Mais que a Minha Própria Vida - Capítulo 44

Quatro meses e meio se passaram mais rápido do que se pode imaginar. Morar com Connor era mágico. Todo o meu medo do nosso relacionamento cair na rotina ou do encanto se perder se mostrava absolutamente sem sentido a cada vez em que eu o via ao meu lado da cama de manhã, que o seu braço forte me puxava pela cintura, que qualquer contato com a pele dele me provocava choques, que eu percebia o cuidado excessivo que ele tinha quando ia me abraçar ou a qualquer aproximação.

Eu estava enorme. Enorme mesmo, muito maior do que quando minha barriga começou a crescer e eu passava todo o tempo a reclamar do quanto estava gorda. Eu estava tão enorme que não conseguia me levantar, deitar, sentar, abaixar, ou fazer qualquer movimento simples assim sem que exigisse muito esforço da minha parte ou a ajuda de alguém. Cada uma das minhas roupas foi ficando pequena até que o meu armário passasse a ser composto por roupas novas e grandes. Eram roupas de grávida, claro, mas eu as odiava, o que sempre fazia Connor rir.

Eu sentia vontade de comer o tempo todo, comia a todo momento e comia muito. Connor me levou a dezenas de nutricionistas, na tentativa de fazer com que eu tivesse uma alimentação saudável, mas não adiantava. Eu sentia vontade de comer coisas estranhas e me sentia como se o mundo fosse acabar se eu não comesse tais coisas imediatamente. Eu não conseguia andar direito, mal conseguia ficar em pé, minhas costas doíam muito e minha barriga pesava.

Por muitas vezes ficava a me observar no espelho. Acariciava a minha barriga e ficava a pensar como seria quando Hailie nascesse. Estava tão perto. Eu já podia imaginar sua pele macia e quente, suas mãozinhas e pezinhos, seu cheirinho de bebê, aquele ser fragil e gracioso encaixando-se em meus braços. Podia imaginar Connor carregando-a no colo, o seu primeiro sorriso, suas primeiras palavras, o som da sua voz ecoando pela casa. Mas a cada dia que o seu nascimento se aproximava, mais difícil ficava aguentar.

Eu estava cansada e constantemente ficava muito, muito irritada por motivos banais. Sentia dores constantes, nunca dormia direito, eu só queria ficar deitada na cama o dia todo sem ter de fazer mais nada. Mas eu não podia. Eu tinha de trabalhar, tinha que ajudar com a casa, tinha de preparar tudo pra quando a minha filha chegasse.

Tudo isso somava-se ao fato de que eu não mais suportava me olhar no espelho. Meus olhos estavam marcados por duas grandes e escuras olheiras, meu cabelo estava ressecado e eu mal tinha tempo ou ânimo para arrumá-lo, meu corpo estava tão diferente que eu me sentia como se não fosse mais eu mesma. Era eu mesma no corpo de outra pessoa. Era estranho. Meu alto estima estava tão baixo que eu sentia raiva de Connor quando ele tentava me dizer que eu ainda era bonita, que eu ainda era a mesma Jennifer que ele conhecera naquele baile. Era mentira. Eu não era a mesma Jennifer.

Vendo tudo de longe eu admiro Connor por tudo o que ele passou. Por tudo que o fiz passar naqueles meses de gravidez e, principalmente, no último. Eu me sentia brava e angustiada e estava sempre a descontar nele. Eu gritava com ele, eu reclamava com ele, eu disse por dezenas de vezes que ele era o culpado, que nada daquilo precisaria acontecer. Mas ele me entendia. Era como se soubesse que eu não dizia aquelas coisas por mal, que eu só estava cansada e estressada, que eu amava a ele e a Hailie e os queria mais do que qualquer coisa.

Não faço ideia se ele sentiu tanto medo quanto eu. Ele sempre me tratava bem e pacientemente, mas ás vezes não aguentava e tinha de se afastar por alguns minutos. Ele saía de casa e ficava encostado á porta olhando para a rua, por um longo tempo, suspirando fundo, fechando os olhos com força. Ás vezes ele pegava o carro e dava longas voltas pela cidade. Ás vezes, enquanto eu dormia, ele se sentava na cama e ficava a olhar o nada, no escuro, sem conseguir dormir. Não era fácil. Nunca foi. Nem para ele nem para mim. Eu estava morrendo de medo e acabava por jogar o peso em cima dele. Só que ele nunca foi muito bom em extravasar o que sentia. Nunca, nem uma vez sequer, ele me disse que aquilo estava sendo difícil, que ele estava farto, que ele não se sentia capaz de continuar suportando, frases que eu estava sempre a dizer. E não era culpa dele. Não era culpa de ninguém. As coisas simplesmente acontecem e você só é obrigado a se adaptar a elas. Goste ou não.

Mas eu não posso dizer que aquilo era apenas um inferno para mim, porque era também um milagre. Eu carregava uma vida dentro de mim, uma vida que crescia, se mexia, que sentia junto comigo. Só que, enquanto ela crescia fisicamente, eu amadurecia. Eu já não era a mesma menina sonhadora que fora antes dela e sabia que Connor também não era mais o mesmo. E nós teríamos de crescer ainda mais, porque quando ela nascesse, nós dois seríamos a única coisa real que ela tinha. Nós teríamos de estar ali para ela, ser a proteção dela, fazer com que ela se sentisse bem, amada, feliz. Saber que se é o porto seguro de alguém tão frágil, saber que esse alguém literalmente depende de você para viver, é mágico. Por isso, ainda que eu não estivesse mais suportando, ainda que ficasse cada vez mais difícil, lá no fundo eu sabia que era capaz. Que, no final, tudo ficaria bem. Eu a amava, eu amava Connor, era a única coisa que realmente importava. O resto acabaria se ajeitando.

