Mais que a Minha Própria Vida - Capítulo 52

Quem? Me digam. Quem, eu plena consciência e estado normal de espírito interrompe um pedido de casamento para atender uma ligação de negócios? Que tipo de pessoa faz algo assim? Pois é. Foi exatamente o que ele fez. Ele se levantou da mesa e andou até o lado de fora do restaurante para atender a ligação enquanto eu o observava boquiaberta. Aquilo era algum tipo de brincadeira ou o quê? Aos poucos fui percebendo que as pessoas próximas a minha mesa havia percebido o que havia acontecido. Me senti tão envergonhada por ser observada de rabo de olho, por ser o assunto de seus cochichos. Me encolhi toda na cadeira. Eu queria ir embora dali. Simplesmente. Mas só de pensar na cena do garçom me seguindo com a conta na mão fez com que eu resolvesse ficar por ali mesmo. Quinze minutos depois, Connor voltou para mesa, seguido por olhares incriminadores.

_ Amor, desculpa, eu...

_ Vamos embora?

_ Mas...Você não quer pedir sobremesa?

_ Não, eu não quero pedir sobremesa. – eu respondi indignada. Eu só queria sair logo dali. – Pede a conta, eu espero no carro. – me levantei da mesa, indo até a porta, lutando contra mim mesma para não fazer aquilo correndo. Connor pagou a conta e foi até o carro, onde eu o esperava sentada, em silêncio, abraçando os meus ombros. Ele entrou e se sentou ao meu lado.

_ Jenni. Por favor, por favor, me desculpa. Não me veja como um idiota. Não foi por mal. É que a gente ta tendo uns problemas meio sérios na empresa e eu não posso simplesmente deixar de atender o celular. Você sabe que eu não faria se fosse realmente importante.

_ Que seja. – dei ombros.

_ Jenni... – ele puxou o meu queixo para poder me olhar nos olhos.

_ Foi humilhante. Você não percebeu como todo mundo estava olhando? Você não pode simplesmente... Fazer isso.

_ E desde quando você se importa com o que as pessoas acham?

_ Desde que você me deixa sozinha na mesa e eu não posso nem ir embora senão o garçom sairia correndo atrás de mim com a conta. – eu disse. Nós dois ficamos calados, olhando para frente, até que Connor começou a rir e eu também caí na risada.

_ Seria meio engraçado. – eu olhou para mim.

_ Seria nada. Eu ficaria muito brava com você. – eu disse, tentando fazer cara de brava, mas ele esticou a cabeça e deu um beijo no meu pescoço, levando todos os pêlos do meu corpo a se arrepiarem. Incrível como ele ainda tinha esses efeitos sobre mim.

_ Desculpa. Não deixa isso estragar a noite, vai? Você nem quis comer sobremesa, deixa ao menos em comprar um sorvete pra você na praça.

_ Então prepara o seu bolso, porque eu vou colocar todo o sorvete que eu quiser.

_ Claro, tudo bem. – ele sorriu.

Nós pedimos duas bolas de sorvete cada. Eu pedi uma sabor chocolate e outra sabor flocos, enquanto ele pediu uma sabor uva e uma sabor limão. Nós andamos em silêncio por alguns minutos pela praça enquanto comíamos. A praça era de uma magnetude impressionante. Havia uma grande área de grama e plantas rasteiras, enquanto árvores de maior porte torneavam o lugar. Haviam vários bancos e um caminho de asfalto por onde as pessoas passeava e onde vendedores de doces, refrigerante e pipoca faziam propaganda de seus produtos. Era o tipo de lugar ideal para qualquer um e que ficava cheio a qualquer hora do dia e da noite. Pessoas atléticas de apertadas roupas de lycra a correr, mulheres a passear com os seus minúsculos cachorros, um grupo de góticos a caminhar, um casal a namorar, um garoto fazendo o dever de casa em um notebook, um grupo de amigos e comer cheetos e tocar violão deitados na grama, havia uma enorme variedade por lá. Não me surpreendia, afinal, era mesmo um lugar lindo. Principalmente á noite, quando parecia que a cidade era mágica, as luzes se acendiam e os sons das vozes pareciam música.

