o quê? Isso é um banheiro feminino. Você não pode ficar aqui. E eu nem quero que você fique.

_Isso não importa. Abre a porta pra mim.

_ Não! Me deixa em paz. Eu não quero ver você.

_ Não precisa me ver. Você pode ficar de olhos fechados. Eu só quero que você me escute.

_Engraçadinho!

_ Por favor, J.

_Eu já disse que não vou abrir a porta. E você tá querendo ser expulso daqui por algum segurança grande e forte? Você não pode ficar aqui.

_Por favor, pequena. - ele disse numa voz sexy e irresistível.

_Eu não quero que você me veja assim.

_Mas você tá linda.

_ Não estou.

_ Abre a porta pra mim. Eu só quero dizer uma coisa. Depois, se ainda quiser me expulsar, prometo que você não vai precisar pedir duas vezes.

_ O que é? - eu abri a porta abruptamente, com os cabelos ainda bagunçados e os olhos encharcados de lágrimas. Ele andou até onde eu estava e tocou-me a face com o polegar evitando uma lágrima de cair no chão.

_ Me desculpa?

Antes que eu pensasse em uma resposta, antes que eu pensasse sequer se deveria ser grosseira ou gentil, o desconforto em meu estômago voltou com força total. Sequer dava tempo de expulsá-lo dali. Eu desejei morrer por ele ter de ver aquilo. Então o empurrei forte e agachei perto do vaso, torcendo para que ele entendesse o recado. Porém ele não foi embora. Muito pelo contrário. Sem demonstrar qualquer tipo de aversão ou nojo, agachou-se ao meu lado e foi juntando com a mão todas as mechas do meu cabelo, até que não tivesse nenhuma solta.

_ Tá tudo bem. - ele sussurrou.

_ Vai embora. - eu gemi.

_ Você quer mesmo que eu vá? - ele roçou seus lábios em meu ouvido.

_ Não! - tanto a resposta quanto a rapidez em que minha mão encontrou a dele foi involuntária. Tudo o que acontecia quando ele estava por perto era assim.

_ Melhorou?

_ Um pouco.

_ Acha que dá pra levantar? Levanta devagar. Vem, eu te ajudo. - ele me deu apoio para que eu levantasse e guiou-me até a pia. - Quer lavar o rosto?

_ Por que? Tá com nojo de mim? - eu o chantageei.

_ Eu não tenho nojo de você.

_ Não? - eu o olhei desafiadora. Ele segurou o meu queixo e tocou seus lábios nos meus.

_ Não.

_ Eca! Até eu achei isso nojento. - eu ri.

_ Prefiro mil vezes ver você assim. Sorrindo. Agora lava o seu rosto e vamos sair daqui.

_ Você vai me levar pra casa?

_ Não. Primeiro nós vamos passar numa farmácia pra comprar um remédio para o seu estômago. Depois nós vamos conversar.

O silencio predominou no caminho até a farmácia, onde Connor fez com que eu esperasse no carro como se estivesse tão doente que que sequer pudesse andar e,depois, no caminho até a sua casa, destino que ele impôs sem nem perguntar para onde eu gostaria de ir. Tentei me concentrar naquela paisagem já conhecida, as praças, casas e estabelecimentos comerciais, tentei manter minha mente em várias outras lembranças e pensamentos que não remetessem àquela conversa que estava prestes a acontecer. Mas eu nunca fora muito boa em controlar meus pensamentos, não seria muito diferente desta vez. Eu tive tanto medo de qual seria a reação inicial dele ao descobrir que eu estava grávida e, tão logo que havia passado, eu tive ainda mais medo por não poder prever como seria dali para frente.

Só que nada mudava o fato de que aquele homem no banco do motorista era Connor Garrel. Eu lhe golpeara o rosto, eu fora embora e pedi que ele me deixasse em paz e, ainda assim, ele foi atrás de mim. Isso devia significar alguma coisa, não é? Talvez ele se importasse de verdade e eu não estivesse assim tão sozinha. Pensar dessa forma transparecia o quão estúpida havia sido minha decisão de guardar segredo, de lidar com tudo sozinha e afastá-lo de mim propositalmente por puro medo de que ele se afastasse por conta própria e me magoasse de novo. Seria muito mais certo que eu lhe desse uma outra chance de mudar as coisas. Eu ainda o amava, era óbvio. E ele, ainda que fosse impossível desvendar-lhe os sentimentos, ainda parecia sentir um certo carinho por mim, o que era bom. E aquela menina que eu carregava dentro de mim tinha todo o direito do mundo de ter algo que eu pouco tive: uma família.

