Mais que a Minha Própria Vida - Capítulo 54

Eu sentia a onda de pânico tomando conta do meu corpo, mas não conseguia colocar para fora. Eu queria chorar, queria esmurrá-los e dizer que era mentira. Que Connor não poderia estar morto. Eu praticamente acabara de vê-lo, de abraçá-lo, de beijar-lhe os lábios. Eu ainda sentia o cheiro dele em mim, ainda sentia o calor dele. Queria correr até a empresa em que ele trabalhava e subir pelas escadas até a sua sala para abraçar-lhe forte e contar-lhe sobre a brincadeira sem graça que haviam feito comigo.

Sabe quando você está numa situação tão amedrontadora que, num barreira de ato-proteção, você se sente saindo do seu corpo e começa a ver a cena como se estivesse fora dela? Aquilo era tão bizarro para mim que era como se fosse um filme da televisão. Dois policias parados em frente á minha casa e me dando a notícia de que o homem que eu amava estava morto. Quão irreal isso poderia ser? E se fosse um sonho? Sim, era um sonho. Só poderia ser. Eu vivera tantos grandes traumas na minha vida que começara a criar traumas piores em minha mente por puro medo de sofrer.

_ Não é real. – eu pensei, em puro estado de negação. Então eu comecei a rir. Rir muito. Comecei a gargalhar e não conseguia me controlar. Mas não era uma risada natural de quem se diverte. Mais beirava o desequilíbrio.

_ A senhora está bem? – perguntou o garoto, o policial Benjamin.

_ Isso é algum tipo de brincadeira? Porque sabem? Não tem graça nenhuma. Eu não sei como vocês podem ter a cara de pau de vir á minha casa e fazer isso comigo.

_ Não é brincadeira, senhora. – Benjamin fitou o chão.

_ Não tem nem duas horas que o Connor saiu daqui. Ele se arrumou para ir trabalhar. Ele me deu um beijo, deu um beijo na nossa filha, ele foi de carro até a empresa onde ele trabalha. Então que diabos ele estaria fazendo num galpão abandonado? Não é óbvio demais que vocês o confundiram com outra pessoa?

_ Nós encontramos os documentos dele, senhora. Estes. – Benjamin mostrou-me a carteira e os documentos do Connor num saquinho lacrado contendo um número.

_ Eu sei lá, ele pode ter sido assaltado. Ah, tudo faz sentido agora. Assaltantes morrem baleados todo o tempo. Assaltantes fazem...Não sei...Coisas de assaltantes em balcões abandonados. Não foi o Connor que vocês encontraram lá - sorri, aprovando a história que a minha mente criara para me proteger. O policial Benjamin olhou desorientado para o policial Richard, que suspirou fundo.

_ Precisamos que a senhora vá identificar o corpo. –disse o mais velho - A senhora não precisa ir agora. Pode ligar pros seus pais primeiro.

_ Eu não tenho pais. – olhei-os ofendida. Como se a culpa fosse dele por eu não ter

pais.

_ Parentes?

_ Eu não tenho ninguém. Minha família é o Connor e a Hailie.

_ Uma amiga?

_ Eu não preciso levar ninguém para confirmar pra vocês que é apenas um engano.

_ Leve uma amiga mesmo assim. - disse Richard, entregando-me um papelzinho - Esse é o endereço do necrotério. E embaixo é o meu número de celular. Ligue pra mim assim que chegar lá que iremos ao seu encontro. Por favor, não tarde. É importante que seja rápido o reconhecimento do corpo para que nós possamos começar as investigações sobre o assassinato.

Eu ainda estava em estado de choque quando penteei o cabelo de Hailie, vesti as suas roupas e a levei para a escolinha. 'Está tudo bem. Não passe de um engano de muito mal gosto', eu pensava. Mas ainda tinha aquela parte da minha mente que pensava ' E se esse pesadelo estiver mesmo acontecendo?' Peguei um taxi e fui até a casa dos Marshall porque eles eram as pessoas mais próximas que eu tinha naquela cidade. Eu andei até a porta mas não tive forças para bater. Minha cabeça girava e eu estava começando a me sentir tonta. A cada minuto que passava, mais difícil era a possibilidade daquilo ser um pesadelo, uma farsa. Sentei na escadinha que dava pra porta e comecei a ligar para Connor. A cada vez que eu ouvia o som de 'ocupado' ou a mensagem dele gravada no correio eletrônico, mais forte meu coração batia. Eu estava abraçada ás minhas pernas e olhando para o nada quando Molly percebeu que havia alguém na porta e foi até mim.