Connor se sentou em um banco, esticando as pernas sobre ele, e eu me deitei em seu colo, sendo envolvida em seus braços. Era tão boa a sensação de estar entre os seus braços quentinhos. É bem nessas horas que você sente que é intocável. Que nada nem ninguém vai te machucar porque você está totalmente segura. Ele beijou o alto da minha cabeça e afastou os meus cabelos com as mãos, beijando o meu ombro, clavícula, pescoço. Era uma noite fria, mas ali, nos braços dele, e sob os efeitos das provocações dele, todo o meu corpo era calor.

_ É tão bom ter você. – eu sussurrei. – Eu queria que essa época boa em que vivemos durasse pra sempre. Que a gente nunca se esquecesse como é se sentir assim.

_ Nós não vamos nos esquecer. Eu prometo.

_ Como você pode ter tanta certeza das coisas?

_ Você não sabe? – ele disse em tom de brincadeira, mordendo a minha bochecha direita – Eu vejo o futuro.

_ Tá cheio das gracinhas hoje.

_ É que você me deixa feliz. – ele disse. Eu dei um enorme sorriso, virei-me para ele e beijei seus lábios. E de novo. E de novo. Até que eu me esqueci que eu e ele éramos duas pessoas diferentes. Cada vez que os nossos beijos ficavam intensos demais eu simplesmente me sentia como se fôssemos um só. Eu só percebi que tínhamos nos esquecido do mundo quando ele gentilmente me afastou, e eu percebi que estava com a mão no zíper da calça dele.

_ Epa... – eu me afastei, sentindo grande parte do sangue do meu corpo indo para a minha face. Ele riu e me abraçou com ternura.

_ Eu te amo.

_ Eu te amo também, Connor.

_ Sabe? Eu sei que a gente ainda não está em condições de fazer essas loucuras e tal. Mas um dia eu vou ter dinheiro o suficiente pra sair desse lugar. Pegar você e a Hailie e ir embora pra bem longe. Pra qualquer lugar do mundo que vocês quiserem. Pode até ser pra Paris se você quiser. Daí a gente poderia comprar uma casa lá e começar tudo de novo.

_ Por que você ta dizendo essas coisas? Nós estamos vivendo tão bem, estamos felizes. E eu amo Edimburgo. _ Eu achei que fosse só uma cidade escocesa idiota. – ele disse com um sorriso meio sem graça.

_ É uma cidade escocesa idiota que eu aprendi a amar. E eu achei que você também amasse. Afinal foi sua a ideia de vir pra cá. E você cresceu na vida aqui. Vimos nossa filha crescer, dar seus primeiros passos, tudo aqui. Nós temos amigos aqui...Digo...Temos os Marshall, né? Por que motivo nos mudaríamos daqui?

_ Eu odeio esse lugar. Odeio cada calçada, cada construção. Odeio a falsidade das pessoas, odeio a comida, odeio até mesmo o ar daqui. Sei que temos uma vida aqui, mas se eu pudesse eu simplesmente ia embora.

_ Eu nunca imaginei que você se sentisse assim. – olhei pra ele assustada. Ele percebeu que tinha me assustado e voltou a me abraçar.

_ Bem, é um momento suspeito pra falar, eu me sinto meio estressado. Ás vezes eu só queria mesmo um lugar mais calmo. Mas logo passa. O importante é estar com você e com nossa filha. Se vocês vierem junto, onde eu estiver estará tudo bem. Veja, eu posso até odiar esse lugar, mas estando abraçado com você aqui hoje, tudo aqui parece mágico. Você entende o que eu quero dizer?

_ Entendo...Eu acho. Por que você está tão estranho?

_ Eu não estou estranho. Eu só...Sei lá. – ele deu um riso forçado – Estou cansado.