Mesmo sob os meus protestos de "eu consigo andar sozinha, foi só um enjôo,não é como se fosse uma declaração de doença mortal nem nada do tipo" , Connor passou seu braço pela minha cintura, sustentando quase todo o meu peso, e me levou até o seu quarto, fazendo-me sentar em sua cama. Devo admitir que aquilo não era de todo ruim...Era só constrangedor.

_Fique á vontade. Eu só vou buscar um copo de água para você tomar o remédio.

_Tá bom.

Não só o seu quarto,mas toda a casa estava diferente do que na ultima vez em que estive lá. Haviam muito mais móveis e objetos de decoração, além de ter tomado um aspecto muito mais adulto, creio que pelo fato de Connor ter retirado a todos os cartazes do seu time preferido de Rugby e colocado os tacos de Baseball no armário. Ele não demorou muito até chegar com um copo de água numa das mãos e uma pílula branca na outra. Depois de eu ter engolido o remédio e tomado toda a água, ele estendeu-me uma caixinha.

_O que é?

_Hm...Você sabe...um daqueles testes. Só pra ter certeza.

_Connor,eu já fiz esse teste. Não adianta eu repeti-lo mil vezes. O resultado não vai mudar.

_ Quando você pretendia me contar? - ele sentou-se ao meu lado da cama.

_Lembra aquele dia em que liguei pra você?

_Claro que sim.

_ Era quando eu pretendia contar pra você.

_Mas não contou. - ele disse, com os olhos fixos na parede em sua frente. - Você desligou na minha cara. Eu fiquei sem entender.

_ Não é algo muito facil de se contar,entende? Mas eu só fiquei sabendo aquele dia. Estava ainda em estado de choque. De lá pra cá um monte de coisas aconteceram e me levaram a estar aqui agora

Connor finalmente tirou os olhos da parede e colocou-os em frente aos meus, sem dizer uma única palavra, fazendo com que minha face queimasse de constrangimento. Então ele jogou seu corpo para trás, caindo na cama, e eu fiz o mesmo para continuar fitando aos seus olhos.

_Você em algum momento pensou em...

_Em que?

_Tirar o bebê?

_Claro que não! - eu menti, arregalando os olhos pra coisa absurda a qual eu não sabia se ele estava propondo ou apenas perguntando. - Eu prefiro mil vezes ter de criar essa criança sozinha do que matá-la.

_Você não está sozinha nessa, Jenni. Eu estou aqui. Eu não vou embora.

_Obrigada. - eu sussurrei.

_Não,querida, eu não estou fazendo um favor pra você - ele virou-se de bruços, passando então a brincar com meu cabelo - Eu quero fazer isso. Eu quero estar presente. Tudo isso é mais culpa minha do que sua. Quero dizer...Você é só uma menina!

_ Eu não sou muito mais nova que você. Não sou criança. E lembre-se que fui eu quem praticamente te obrigou a dormir comigo. - eu disse, com certa irritação, o que fez com que ele reprimisse uma risada.

_Você não está com medo?

_ De quê? _ perguntei sem entender. Eu já nem pensava em medo. Ele estava ali. Estava tudo bem.

_ 'De quê?' - ele repetiu minha pergunta com um certo tom irônico, abrindo um enorme, belo e sedutor sorriso.

_Não. Não mais. Não neste momento.

_Vai ficar tudo bem, ta? - os seus olhos negros ficaram mais intensos, exatamente como como os da garotinha dos meus sonhos. A lembrança dela provocou em mim o súbito reflexo de tocar minha barriga.

_Ela se parece muito com você.

_Ela quem? - uma ruga formou-se em sua testa, e meu rosto entrou novamente em chamas enquanto eu me arrependia por ter mencionado aquilo.

_A minha...digo...a nossa...filha. - gaguejei.

_E como você sabe que é uma menina? - ele riu.

_Vai parecer maluquice.

_Eu adoraria ouvir.