O quarto da Hailie estava parcialmente montado. Tínhamos comprado o básico como berços, decorações infantis e alguns bichinhos de pelúcia. Foi tudo o que Rachel permitiu que eu comprasse, já que há tempos ela planejava organizar um 'chá-de-berço' para mim. No começo eu relutei. Eu estava exausta, não queria uma festa, não queria um monte de gente falando alto na minha casa, eu só queria ficar sozinha e deitada. Mas ela não desistiu tão fácil, insistindo e prometendo organizar tudo de tal forma que acabei por ceder. Seria no dia seguinte, um sábado, na minha casa, e ela e sua irmã Leah se encarregaram de cuidar de tudo enquanto eu descansava um pouco.

Dali a aproximadamente duas semanas a bebê ia nascer. O médico me instruiu que era apenas uma previsão, poderia ser antes ou depois desse tempo. Eu frequentara alguns cursos para mães jovens que ensinavam cuidados com a gravidez, técnicas de respiração para facilitar o momento do parto, técnicas de amamentação e outros assuntos que esclarecessem e tranquilizassem aquelas que seriam mães dali a pouco tempo. Aprendi que haviam vários tipos de parto, suas vantagens e desvantagens. E, depois de muito pensar, decidi optar pelo parto tradicional. Sei que é comum preferir a cesária devido á diminuição da dor e á pontualidade das datas. Mas eu morria de medo do procedimento, da peridural, de ter de passar por uma recuperação lenta e dolorosa que levaria semanas, além do grande risco de infecção que eu correria. O parto normal, apesar de ser o mais doloroso, era o mais seguro tanto para mim quanto para a bebê. Haviam pouquíssimas chances de complicações, era mais natural, a cicatrização seria rápida assim como a recuperação. Dessa forma, pensando no que seria melhor para mim e para a Hailie, fiz a minha escolha.

Como muitas outras noites, aquela não foi fácil. Eu sentia dor e desconforto todo o tempo, parecia que nenhuma posição que eu ficasse na cama era boa o suficiente. Depois da última vez, antes do meu primeiro ultrassom, eu nunca mais sonhei com aquela Hailie branquinha de olhos penetrantes que corria por uma floresta e gritava meu nome. Eu sonhava com os meus maiores medos, minha bolsa estourando quando eu estivesse sozinha e não tivesse ninguém para me ajudar, meu parto tendo complicações, a Hailie sendo sequestrada do hospital por pessoas estranhas, ou até mesmo nascendo morta. Eu chegava a acordar suada e chorando muito, e sabia o quanto estava prejudicando Connor em relação não só ao seu trabalho, mas a tudo. Ele se sentia estressado, tanto quanto eu.

_ Connor... - eu chamei por ele, numa das vezes que acordei naquela noite.

_ Outro pesadelo?

_ Tem alguém aqui em casa. Eu estou com medo. Eles vão me sequestrar e tirar a Hailie de mim. - choraminguei, buscando a mão dele, que apertou forte a minha.

_ Eu sabia que não devia ter deixado você ver aquele filme. - ele suspirou, a voz rouca e arrastada pelo sono e pelo cansaço.

_ Não é só pelo filme. Essas coisas realmente acontecem.

_ Não vão acontecer, querida. Eu estou aqui, vai ficar tudo bem. Foi só um sonho. Tenta descansar, tá? Amanhã vão vir muitas pessoas aqui pra casa. Será um longo dia.

_ Mas tem alguém aqui em casa. Eu ouvi passos.

_ É lá na calçada.

_ Tudo bem. Se você não quer olhar eu olho. - eu disse, fazendo força pra levantar.

_ Deita, Jennifer. Eu vou dar uma olhada. - ele suspirou longamente.

Ajeitei o travesseiro que ele colocara sob minhas pernas, tentando me colocar em uma posição mais confortável e prendi a respiração para ouvir casa acontecesse algo. Alguns segundos depois Connor voltou.

_ Não foi nada. Tá tudo bem. - ele deitou-se novamente ao meu lado.

_ Desculpa. - choraminguei.

_ Pelo quê?

_ Por fazer da sua vida um inferno.

_ Jenni, você não faz da minha vida um inferno. Não faz, tá legal? De onde tirou isso? Não quero que pense nisso. - ele acariciou meu rosto.

_ Eu faço sim. Você não aguenta mais ficar perto de mim. - eu comecei a chorar, desesperando-o.

_ Não, não chora. Você tá chorando a semana inteira. Não fica assim, querida. Tá tudo bem, vai ficar tudo bem.

_ Desculpa por chorar por qualquer coisa. - eu comecei a chorar mais ainda.

_ Não é culpa sua. Isso é normal, o médico falou, lembra? É normal ter medo também. Não chora, pequena.

_ Tá bom. - tentei me acalmar, engolindo o choro - Desculpa. Desculpa por ser uma chata.

_ Pare de pedir desculpas.

_ Tá. Desculpa...Digo...Vou parar.

_ E você não é uma chata. Você só tá cansada. Nós dois estamos.

_ Eu não entendo. Como é que, tendo plena consciência de todas essas coisas,as pessoas ficam grávidas por querer? Isso é masoquismo.

_ Ah, Jennifer. Vem aqui. - ele sorriu, me abraçando com cuidado e acariciando os meus cabelos. - Você vai conseguir. Nós dois vamos. Eu estou aqui.

_ Promete estar sempre?

_ Enquanto eu puder.

_ Tá. É o suficiente...Eu acho.

Melissa J
Enviado por Melissa J em 28/04/2015
Código do texto: T5223823
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