Mais que a Minha Própria Vida - Capítulo 48

Eu sabia que já havia passado e muito do horário de dormir, mas não sentia a menor necessidade de colocar Hailie no berço e voltar para a cama. A verdade era que eu amava aquilo. O seu cheirinho de bebê, sua pele quente, a sua respiração tranquila e o modo como as suas mãos se apertavam nos meus braços mesmo quando ela já estava sonhando. E eu não me cansava de olhar para ela. Não compreendia como é que certas pessoas conseguiam repudiar crianças. Como é que a risada doce delas poderia ser irritante? Como poderia um coração não derreter ao ver o abrir e fechar das suas mãozinhas pequenas quando ela pedia colo?

Desde que Hailie nascera eu entrei num estado de felicidade contínua do qual não queria mais sair. Era como se ela preenchesse grande parte dos vazios da minha vida, toda a minha falta e necessidade de pais e proteção, já que agora eu é quem era a proteção de alguém. Era maravilhoso me sentir dessa forma. Ela era tão pequena e inocente, que todos os dias eu lhe prometia que a protegeria de todas as coisas ruins do mundo, embora eu não soubesse bem como faria isso. Ela nunca precisaria sentir aquilo que eu senti quando perdi os meus pais e meu avô, nunca precisaria ouvir cada palavra arrogante que eu ouvi e nem aprender as suas lições da forma dura com a qual eu tive de aprender as minhas. Enquanto eu estivesse viva eu jamais permitiria.

Um ano havia se passado, mas eu me sentia como se já vivesse daquela forma há muito mais tempo. Hailie crescia de uma maneira impressionante, e a cada nova fase que ela entrava, mais encantada eu ficava. Ela já andava um pouco, embora suas pernas ainda tremessem e ele se sentisse muito mais segura segurando em móveis ou se apoiando na parede. Ela falava pouquíssimas palavras, como 'mamãe','papai','feliz','colo' e 'livro'. E eu me derretia toda cada vez que escutava a sua voz tão doce.

Me lembro muito bem da primeira vez na qual ela falou. Ela tinha cerca de dez meses de idade e estávamos brincando no jardim da frente. Era um fim de semana. Connor sorria enquanto segurava um dos bonecos dela e inventava uma história confusa e sem nexo. Ele não era muito bom em contar histórias, mas os olhos de Hailie brilhavam em cada uma de suas tentativas. Ela ria e batia palmas, enquanto eu acariciava os seus cabelos e ajeitava as suas pernas em meu colo. Houve uma hora que Connor falou algo sem sentido e eu comecei a rir, fazendo-o cair na gargalhada também. Então ela segurou meu dedo e me olhou com seus olhos penetrantes antes de dizer 'feliz'. E eu sabia exatamente como ela se sentia. Não havia palavra melhor para expressar aquilo que nós tinhamos.

Desde que Hailie chegara, eu e Connor tentamos diminuir e alterar nossos horários de trabalho para não ter de deixá-la durante todo o dia na creche. Mas o trabalho dele era o mais rentável e ele não podia evitar de trabalhar durante toda a manhã e tarde, ficando em casa somente no horário do almoço e no anoitecer. Já eu tive de abandonar meio período e as horas extras em que eu trabalhava na loja, diminuindo considerávelmente quanto eu ganhava, mas dando-me toda a tarde para ficar com a minha filha. E desde que eu a conhecera, estar com ela, fazer com que ela se sentisse segura e crescesse bem era a minha maior prioridade. Só que o dinheiro que havíamos guardado uma hora acabaria e nós não fazíamos muita ideia de como conseguiríamos dar a ela toda a educação e entretenimento que queríamos apenas com o que ganhávamos. Era inevitável não pensar nisso, mas estávamos nos esforçando por uma solução que não envolvesse deixar nossa filha ser criada por uma babá.

_ Que horas você tá pensando em ir pra cama, Jenni? - Connor apareceu na porta, e a sua voz me assustou.

_ Não sei. Que horas são?

_ Você tava dormindo?

_ Mais ou menos. Eu estava fazendo ela dormir e acabei cochilando um pouco. - bocejei, ajeitando Hailie no meu colo. Eu sempre me sentava no sofá com ela numa posição que a impedisse de cair mesmo se eu dormissse. Todo o cuidado era pouco.