_É que...Eu já sonhei com ela.

_Sonhou com ela? Mas como? Ainda não deve medir nem dez centímetros.

_Eu sei. Mas é como se fosse... O que ela vai ser. Como se fosse ela, mesmo tão pequena, se comunicando comigo. Eu já a conhecia mesmo antes de saber que estava grávida. Ela começou a aparecer por meio dos sonhos nos momentos em que mais me senti sozinha lá em Liverpool, e estava sempre a dizer que eu não estava só. Eu não entendia. Achava que eram lembranças de quando eu era pequena, mas a incrível semelhança que ela também tinha com você me deixava confusa. Daí, quanto mais perto eu fui ficando de descobrir que ela existia e estava dentro de mim, mais intensos e esclarecedores os sonhos se tornavam. E, por incrível que pareça, eu passei amá-la e querê-la por perto mesmo sem nunca tê-la visto na vida real.

_Ah! - ele exclamou, meio surpreso.

_Eu falei que pareceria maluquice.

_Eu já ouvi histórias bem diferentes de experiências pelas quais muitas mulheres passam quando estão grávidas. Talvez seja algo assim. Eu não acho que seja maluquice. Ainda que eu não entenda, deve ter algum propósito nisso.

_É...o propósito era evitar que eu cometesse um assassinato. - pensei.

_Talvez ela quisesse que você percebesse que ela estava lá com você mesmo quando você se sentia só.

_É...talvez.

_Se for uma menina mesmo eu te levo pra apostar na loteria, tá bom? - ele brincou.

_Engraçadinho....!

_É sim. Você vai ser meu amuleto da sorte.

_Amuleto da sorte? Eu não sou isso nem pra mim.

Connor segurou minha cintura, puxando o meu corpo para baixo do dele. Os seus olhos, curiosos, prendiam os meus e o seu perfume masculino forte e marcante já predominava por todo o ar. Eu desejei que ele não percebesse o quão acelerada estava na minha respiração, mas era um desejo impossível de ser realizado, tão perto que ele estava. Ele deslizou a sua mão pela minha nuca, puxando-a delicadamente em sua direção até que eu pudesse sentir o hálito quente que saia de sua boca, aumentando vertiginosamente minha vontade de beijá-lo. Passei a mão por seus cabelos, agarrando-os, sentindo a textura que tanta falta me fez, e avancei os milímetros que faltavam para sentir o macio de seus lábios nos meus. Eu soltei um enorme suspiro quando ele agarrou minha cintura.

_ Epa... - ele olhou para o lado.

_ O quê?

_ O telefone.

_ Ahn? - foi então que percebi que o telefone tocava. O som era irritantemente alto e eu sequer havia escutado da primeira vez. Eu não escutava nada. - Você vai atender?

_ Hmmm... - ele sorriu para mim.

_ Pode ir.

_ Eu não preciso realmente ir.

_ Então não vá. - eu segurei forte sua camisa.

_ Sim senhora. - ele riu.

* Residência de Connor Garrel. Não estou ou não posso atender no momento. Deixe seu recado após o bip que retornarei logo que puder * BIIP * Alô? Connor? Sou eu. Olha, preciso falar com você. Você entregou aqueles papeis que eu pedi? Pode fazer o favor de atender o celular? *

_ Vou ter que atender. Desculpa. - ele levantou-se da cama o mais rápido possível - É o meu pai.

_Tudo bem. - eu me sentei, tirando o amassado das minhas roupas e penteando os meus cabelos com os dedos.

_ Oi pai. Desculpa. Cheguei em casa agora. Tá, tá. Eu sei pai. Não ouvi tocar. Eu sei disso. Não vai se repetir. Sim, eu entreguei os papéis. Passou. Você precisa disso agora? Não dá pra ser mais tarde? Tá, tá. Calma. Estou indo então. Não se preocupe. Chegarei logo. Tchau.

_ Ele está bravo?

_ Que nada. É o estado natural dele. Não queira vê-lo bravo.

_ Não quero. - sorri.

_ Você vai num lugar comigo, tá? Depois a gente termina aquela conversa.

_ Que lugar?

_ A empresa do meu pai.

_ Ah...E ele vai estar lá?

_ Claro que ele vai estar lá. - ele riu.