_ Bem, você poderia ter dito. A gente não precisava ter ficado na rua até tarde hoje. Você poderia ter aproveitado pra dormir.

_ Você não entende? Eu não estou cansado de falta de dormir. Eu estou cansado de ter de me preocupar tanto. De ter de me sentir tão culpado. Eu só...Só espero que um dia você me perdoe.

_ Connor, você ta me assustando. Me conta o que ta acontecendo, por favor. – eu me virei pra olhar nos olhos dele. Ele me beijou e acariciou minha face.

_ Casa comigo, Jenni?

_ Quê? Não!

_ Não? – ele franziu a testa.

_ Não é um ‘não’ de ‘não quero’, mas um ‘não’ de ‘não mude de assunto’! Você vai me contar o que ta acontecendo.

_ Jennifer Summers... – ele pegou a caixinha preta mais uma vez de dentro do casaco e a abriu, revelando uma aliança com um pequeno e delicado diamante no centro – Case-se comigo.

_ Meu Deus, Connor. Me conta. O que ta acontecendo?

_ Eu amo você. Só isso.

_ Connor Garrel!

_ O quê? _ Você não é romântico. Muito menos meloso. Tem alguma coisa errada. O que é que ta acontecendo? – insisti. Ele deu um sorriso de nervosismo e desviou os olhos dos meus.

_ Não é nada. Eu só me sinto culpado por...Bem...Por trabalhar muito e não ter muito tempo pra você pra Hailie.

_ É só isso?

_ É.

_ Ta tudo bem. – eu acariciei sua face – Eu entendo, sério. Mesmo que ás vezes eu fique brava e pareça não entender, eu juro que entendo. Eu sei que você faz por nós. Ta tudo bem, querido.

Ele tirou o pequeno anel da caixinha e colocou-o no meu dedo. Eu estiquei as mãos sobre os meus olhos e o observei encantada. Era tão lindo.

_ Você não deveria esperar a minha resposta antes de colocar o anel no meu dedo? – sorri.

_ Casa comigo?

_ Você não precisa disso pra provar que me ama. Eu sei que você me ama. Você mesmo disse...Não temos dinheiro o suficiente pra ficar fazendo loucuras. Até mesmo isso – olhei pra aliança – É uma loucura.

_ Esquece. Dinheiro não é nada.

_ Você vai ter que trabalhar muito pra pagar.

_ Que nada. Já tem muito tempo que eu comprei esse anel.

_ Então por que você esperou até hoje? – franzi a testa.

_ Acho que eu tava esperando o momento certo. Mas e então? Você aceita?

_ Ah, querido, é claro que eu aceito. – eu disse. E nos abraçamos.

Connor teve um pouco de dificuldade em destravar a tranca de nossa casa, o que não era muito surpreendente, considerando que nossas bocas não desgrudavam por um segundo sequer. Ele havia proposto ir comemorar em um outro lugar. Mas para quê? Eu adorava a nossa cama quentinha e a sensação de conforto de cada cômodo daquela casa. Havia um champagne no armário que poderíamos abrir. Não havia lugar melhor para estar com ele do que o nosso lar.

_ Anda logo... – eu tomei a chave de suas mãos, colocando-a na tranca e girando. Ele abaixou uma das alças do meu vestido e começou a me acariciar os seios por cima da roupa, enquanto sua boca beijava toda a extensão do meu pescoço.

_ Boa noite, crianças. – o vizinho da casa ao lado acenou, de roupão, já que saíra para colocar comida para o cachorro ou algo assim. Senti minha face queimar e rapidamente tirei as mãos do Connor de mim, ajeitando o meu cabelo e tentando agir naturalmente.

_ Hm...Boa noite, senhor Winkerson. – acenei envergonhada.

_ É mesmo uma ótima noite. – ele deu uma risadinha sarcástica, voltando para dentro de casa. Connor e eu entramos, trancando a porta atrás de nós.