_ Já são quatro da manhã. Se você ficar dormindo com ela toda noite ela nunca vai se acostumar ao berço.

_ Eu sei. Mas é que ela tá rejeitando o berço. Ela tá ficando cada vez maior e sente a necessidade de ficar em pé, de sair e poder andar livremente por aí. E não poder fazer isso a irrita. Aí ela chora a noite inteira e só para quando eu fico aqui.

_ Eu sei. - ele sentou ao meu lado no sofá, passando as mãos pelos cabelos despenteados - Mas você vai trabalhar daqui a duas horas. Você tá muito cansada, tá acabando consigo mesma. Você deveria tentar deixar ela dormir sozinha de vez em quando.

_ É. Você tá certo. É que...Eu gosto de tanto de olhar pra ela. Eu tenho medo de virar as costas e ela ser tirada de mim algum dia.

_ Ninguém vai tirá-la de nós, amor.

_ E sobre você?

_ Ninguém vai me tirar de vocês. - ele me acariciou o rosto.

_ Minha família. - sorri.

_ Ela tá enorme, né? Nem parece que só passou um ano.

_ Sim. Cresce tão rápido que eu nem posso acreditar. Parece que eu vou piscar os olhos e ela já vai estar fazendo as malas pra faculdade.

_ Acho que isso vai demorar um pouco. - ele riu. - Primeiro nós é que vamos voltar pra faculdade.

_ Nós não podemos voltar pra faculdade agora. Ela não pode ficar sem a gente.

_ Nós precisamos. Você não pretende trabalhar numa loja pro resto da vida, pretende?

_ Eu não me importo. Se puder tê-la por perto sempre.

_ Não dá, Jenni. Eu mesmo não posso ficar trabalhando muito tempo na minha empresa sem estar formado. Eu preciso me formar para continuar no cargo que eu estou e pra conseguir cargos melhores. E você também merece um emprego melhor. A gente não vai conseguir criá-la na situação que estamos.

_ Até agora tá tudo dando certo.

_ É. Até agora está. Mas e quando ela parar de mamar e precisar de comida de verdade? E quando ela crescer e precisar se matricular num colégio, de brinquedos novos, de fazer cursos de dança como você tanto quer que ela faça? Como pretende pagar por isso?

_ Eu não faço ideia.

_ Uma hora a gente vai ter que dar um jeito nisso.

_ É, eu sei. Só não faço a mínima ideia de como vai ser.

_ Nem eu. - ele suspirou - Me dá ela, deixa que eu a coloco no berço. Tenta dormir um pouco, Jenni.

_ Tá bom. - eu passei Hailie para os seus braços, beijando-lhe.

A verdade era que eu não me importava. Já havia passado por problemas bem piores do que pequenas dificuldades financeiras, problemas os quais eu pensei que nunca superaria, mas ainda estava ali, forte e esperançosa. No fundo no fundo eu sabia que daríamos um jeito, da forma que sempre dávamos. Talvez precisássemos procurar empregos novos, talvez precisássemos deixar Hailie na creche por mais tempo que gostaríamos, mas tudo acabaria por se ajeitar. A única coisa importante para mim era ter aquele homem encantador e aquela menina tão doce por perto. Enquanto eu os tivesse, eu me sentiria completa. Eu tinha tudo. O resto era resto.

Connor se esgueirou ao meu lado da cama, enfiando-se por debaixo da coberta e me abraçando. Era tão bom dormir sentindo seu abraço quente, sua respiração na minha nuca, o cheiro dele por todo o quarto. Eu não me imaginava sem essas coisas.

_ Ela acordou quando você a colocou no berço? - sussurrei sonolenta.

_ Não. Sequer fez movimentos bruscos. Ela só acorda com você porque você a mima demais.

_ Não mimo nada.

_ Mima sim. Ela vai ficar dengosa. Igualzinho você. - ele disse, e mesmo de costas eu pude sentir o sorriso em sua voz.

_ Coitadinho de você então por ter de aguentar duas mulheres tão mimadas. - eu disse com ironia.

_ Ah, sabe como é. Você se acostuma.