_ Jennifer? O que você está fazendo aí? O que foi que aconteceu? - os seus cabelos estavam presos por vários grampos, ela usava um avental e cheirava á comida. Devia ser próximo do horário de almoço mas eu não me permiti checar. Ela insistia por resposta e eu só fiquei parada olhando pro nada. - O que aconteceu com você, menina?

_ O telefone do Connor está dando ocupado. - forcei um sorriso, tentando parecer natural - Pra variar. E eu estou preocupada. Você pode ligar pro seu marido e checar se eles estão bem?

_ Ah, querida... - ela me olhou como uma mãe olharia pra uma filha desconsolada por ter brigado com o namorado - Sei que você se preocupa e sente falta dele, mas não pode deixar que isso acabe com você dessa forma. Olhe só pra si mesma. Está com uma cara péssima. Vem, entra. Eu vou fazer um café pra você.

_ Ligue pra ele, Molly. Agora.

_ Eu liguei tem pouco tempo. Está desligado. Ele ainda deve estar no avião.

_ Que avião?

_ Ué, Connor não te contou? Ele teve que viajar a negócios. Vai ficar a semana toda fora.

_ Ele não pode ter viajado. Hoje cedo mesmo ligou para o Connor e pediu que ele fosse á empresa.

_ Não, querida. Ele viajou ás 4 da madrugada.

_ Oh, meu Deus. Isso não pode estar acontecendo. - murmurei.

_ O que tá acontecendo?

_ Preciso que você vá num lugar comigo.

_ Que lugar? Eu não posso sair agora. Estou fazendo almoço e agorinha tenho que buscar as crianças da escola.

_ Eu...- comecei a dizer, sem tirar os olhos da parede - Preciso ir ao necrotério reconhecer um corpo que eles acreditam ser o do Connor.

Sem fazer nenhuma pergunta, Molly me puxou até o carro e dirigiu com pressa ao endereço que constava no papel. Eu não fazia idéia de no que ela estava pensando, mas pela agonia em seu olhar era evidente que ela acreditava que Connor estava morto. Por quê ela acreditava naquilo? Que conduta Connor havia dado para que morrer dentro de um galpão abandonado pudesse parecer tão natural a ela, que convivia diariamente para ela. Eu também permaneci calada, fitando o céu pela janela do carro. Eu não queria mais pensar em nada. Tinha medo das conclusões a que pudesse chegar. Foi Molly quem discou o número de celular escrito no papel e avisou ao policial Richard que nós estávamos lá. Rapidamente eles apareceram e se dirigiram a nós.

_ A senhora é a mãe dela? - perguntou á Molly.

_ Não. Sou uma amiga. Ela não tem família. - ela sussurrou tentando fazer com que eu não ouvisse.

_ Ah é. - ele apenas levantou a sobrancelha. - Por aqui.

O lugar era enorme e carregado de energia negativa. Tinha cerca de sete andares, com pequenas janelas de vidro no alto, além de uma pintura fosca da cor cinza que o tornava ainda mais desconfortável. Haviam pessoas de jalecos brancos que andavam de um lado para o outro a passos rápidos e evitavam se olhar nos olhos. O tempo todo eram trazidas macas com corpos fechados em algo que parecia um saco de dormir com zíper. Eu não queria estar ali. Queria sair correndo e não voltar mais. Mas as mãos firmes de Molly que seguravam as minhas deixaram bem claro que ela não permitiria. O policial Richard fez contato visual com um dos médicos, que fez sinal de positivo com a cabeça e nos indicou uma porta branca. Antes que nós entrássemos ela se abriu e sairam duas mulheres sussurrando. Por muito pouco eu não ouvi o que elas diziam. " Tão novinho. Eu acabei de ligar para os pais e eles estão vindo imediatamente. Parece que são de Londres. A mãe ficou arrasada e ficou todo o tempo a gritar que a culpa era de uma namorada com a qual ele teve um bebê e que, segundo ela, o obrigou a se mudar pra Edimburgo."

_ Não as escute, Jenni. - Molly sussurrou. Mas eu estava longe de pensar nos pais do Connor. Algo muito mais importante me esperava dentro daquela sala. Ou um engano que me traria alívio ou a tragédia que acabaria de vez com o meu mundo.