_ Caramba, que vergonha. – ofeguei, encostando na porta. Connor sorriu, me abraçou e me ergueu em seu colo, encaixando nossas bocas com a mesma empolgação de antes.

_ Ele deve estar é morrendo de inveja. Não é todo mundo que tem uma mulher linda assim em casa.

Eu mal me lembrava em que parte da escada havia ficado a camiseta dele ou o meu vestido. Quando nos deitamos na cama eu só conseguia ouvir a nossa respiração ofegante, sentir o coração acelerado, e o calor dos nossos corpos ao se tocarem. As mãos dele percorreram toda a extensão das minhas costas enquanto ele beijava os meus ombros e eu soltei um longo suspiro. Ele me puxou pela cintura para que eu ficasse sentada sobre ele e encostou as nossas testas, olhando dentro dos meus olhos daquele jeito hipnotizador.

_ Eu sou louco por você. – ele fez com que nossos narizes nos tocassem. Eu não dei tempo para que ele não falasse mais nada. Não conseguia resistir á tentação de nos beijarmos. Queria me encaixar com ele e ficar desse jeito para sempre.

_ Ah, Jennifer... – ele suspirou, deitando-se por cima de mim e entrelaçando as nossas pernas. Cada toque dele parecia causar uma explosão de fogos dentro de mim.

Percorri com os meus dedos nas partes mais sensíveis das costas dele, me deliciando com os seus gemidos, e beijei o seu pescoço. Ele me apertou forte. Então comecei a ouvir um som familiar. Primeiramente era bem sutil. Depois ficou forte e estridente.

_ Meu celular? Que estranho. Quem me liga essa hora? – reclamei.

_ Sei lá, a Rachel? _ Não é ela. Falei com ela mais cedo. E ela não é inconveniente desse tanto. Ta tarde.

_ Pode ser a Molly. – Connor argumentou. O celular não parava de tocar e aquilo já estava me irritando.

_ Mas ela não ligaria. A menos que...Será que aconteceu algo com a Hailie?

_ Melhor atender. – ele saiu rapidamente de cima de mim, pegando o celular dentro da bolsa e oferecendo-o para mim.

_ Alô?

_ Jennifer? Tudo bem?

_ Henry? O que foi? Ta tudo bem com a Hailie? A Molly está aí com você? Aconteceu algo?

_ Não, não. Ta tudo bem. A Hailie ta ótima.

_ Então por que você ta me ligando?

_ Posso falar com o Connor?

_ Por que não ligou no celular dele?

_ Está no silencioso. Eu posso falar? É importante.

_ Você pode falar para mim e eu passo o recado a ele. – cruzei os braços impacientemente.

_ Ele não está perto de você?

_ Sim, mas a gente ta meio...Ocupado.

_ Jennifer, me deixa falar com ele. São problemas no trabalho. É meio urgente.

_ São 10:30 da noite. Não pode esperar até amanhã? Caramba, Henry. Vocês estão viciados em trabalho. Descanse um pouco. Eu e Connor estamos comemorando um pedido de casamento e você está atrapalhando. Eu não quero ser grossa, mas isso, as ligações toda hora, estão me incomodando. Você vai acabar deixando o Connor louco.

_ Jennifer, isso é sério. Passa o telefone pra ele.

_ Tem algum banco aberto? Não. Tem alguma empresa, associação, ou qualquer outra coisa do tipo aberta? Não. Então acho que esse seu problema pode esperar até amanhã cedo.

_ Temos umas ações numa empresa em Hong Kong. Lá já amanheceu e todos os bancos e associações já abriram.

_ Resposta errada. Em Hong Kong são 5:30 da manhã. Empresa nenhuma abre ás 5:30 da manhã. – eu disse a Henry. Connor, que já andava impaciente pelo quarto a me pedir educadamente que lhe passasse o telefone, arrancou o telefone das minhas mãos e andou até o corredor.