_ Você é um chato, isso sim! - eu me virei para ele, dando um tapa de brincadeira em seu braço. Ele segurou o meu braço e o colocou envolta de sua cintura. A outra de suas mãos acaricou os meus ombros, passando pela minha cintura, até a minha barriga, deixando um caminho de fogo por cada parte que tocava. Quando sua boca tocou a minha, minha pele ficou tão quente e inflamável que poderia haver um incêndio a qualquer momento naquele quarto. E eu sequer perceberia. Ah, não, aquilo nunca se tornaria monótono demais. Connor era e sempre seria o único homem que eu desejaria daquela forma.

_ Eu te amo. - sussurrei perto do seu ouvido.

_ Também. - ele murmurou, apertando o meu corpo e puxando as minhas pernas para a sua cintura de forma nada delicada. Sempre que nos tocávamos ele parecia sair de si, como se a personalidade misteriosa dele tomasse conta de todo o seu corpo. Eu não conseguia decifrá-lo, mas tinha certeza que ele me desejava da mesma forma que eu o desejava. Suas mãos reconheciam o meu corpo causando espasmos em mim, e a cada suspiro que dávamos, uma onde de energia tomava conta de mim levando embora totalmente qualquer resquício de cansaço. Eu poderia continuar com aquilo a noite toda. Definitivamente era melhor que dormir.

Sua boca percorreu a minha clavícula, subindo para a base do meu pescoço, onde eu podia sentir sua respiração acelerando-se pouco a pouco. Ele mordeu forte o meu pescoço, e eu gemi, não sei bem se dor ou de prazer, mas ele parou e imediatamente começou a beijar a pele que agora ardia. Suas mãos hábeis tiravam a minha roupa e me acariciavam de tal forma que eu nem me dava conta quando todas elas já estavam amarrotadas no chão. Quando ele fez o impulso para que o meu corpo se encaixasse no dele, o som doce e familiar de choro de criança soou pela babá eletrônica. Para qualquer pessoa normal aquele som era baixo demais para ser perceptível. Mas se tratava da nossa filha. Então para nós era mais alto do que qualquer som.

_ Não acredito nisso. - gemi, caindo para o lado da cama contrário ao de Connor.

_ É. _ Eu vou lá.

_ Pode deixar que eu vou. Você precisa descansar um pouco. E, afinal de contas, comigo ela dorme rapidinho.

_ Nesse caso eu vou esperar por você. - eu tentei fazer uma voz sensual, mas pareceu muito mais uma voz de sono.

_ Sei. - ele riu debochado, arrastando-se até o quarto de Hailie.

O vento frio soprou contra minha pele desprotegida e eu puxei a coberta sobre mim, me espreguiçando longamente. Eu estava mesmo exausta. E o dia seguinte, que já nem era mais 'dia seguinte', por se tratar de ser madrugada, seria longo e cansativo. Fiquei a olhar pra porta e lutar contra as minhas pálpebras que insistiam em se fechar. O cansaço fazia com que elas parecessem muito mais pesadas do que realmente eram. Mas eu tinha que esperar pelo Connor. Por mais que eu lutasse contra o cansaço os meus olhos se fecharam por alguns minutos e eu acordei assustada com o movimento que o colchão fez quando Connor voltou.

_ Hoje você demorou a conseguir fazê-la dormir, hein? - esfreguei os olhos tentando adaptá-los a claridade do quarto. Mas por que é que já estava claro?

_ Não levei mais do que cinco minutos. - ele deu ombros, fechando os botões de uma camisa preta.

_ Pareceu bem mais do que isso. Por que você está se vestindo? Não vai nem dormir um pouco?

_ Dormir um pouco? - ele sorriu. - Eu voltei do quarto da Hailie e você estava dormindo tão profundamente que não tive coragem de te acordar. Daí eu só me deitei do seu lado e dormi. Já é de manhã agora. Eu estou meu arrumando pra ir trabalhar.

_ Como pode ser de manhã? Eu só fechei os olhos por quinze minutos.

_ Um pouquinho mais do que isso. - ele beijou minha testa. - Vou ter de ir mais cedo pra empresa pra poder resolver umas coisas. Eu comprei pão naquela panificadora ali perto e deixei em cima da mesa pra você. Bom trabalho. Dá um beijo na nossa filha por mim.

_ Você saiu pra comprar pão e eu nem percebi?

_ Você estava cansada.

_ É. Exausta.