_ Eu não estou vestida adequadamente para conhecê-lo. Olha. A barra da minha calça ainda está molhada.

_ Não se preocupe, querida. Eu só vou entregar uma coisa. Você pode ficar do lado de fora do escritório. Você pode conhecê-lo outro dia.

_ Eu acho que prefiro assim. Tudo bem pra você? - eu disse, roendo as unhas de preocupação só de pensar em como seria quando Connor contasse aos pais que teria um filho com uma garota que eles sequer conheciam.

A empresa da qual o pai de Connor era dono não era muito longe dali. Eu mesma passara por perto muitas vezes, sem sequer fazer idéia de que Connor, o meu Connor, tive algum tipo de ligação com ela. Era um prédio enorme, com cerca de vinte e cinco andares e todo feito de um vidro azul reluzente. Quase em seu topo havia, com letras douradas, o nome que indicava o legado do qual Connor fazia parte: JCGarrel. Eu nunca prestara atenção naquele lugar, mas aquele nome não me era estranho. E não era porque se tratava do sobrenome de Connor. Eu já o havia lido em algum lugar.

_ É enorme... - sussurrei, parada na calçada a olhar todo o comprimento do prédio.

_ É. Você acaba se acostumando. - ele deu ombros - Controlar isso não é tipo o sonho da minha vida. Eu não gosto muito desse lugar.

_ Então porque trabalha aqui e dá esperanças pros seus pais?

_ Não são esperanças vazias. Eles me criaram pra isso, pra controlar toda essa empresa. Não é como se eu tivesse muita escolha.

_ E seu irmão mais velho?

_ Ele já tinha dois anos quando meu pai se casou com minha mãe. Ele e meu pai nunca se deram muito bem. Ainda mais pelo fato dele não ter saído de cada até hoje. Eles brigam todo o tempo. A última coisa que meu pai faria seria dar esse gostinho a ele.

_ Mas ele gostaria muito mais do que você, não é?

_ Não sei bem. Ás vezes penso que sim, mas ele também não se adapta muito bem á vida que meu pai gosta de levar. - ele levantou a sobrancelha - Você não vem?

É um pouco difícil explicar o que senti enquanto o elevador subia vagarosamente até o vigésimo quinto andar. Era uma mistura de excitação e medo. Eu me sentia radiante por estar ali com Connor, eu havia voltado e entregado-lhe uma bomba, sem nunca imaginar que ele seria o mesmo depois de recebê-la. Mas não. Ele continuava ali, ao meu lado, e parecia muito mais preocupado com o meu bem estar do que com o fato de que tudo aquilo estragaria a vida dele.

Ele pousou de leve a mão nas minhas costas, enquanto passávamos por uma espécie de recepção e caminhávamos pelos corredores até uma porta de madeira que trazia uma pequena placa dourada onde dizia: John Cooper Garrel - Presidente Executivo. Meu coração bateu forte. Senti que alguma coisa dentro de mim avisava que aquilo não ia dar certo. Até que veio um 'clique'. Eu me lembrava de onde havia visto aquele nome. Aparecera tantas vezes na televisão, nos jornais, nas revistas. JCGarrel: a terceira maior empresa de tecnologia e informática que já fora fundada no Reino Unido. Tinha filiais pelo mundo todo. Por diversas vezes em vira em uma revista local o aviso de grandes novidades tecnológicas inauguradas em seu nome. Era considerada uma promessa para Londres. E eu nunca imaginei, nunca sequer sonhara que Connor tinha algo a ver com aquilo. Por que então ele era tão invisível no colégio? Se Brandon era tão cortejado por ser considerado o garoto mais bonito, que fama não teria o filho de um dos maiores empresários de nossa cidade? Quão cortejado e desejado Connor seria se as pessoas soubessem disso? Ele poderia ter qualquer coisa que tivesse. Ele nunca sequer olharia para mim. Por que é que ele havia olhado para mim? O que é que eu poderia oferecer a ele que ele já não tivesse?

_ Ah, meu Deus. - gemi.

_ O que foi? Você tá bem?

_ Por que não me contou?

_ Sobre o que?

_ Que você estava ligado a isso...Tudo isso. Que seu pai é dono de uma das maiores empresas de Londres, uma das maiores promessas de sucesso, que você é o herdeiro de um legado desse tamanho?