Era uma sala pequena e abafada, com espécies de macas que traziam contornos de corpos cobertos por lençóis brancos. O cheiro forte e enjoativo de éter permeava todo o ambiente. Era tão medonho que desejei que Connor estivesse em pé ao meu lado para me abraçar, beijar o alto da minha cabeça e dizer que ficaria tudo bem. Que ele cuidaria de mim. Eu suspirei fundo e percebi estar sendo observada por um garoto de cabelos bem vermelhos e cortados bem curtos, tal qual quando se vai para o exército. Ele devia ter uns 20 e poucos anos, usava calça, camisa e tênis brancos e me olhava meio receoso. Assim que percebeu que eu o havia percebido, descruzou ou braços e murmurou um “por aqui”, antes de andar até uma maca onde, numa ficha pendurada, dizia “Segunda feira, 8:00 AM, sem identificação”.

Molly fez menção de me levar até lá abraçando os meus ombros, mas eu me desvencilhei dela e andei muito rapidamente para perto do garoto ruivo. Eu não queria parecer uma pessoa descontrolada, mas acho que em certas situações isso não é algo que se pode evitar.

_ Está tudo bem – eu dizia mentalmente – Vai ficar tudo bem. Isso é só um engano. Vai ficar tudo bem. Vai ficar tudo bem. Vai ficar tudo bem.

_ Eu posso...? – o garoto me olhou meio receoso. Eu lhe lancei um olhar zangado e ele entendeu a mensagem, puxando o lençol até a metade dos ombros do corpo.

Eu entrei em choque ao reconhecer aqueles cabelos negros e cuidadosamente cortados, os cílios grossos, os ombros recheados por pequenas e charmosas pintas, o queixo quadrado, o rosto bonito. Era o Connor. O meu Connor. Ele estava com as pálpebras pesadas e aparentava estar tão tranqüilo que mais parecia estar dormindo. Seus braços pareciam relaxados embaixo do lençol, seu rosto estava sereno. Então afinal de contas eles estavam mesmo errados. Ele não estava morto. Estava somente dormindo.

_ Não os culpo por terem se confundido. – pensei, sorrindo um pouco – ele parece mesmo uma pedra quando dorme.

Lutando contra a minha vontade de me deitar ao seu lado e abraçá-lo bem forte, eu fingi não perceber os olhares em minha direção e vagarosamente levei a mão para acariciar os seus cabelos. Eles eram grossos e macios. Era tão bom senti-los. Mas havia alguma coisa errado. Um machucado? Uma pequena concavidade em sua cabeça. Algo que fez com que eu afastasse a minha mão e percebesse um pouco de sangue nela. Um tiro.

_ Não... – eu choraminguei, virando a sua cabeça para o lado e vendo com toda a clareza o buraco da bala que começava pouco acima do ouvido dele. Minha cabeça começou a latejar, minha respiração ficou muito acelerada e eu senti como se meu corpo pudesse desmoronar a qualquer momento. Eu mal conseguia ficar em pé.

Eu percebi a tensão aumentar naquela sala, podia até imaginar as pessoas atrás de mim se questionando se deveriam me segurar ou algo assim e eu senti nojo delas. Será que elas não percebiam? Não importava. Nada mais havia a ser feito. Senti meu lábio inferior tremular quando puxei o lençol até a cintura dele e percebi outros dois buracos de bala rente ao seu abdome. Pisquei os olhos várias vezes e passei a mão pelo seu peitoral.

_ Não...! – repeti.

_ Oh, meu Deus! – Molly quase gritou, postando-se ao meu lado aterrorizada, com as duas mãos sobre os lábios – Que coisa horrível!

_ Connor... – eu gritei – Connor, não faz isso. Pelo amor de Deus, fala comigo. Eu estou com medo. Você não disse que me protegeria?

_ Senhora... - o enfermeiro fez menção de tocar o meu braço, mas eu me desvencilhei dele de forma bruta.

_ Não toque em mim! – eu me debrucei sobre o corpo de Connor e senti a dor de uma facada no peito quando percebi a rigidez e frieza de sua pele. Eu o abracei forte, afaguei os seus cabelos e beijei-lhe violentamente a boca, a face, o pescoço por várias a e várias vezes. – Eu estava mentindo quando disse ontem á noite que não precisava de você. Você sabe que era mentira. Eu preciso totalmente. Você faz parte de mim, é minha própria energia vital. Você não pode me deixar sozinha, não é justo.