Me vesti o mais rápido possível, fiz uma maquiagem leve que disfarçasse ao menos um pouco o meu cansaço e prendi meu cabelo em uma trança. Depois de pronta fui até o quarto de Hailie, como eu fazia todos os dias. Ela ainda dormia quando eu a acariciei carinhosamente e a tirei do berço devagar. Ela gemeu em tom de protesto mas não deu birra e nem chorou como fazia quando acordava irritada. Nós nos sentamos na cadeira de balanço e aproveitei pra descansar por alguns minutinhos enquanto Hailie mamava. Depois eu lhe dei um banho, lhe vesti, arrumei sua bolsa com alguns brinquedos e fraldas limpas, e peguei uma maçã na geladeira enquanto passava correndo pela cozinha com ela no colo. O carro de Connor, naturalmente, estava ainda no estacionamento. Normalmente ele levava Hailie até o berçário e a mim até o trabalho, mas nas vezes em que ele tinha de ir mais cedo, como esse em especial, ele ia de táxi e deixava o carro para mim. Não era muito confortável para ele, mas nós não podíamos nem sonhar em ter mais de um carro e todas as despesas que vinham junto. Minha rotina era sempre essa. Eu deixava Hailie no único berçário das redondezas que me agradara suficientemente para que eu confiasse em deixá-la passar as manhãs e ia trabalhar. Então trabalhava até pouco depois do horário de almoço, comia um sanduiche em alguma lanchonete pelo caminho, buscava Hailie do berçario e voltava com ela para casa.

Era aí que começava a melhor parte. Eu tinha um dia, um dia inteirinho livre para passar com a garotinha mais encantadora que já conheci em toda a minha vida. Ela me fazia imaginar enormes enredos com fadas, sapos enfeitiçados, rainhas, bruxas e princesas. Me fazia buscar a bola da casa do vizinho, comer doces antes do jantar, rir até a barriga doer, e cantar músicas que eu não cantava desde a minha infância. Eu me lembro o quanto gostava de cantar quando pequena e que, após a morte dos meus pais, eu nunca mais cantara nenhuma música infantil. Mas agora eu tinha Hailie, minha luz, minha esperança, minha fé. Era meu amuleto que me fazia querer agarrar a vida com unhas e dentes e seguir em frente sorrindo aconteça o que acontecesse.

Então não importava o quão ruim pudesse ter sido o meu dia ou o quão cansada eu pudesse estar, era só sentir o cheirinho de bebê e o abraço da minha filha que eu me sentia bem. Tudo de ruim sumia. Eu só conseguia pensar nela e não desejava outra coisa que não fosse estar ali. O que ela mais gostava de fazer era escutar histórias. Ela sempre andava até o quarto, pegava um livro de capa chamativa e mostrava-o para mim, dizendo 'livro' e sorrindo com os poucos dentinhos que tinha na boca. É claro que eu me derretia toda e é claro que lia para ela todas as histórias que ela me pedisse.

Connor sempre dizia que eu a mimava demais, que fazia todas as suas vontades e a deixava mal acostumada. A verdade era que eu não conseguia dizer não para Hailie. Eu a amava com tamanha intensidade que, se eu pudesse, eu lhe daria todo o mundo. Como eu não podia, eu a transformava no meu próprio mundo. E só o sorriso dela podia mudá-lo todo. Tornava tudo mais colorido e feliz. Eu sabia que ela não entendia muito bem, mas eu não podia evitar de prometer-lhe sempre que ela só conheceria a felicidade. Eu sabia o que era estar sozinha, sabia como era se sentir em um lugar frio e escuro e faria tudo o que estivesse ao meu alcance para que ela não tivesse que passar por isso. Queria que tudo continuasse simples. Que ela sempre coubesse em meus braços e eu pudesse protegê-la de qualquer dor. Queria que ela nunca crescesse e que fosse somente minha para sempre. Tendo ela por perto, eu entendia mais do que nunca todos os medos e restrições da minha mãe sempre que eu buscava independência. Ela só queria me proteger. Então eu daria isso para Hailie. Ela sempre teria uma família, uma proteção, um lugar para correr de volta. Ela sempre teria a mim e ao Connor.

Melissa J
Enviado por Melissa J em 08/05/2015
Código do texto: T5235481
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