_ Jenni...Que diferença isso faz? A empresa é do meu pai. Eu não tenho nada a ver com isso.

_ Você tem tudo a ver com isso.

_ Isso não muda nada.

Sentei-me em uma das cadeiras do corredor, passando a mão pelos cabelos da forma que eu fazia quando estava nervosa. Eu sabia exatamente o que Susie diria se estivesse ali. Ela falaria sobre o quão sortuda eu era. Engravidar do filho de um grande empresário, fazê-lo gostar de mim. Ela diria que aquilo me faria rica. Todos os meus problemas estariam acabados. Eu não pensava muito dessa forma. Por que é que ele não podia ser como todas as outras pessoas comuns? Por que é que ele tinha que tomar parte de um legado como aquele? Aquilo mudava tudo. Era um enorme abismo entre nós dois. Tudo que aconteceu entre nós pareceria apenas um golpe cuidadosamente armado por uma garota fútil e interesseira. Não só os pais dele, mas todas as pessoas teriam uma péssima imagem de mim. Achariam que eu o enganei. Me olhariam com raiva e desconfiança. Tudo parecia óbvio demais. Nossa filha deixaria de ser o símbolo do nosso amor para simbolizar um simples golpe bem sucedido. Não era o que eu queria para mim. Não era nada do que sonhei. Eu sequer conseguiria ter ambição o suficiente para armar um plano como aquele. Não era eu. Eu não queria que as pessoas me vissem daquela forma.

_ Muda tudo.

_ Jenni...O que foi? Eu continuo sendo o mesmo Connor que sempre fui. Nada muda. Você sabe que o que meu pai é, o que meu pai tem, não reflete em nada do que eu sou. Eu nem moro mais com eles. Somos absolutamente diferentes.

_Você faz ideia do que as pessoas vão pensar de mim? Sabe como o nosso relacionamento vai ser visto como piada? E eu nem pertenço a esse mundo. Nunca vou ser a garota que seus pais vão querer ver ao seu lado. - eu perguntei, fitando a parede. Mas a porta com o nome do pai dele abriu-se um pouco e ele colocou a cabeça de fora.

_ Connor! Minha secretária avisou que você estava subindo já faz mais de cinco minutos. O que é que você está fazendo aí? O tempo não espera, filho. - ele disse em voz de desaprovação, fazendo-me encolher na cadeira.

_ Eu já volto. Só tenho que entregar uma coisa pra ele. Não vá embora. Eu levo você pra casa. - ele disse, e eu permaneci calada enquanto o pai dele nos fitava.

Connor caminhou em direção á porta e seu pai lançou-me um olhar frio que me fez encolher mais ainda. Ele fechou a porta. Eu sabia que era errado, mas eu tinha de saber como as coisas seriam lá dentro. Connor prometera apenas entregar os tais papéis ao pai, mas que garantias eu tinha de que meu nome não entraria em meio ao assunto? Eu me sentia estremecer só de pensar na reação que aquele homem teria. Creio que não seja uma notícia muito boa saber que o seu filho, que mal adentrou a faculdade, engravidou uma menina de dezoito anos. Certamente a reação não seria uma das melhores. Mas eu tinha de saber. Então sentei-me no banco mais próximo á porta na tentativa de ouvir o que eles conversavam lá dentro.

_ Entregou o pedido ao representante daquela distribuidora?

_ Sim, pai.

_ E o que ele disse?

_ Ahn...Nada. Ele agradeceu.

_ Só agradeceu?

_ E mandou entregar isso.

_ E especificou o que era?

_ Algumas ideias sobre a nova tecnologia digital que a empresa está criando. Disse que, se você se interessar, vocês podem conversar sobre patrocínio e tal.

_ 'E tal...? Como assim 'e tal'? Dá pra você falar direito? Quero saber exatamente o que ele disse. E quando eu pergunto se uma pessoa disse algo, você não diz 'ahn...nada'. Você me diz exatamente o que ele falou. Daqui a uns anos, meu filho, será você a administrar isso aqui. Você tomará decisões, você escolherá até quais empresas e ideias vai patrocinar. Você deve se interessar se quiser aprender isso aqui. Parece muito fácil pra você, não é? Mas não é fácil.

_ Eu não disse que parece fácil pra mim.