_ Eu sei, eu sei. Mas nós não temos esse dinheiro. O que é que você quer que eu faça? – Connor discutia impaciente, andando de um lado para o outro. – Eu não fiz acordo nenhum. Foi você quem deu um cano neles, Henry. Você. E agora eu é que estou ferrado? Vão se ferrar todos vocês. Eu não estou pirando, você ainda nem me viu pirando. Que alternativa? Sei. Sei. Pode ser possível. É uma idéia. Complicado, mas pode ser uma boa. Onde? E onde é que vamos conseguir esses contatos? Ahã. Sei.

_ Connor... – murmurei perto do ouvido dele, já impaciente, depois de esperá-lo falar ao telefone por mais de dez ,minutos. Ele me afastou com as mãos e apontou para o telefone fazendo cara feia.

_ Você deveria era se casar com ele. São perfeitos um pro outro. Dois chatos viciados em trabalho. – zanguei-me. Ele apenas me ignorou e virou-se de costas para mim. – Que se dane então. Vou buscar a Hailie nos Marshall, vou colocá-la na cama e depois vou dormir. Vocês que fiquem discutindo sobre trabalho o resto da noite. Agora quanto á nossa noite pode esquecer. Você já estragou. – cuspi essas palavras para cima dele.

O que é que eu poderia fazer? Eu me sentia ofendida. Como poderia ser normal ele preferir discutir negócios ao celular quando eu estava de roupas de baixo na cama só pra ele? E era a nossa comemoração. Por que é que ele não poderia simplesmente dizer ao Henry que estávamos ocupados e que ligaria no outro dia pela manhã? Então eu me vesti, peguei a minha bolsa e entrei no carro furiosa para buscar a Hailie. Henry não estava em casa e, naturalmente, Molly estava preocupada sem fazer ideia de onde ele estava. Contei-lhe sobre o quão furiosa eu estava com os dois aquela noite e ela conversou comigo para tentar me acalmar. Depois de cerca de uma hora eu coloquei Hailie no carro e voltei para casa.

Assim que abri a porta, Hailie desceu do meu colo e começou a correr pela casa gritando pelo pai. Ele já havia desligado o celular e estava sentado á mesa do escritório, teclando furiosamente no computador enquanto analisava alguns papéis sobre a mesa. Hailie sorriu, andando decidida até ele com o intuito de subir ao seu colo, mas Connor levantou-se e colocou a mão nas suas costas, guiando-a até a porta.

_ Papai está ocupado.

_ Mas... – ela estava parada na porta. O pai a olhou de forma tão dura que um leve tremor tomou o seu lábio inferior.

_ Agora não Hailie. – ele fechou a porta na cara dela.

Hailie virou-se para mim desconsolada. As lágrimas caíam aos montes dos seus olhos, eu podia ver toda a dor da rejeição em sua face. Era tão comovente que até mesmo os meus olhos encheram-se de lágrimas. Caí de joelhos no chão e abri os braços. Ela correu até mim e depositou todo o pesar de seu pequeno corpo no meu colo.

_ Mamãe, por que ás vezes o papai me odeia? – ela soluçou. Eu morria de medo da forma como aqueles chiliques de Connor acabariam afetando-a no futuro.

_ Não, filha, isso não é verdade. O papai não odeia você. Ele só está muito cansado. Lembra de como você ficou brava com todo mundo no dia em que perdeu sua boneca favorita? Lembra de como tratou a mamãe mal sem ter nenhum motivo e depois se sentiu arrependida?

_ Lembro.

_ É parecido. Papai não odeia você. Logo ele vai perceber que está sendo um bobo e vai voltar ao normal. Eu prometo.

_ E se não voltar?

_ Vai voltar sim. Lembra que eu o conheço a muito mais tempo que você?

_ Ainda bem que você me ama todo o tempo mamãe. – ela enterrou o seu rosto em meu ombro e eu acariciei os seus finos cabelos de ouro.

_ Eu e seu pai te amamos todo o tempo. E amamos muito. Não fica assim, vamos. Que tal tomarmos um pouco de sorvete de chocolate, e depois vamos pro seu quarto ouvir uma história de dormir?