_ Mas seu desinteresse demonstra claramente.

_ Eu não sou desinteressado. Faço tudo que você me manda. Eu viajei pelo mundo inteiro por dois anos, contra a minha vontade, só pra satisfazer aquele sonho seu. E agora estou aqui. Trabalho pra você. O que mais você quer de mim?

_ Interesse. Qualquer garoto da sua idade daria qualquer coisa, QUALQUER COISA pra ter oportunidades como as que você tem. Mas não. Você só reclama. Nunca se contenta com nada que ofereço a você. É igualzinho o seu irmão. Está sempre a dizer que não o ouvimos, que nunca perguntamos o que você quer, que já lhe impomos um futuro sem que você possa dar opiniões sobre isso.

_ É, pai...Tanto faz.

_ Tanto faz? É assim? Tanto faz pra você, Connor? - ele levantou a voz.

_ Olha pai...Desculpa, tá? Eu só estou com a cabeça meio cheia hoje. Aconteceram umas coisas, e...Eu não sei direito como agir em relação a isso.

_ Eu já disse. Não deve deixar problemas pessoais interferirem na sua vida profissional de forma alguma. Você não acha que deveria me escutar mais?

_ É...acho. - Connor respondeu em tom de ironia. - Eu já vou, tá?

_ Connor, filho, sente-se aí. Quero apresentar uns projetos a você.

_ Pai, eu tenho que ir.

_ Você não pode ficar passeando com garotinhas por aí em pleno horário de trabalho. Já disse: trabalho em primeiro lugar. Quantas vezes vou ter de repetir?

_ Eu sei. Eu só vou levá-la pra casa.

_ Por que ela está aqui?

_ Ela...Por nada, pai. Eu simplesmente a trouxe comigo.

_ Quem é ela?

_ Ela se chama Jennifer.

_É sua namorada?

_ Hm... Mais ou menos. É meio complicado. Já tinha um tempo que a gente não se via. Ela voltou ontem á noite para Londres.

_ E onde ela estava antes?

_ Em Liverpool. Ela estuda em uma universidade de lá.

_ E o que está fazendo aqui em pleno ano letivo, filho?

_ Hm...Uns problemas. Ela vai se transferir pra uma universidade daqui.

_ Problemas, huh? Então quero conhecê-la. Traga-a aqui. - ele disse em um tom que parecia zangado. Meu corpo todo gelou só de pensar em conhecê-lo.

_ Não, pai. Deixa pra lá. Ela tá se sentindo meio desconfortável. Depois eu a apresento para você e pra mãe.

_ Eu sei exatamente o que está acontecendo. Aposto que ela voltou falando que estar grávida de você. Foi isso,não foi? Por isso você está 'com a cabeça meio cheia'.

_ Pai...! - Connor começou a dizer, mas não conseguiu terminar a frase.

_ Essas vadiazinhas! - ele bateu na mesa com raiva - Quantas vezes eu já te disse, Connor? Mandei que você tivesse cuidado, que quando descobrissem que você é meu filho, as pessoas começariam a se aproximar sem motivo algum. Que elas enganariam você, se aproveitariam da situação. Quantas dezenas de vezes falei pra ter cuidado com garotas desse tipo? Você nunca escuta.

_ Pai...Ela não é assim. - ele disse, e eu podia sentir raiva em sua voz.

_ A história é essa. Vocês transam uma vez, ela finge estar apaixonada por você, passa um tempo fora e de repente volta com uma história. Você nem sabe se esse filho é seu. Ela estava na faculdade. Você sabe como são as coisas na faculdade. Você tem que exigir teste de DNA. Não pode acreditar nela. Não pode deixar que as pessoas o façam de idiota, meu filho.

_ Ela não é como você acha. Ela não pensa dessa forma. É só uma menina. Não tem ninguém, nem um familiar sequer. Ela só tem a mim.

_ A você e ao seu dinheiro, não é?

_O dinheiro é seu, pai. Ela não fazia ideia de quem você era, de quem eu era. Ela só voltou porque não tinha pra onde ir. Ela é uma boa pessoa e realmente gosta de mim. De uma forma que nem eu entendo. Mesmo quando eu viajei, passei todo aquele tempo fora, ela continuou a me olhar da mesma forma quando voltei. Ela não é o tipo de garota que pensa de forma tão ambiciosa quanto você. Ela jamais engravidaria de um cara da faculdade e diria que era meu.

_ Você tem que aprender a conhecer as pessoas. Gostando ou não, é assim que as coisas são. Você não pode confiar em ninguém. A vadiazinha só vai ficar com você até sugar todo o dinheiro que você tem e depois vai procurar outro que a satisfaça.

_ Não a chame assim! - ele gritou.

_ É isso que ela é. É assim que as pessoas são. Só pensam em si mesmas.

_ Nem todo mundo é como você, pai.

_ Filho, pense a decepção que será para a sua mãe, além da que já está sendo para mim. Você tem um legado, um futuro brilhante. Está fazendo faculdade, estou te ensinando tudo o que sei. Não pode deixar que uma mentira estrague tudo. Um golpezinho barato. Você ainda tem muito que aprender. Dê um jeito, meu filho. Dê um dinheiro a ela. Eu te ajudo no que for necessário. Faça-a ficar de boca fechada. Diga que a ajuda financeiramente se ela não contar a ninguém que esse filho é seu. Pense bem, Connor. Você tem todo um futuro.

_ Ela também tem todo um futuro. Isso não conta? Tem só dezoito anos. Acha certo que eu a deixe sozinha nisso?

_ Ela vai ter o que quer. Dinheiro. E você não vai perder a sua vida. Não se preocupe, filho. Eu conheço esse tipo de mulher. Em um piscar de olhos ela arranja outro assim como arranjou você. Talvez até antes da barriga começar a crescer, huh?

Não era o fato de ter sido bem parecido com o que imaginei que fez com que doesse menos. As lágrimas escorriam pelo meu rosto e eu não fazia idéia do que fazer, do que dizer. A raiva, a indignação me faziam querer entrar naquela sala, dar um tapa naquela homem e dizer ofensas tão grandes quanto a que eles cuspira sobre mim. Ele sequer me conhecia. Me vira uma única vez, naquele mesmo dia, por um breve segundo. Sequer cumprimentou-me, sequer trocou palavras de cordialidade comigo. Como poderia achar que me conhecia também? Como poderia dizer aquelas coisas? Doía muito saber que eu era vista daquela forma. Eu não era, eu nunca fora nada daquilo. Talvez, se antes eu houvesse descoberto sobre a família de Connor, eu nunca houvesse me aproximado. Nada daquilo era necessário. Mas não. Ele tinha de ser sempre tão sigiloso e misterioso. Vestia-se de forma simples, morava em um apartamento pequeno assim como a maioria dos garotos que saem cedo de casa. Até o carro dele não era lá grande coisa em comparação com o que ele poderia comprar. Saía normalmente com os amigos para lugares comuns, nunca exigia almoçar em restaurantes caros ou comprava coisas por preços exorbitantes na frente das pessoas. Ele não era um terço igual ao pai. Não estava escrito na testa dele. Como eu poderia saber?

A única coisa que eu sabia era que não queria ficar mais nem um segundo ali. Eu não queria aquilo pra mim. Não queria enfrentar esse tipo de preconceito. Jamais me imaginei ser vista como a garota esperta que se casa com o cara rico. Eu nem precisava de Connor. Nem precisava atrapalhar aquele seu 'futuro brilhante'. Eu sabia que podia fazer tudo sozinha. Eu não precisava mais ouvir aquelas coisas. Então peguei meu celular e disquei para a única pessoa que poderia me acalmar naquela situação.

_ Jenni? Tá tudo bem? Você tá chorando? - disse a voz preocupada da minha melhor amiga do outro lado da linha.

_ Rachel...Você pode vir me buscar?

_ Aconteceu algo? Você tá bem?

_ Mais ou menos. Eu estou bem. Só quero sair daqui. E preciso...conversar.

_ Mas onde você tá? E o Connor?

_ Esquece ele, tá bom? Eu estou naquela empresa... JCGarrel. Fica no bairro Baker Street. Você sabe onde é?

_ Sei, sei sim. Já passei na frente umas vezes. Pode esperar na porta?

_ Eu já estou passando aí.

_ Vem logo, tá? - implorei.

_ Tá bom.

Melissa J
Enviado por Melissa J em 16/04/2015
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