_ Eu posso pôr cobertura de morango? – ela esfregou o seu nariz, que já estava avermelhado, esboçando um sorriso sapeca no rosto.

_ Claro. Pode colocar até alguns M&M’s.

_ Oba!

Coloquei um pouco de sorvete numa taça para Hailie e a sentei no meu colo, no sofá, para que pudéssemos ficar juntas enquanto ela comia. Eu a havia matriculado nas aulas de balé de sua escola, há alguns meses, e ela estava bastante empolgada. Claro que isso me deixava orgulhosa. A dança sempre fora a minha paixão e seria lindo ver que aquele talento tinha se estendido á minha filhinha. A cada história e encenação sobre os passos que ela aprendia, eu já me pegava imaginando-a em um palco, vestida de bailarina e rodopiando lindamente.

Depois do sorvete eu dei-lhe um banho e a coloquei na cama com o intuito de ler algo para fazê-la dormir. Eu adquira o hábito de ler para ela todas as noites, mesmo quando ela era apenas um bebê e mal entendia o que eu dizia. Naturalmente, eu aprendera com os meus pais, e foi algo que muito influenciou para que mais tarde eu gostasse de ler. Assim que ela se tornara grande o suficiente para saber escolher, Connor e eu começamos a levá-la uma vez por mês na seção infantil de uma livraria e a deixávamos escolher um único livro. Daí todas as noites antes de dormir, eu lia pra ela, mas á medida que ela foi aprendendo a ler, eu lhe pedia para ler uma ou mais linhas da página em que eu estava. Hailie adormeceu antes mesmo que eu concluísse a história. Puxei o cobertor para cima dela, liguei o pequeno abajur de luz azul e dei-lhe um beijo na testa, antes de sair e fechar a porta atrás de mim.

Connor ainda estava sentado na cadeira do escritório, quando eu abri a porta com raiva e caminhei até ele.

_ Sabe o que nossa filha me perguntou hoje? Ela perguntou por que é que você a odeia. Tem alguma noção do por quê ela acha isso, Connor? Como você acha que esse tipo de coisa reflete na cabeça de criança de cinco anos dela? Você acha que ela entende os seus chiliques? Acha que ela consegue separar as coisas, sem achar que é culpa dela?

_ Eu não fiz nada demais. Só falei que estava ocupado.

_ Você foi um grosso. Como sempre, não é? O que é que custa parar cinco minutos para pegar sua filha no colo? Aliás, por que é que você ainda está trabalhando? Ainda é meu aniversário. Você não pode ser só nosso por um único dia?

_ Pra você é fácil falar. Não tem de arriscar a própria vida para colocar comida dentro de casa. É muito fácil passar o dia em casa brincando com a Hailie ou fazendo compras com a Molly. E quem é que banca tudo? Você não sabe o que seria de você se eu não ficasse ‘trabalhando como um louco’ até essas horas em pleno domingo.

_ Eu tinha um emprego em Londres. Eu não precisava de você. Você quem veio atrás de mim aquele dia. Foi você quem implorou para que eu e Hailie voltássemos pra você.

_ E trabalharia de lojista de uma lojinha ridícula pelo resto da vida? Ou será que você conseguiria alguma coisa melhor sem fazer faculdade? – ele soltou uma risada sarcástica.

_ Você é um estúpido. Tá cada vez mais parecido com o seu pai. – eu gritei, pegando com raiva o meu celular da mesa dele. – Não foi você quem engravidou aos dezessete anos e viu toda a sua vida virar de pernas pro ar. Você não viu toda a sua vida ferrada sem ter ninguém pra recorrer. Você não sabe o que é ter de dar a volta por cima.

_ Minha vida também mudou quando você engravidou, Jennifer. Eu também perdi coisas.

_ Mas você tinha uma família. Pessoas a quem recorrer. A quem pedir socorro.

_ Sim, mas eu nunca pedi.

_ É, mas você sempre teve mais de uma alternativa. – eu andei até a mesa, aproximando o meu rosto do dele – Eu não sou fraca Connor. Eu não preciso de você. Eu sei me virar sozinha. Se eu estou contigo até hoje é porque eu quero. Mas a partir do momento em que eu começar a me questionar sobre os motivos pelos quais eu o quero, eu simplesmente faço as minhas malas e vou embora. Toma cuidado.

_ Você ta blefando. – ele murmurou zangado.

_ Jogue comigo. – bufei, saindo rapidamente da sala antes que eu começasse a chorar de raiva. Ah, como eu odiava aquilo. A inconstância dele. A pessoa que ele estava se tornando.

É incrível o tipo de coisa que o amor leva as pessoas a sentirem. Como pode ‘ser’ abstratamente mesmo que não possa ‘existir’ concretamente. Disseram-me certa vez que você sabe que ama alguém quando faz tudo por ela pura e simplesmente por quer fazer tudo por ela. Sem esperar algo em troca. Daí, tudo o que a pessoa supostamente fizer como retribuição, é uma recompensa inesperada. Caso ela não venha, não há decepção, já que não se esperava nada. Esse tipo puro e incondicional de amor seria o único capaz de fazer a felicidade durar para sempre. Eu sempre tive toda a convicção do mundo que amava Connor. Quando ele me olhava nos olhos, quando me entendia, quando me tocava e fazia com que eu me sentisse segura, eu seria capaz de me jogar de um penhasco se aquilo pudesse fazê-lo feliz. Mas quando ele se tornava aquela pessoa fria e distante eu sentia um vazio enorme dentro de mim. Como se meu coração batesse oco. Nesses momentos eu não sabia mais se era capaz de amá-lo incondiconalmente. Cada vez a dor me atingia de uma forma. Algumas vezes as palavras duras faziam-me considerar ir embora. E eu morria de medo de que isso significasse que eu não o amasse realmente.

Mas eu não podia ignorar que tudo aquilo que nós já superamos significava alguma coisa. Eu me apaixonei por ele aos quinze anos e permaneci apaixonada mesmo quando ele não olhava para mim. Ele, mesmo que sem querer, fez com que eu sentisse o gosto amargo da ignorância e da rejeição. E ainda assim eu sentia aquela necessidade de estar lá para ele. Como se o futuro reservasse algo para nós. Como se fosse para ficarmos juntos. E, naquele momento, ali estávamos. Havíamos formado nossa própria família e, na maior parte do tempo, nós éramos felizes. Nós nos apoiávamos um no outro, nós éramos o lar, o porto seguro, o pilar um do outro. Se isso não era amor, eu não sabia o que era. Só sabia que não queria perder. Eu não queria perder nada.

Ouvi a porta do quarto se abrir vagarosamente e mantive os olhos fechados enquanto um corpo pesava no colchão ao me lado e se enfiava embaixo da coberta que me cobria.

_ Quantas vezes eu vou ter de me desculpar para me redimir por cada decepção que eu te causo? Quantas vezes vou ter de te fazer sorrir para que você se esqueça que eu te mato aos poucos? Ah, Jenni...E você não sabe nem da metade. Me perdoa. Eu amo você. Eu realmente amo você. – ele sussurrou perto do meu ouvido.

Ele achava que eu estava dormindo. Eu sabia que ele achava. Ele nunca se redimia de forma tão humilhante. E, bem, eu já me sentia mesmo muito cansada. Ele não precisa saber que eu havia escutado. Então deixei que ele me abraçasse, me deixei aproveitar o seu abraço quente e protetor, joguei tudo para o dia seguinte. Como era bom ter o amanhã. Como era bom o privilégio de se poder dormir. Ter uma boa noite de sono, esfriar a cabeça. Era tudo o que eu precisava.

Melissa J
Enviado por Melissa J em 18/05/2015
Reeditado em 18/05/2015
Código do texto: T5246592
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