A angústia tornava-se cada vez mais lancinante. Eu sentia uma sensação quase que concreta de um buraco se abrindo dentro de mim. Logo veio também a sensação de ódio. Ódio do acaso, da vida, até mesmo de Connor. Por que é que tinha de ser assim? Por que é que as pessoas tinham de se aproximar, tornar-se o meu porto seguro e depois ir embora? Quanto mais eu teria que sofrer até que não suportasse mais? As lágrimas escorriam quentes pela minha face e eu mal percebi que chorava como um bebê. Os meus olhos ardiam, o meu corpo inteiro doía. Mais uma vez o garoto ruivo fez menção de me tocar e eu me desvencilhei.

_ Não é justo. Você não pode simplesmente ir embora. Você deu um beijo, me disse ‘até mais tarde’. Você é obrigado a chegar em casa no final da tarde, é obrigado a voltar por mim e pela Hailie. Não pode simplesmente se dar ao luxo de... – eu esmurrei o seu peito uma vez. Depois outra e mais outra – Egoísta! Você não pode ir embora e me deixar aqui. Eu te odeio! Te odeio! – gritei com todas as minhas forças.

Mãos seguraram forte o meu ombro e me forçaram a me afastar e caminhar para fora da sala. Era o policial Richard.

_ Desgraçado! Me larga. Me deixa em paz! – eu gritei. Mas ele só largou quando estávamos numa espécie de sala de visita e tanto ele quanto os outros, Molly, os enfermeiros, o policial Benjamin, me cercavam, deixando bem claro que não me permitiriam voltar pra perto do meu Connor.

_ Ah, vocês não podem me impedir. Nós pertencemos um ao outro. Ele me pediu em casamento. Ele me queria pra sempre. Vocês tem inveja porque éramos felizes juntos? – gritei – Saiam de perto de mim! – tentei passar por eles para alcançar o lugar onde Connor estava, mas o policial Richard mobilizou-me.

_ A senhora precisa se acalmar. Aquele é só o corpo dele. A senhora agir assim não vai tornar as coisas mais fáceis. – ele sussurrou, antes de me soltar. Eu dei alguns passos para trás até sentir a solidez de uma parede sustentando as minhas costas. Então me deixei escorregar até estar sentada no chão. Abracei as pernas, escondi a face entre meus joelhos e gritei o mais alto que consegui.

***

Estávamos na praia. Hailie, Connor e eu. A risada gostosa dela ecoava pelo vento. Connor a colocara nos ombros e eles brincavam dentro do mar. Eu estava de biquíni deitada em uma manta jogada sobre a areia, sentia o vento passando pelos meus cabelos molhados, o calor do sol acariciando a minha pele e a felicidade irradiando pelo meu coração.Eles eram minha casa. Não importava onde estivéssemos, se estivéssemos juntos, eu sempre seria a mulher mais feliz do mundo. Hailie desceu dos ombros do pai e correu para o meu colo. Seu corpinho gelado por causa da água de aconchegou em meu colo e eu peguei uma toalha para cobri-la. Connor sentou-se ao nosso lado, acariciou o cabelo dela e me beijou com ternura. Eu adorava quando ele me olhava daquela forma. Eles dois eram as melhores coisas que eu já tinha tido na vida. Eram meus. Somente meus.

_ Quem quer sorvete? – ele perguntou, sorrindo, como se adivinhasse a resposta da Hailie.

_ Eu quero, papai! De chocolate. – ela disse.

_ Não me diga.

_ E pra mim de morango. – pedi.

_ Só um minuto, senhoritas. – ele brincou, levantando-se e andando até um carrinho de sorvete a alguns metros de nós.

Hailie começou a brincar com a areia e meu coração disparou quando olhei para Connor. Ele trazia uma expressão assustada e o senhor do carrinho de picolé lhe apontava um revólver. Meu corpo estremeceu, mas ainda tive forças para levantar e correr até me postar em frente à Connor.

_ Fique longe dele! – gritei.

_ Jennifer, pára com isso! – Connor gritou, puxando o meu corpo com força para que eu ficasse atrás dele. – Cara, peça o que você quiser. Dinheiro, celular...Eu passo

tudo pra você. Só fique longe da minha família. – ele pediu. Mas as feições do homem não demonstraram nenhuma expressão de compaixão. Ele deu um sorriso prazeroso e desferiu três tiros contra Connor, que caiu no chão quase que imediatamente.

_ Papai! – Hailie gritou, correndo em nossa direção e abraçando o pai. – Por quê, mamãe? Por quê ele fez isso?

_ Não...Não! – eu comecei a chorar, enquanto o rosto dele foi ficando sereno aos poucos. – Você não pode ir embora.

_ Eu amo você. – ele sorriu – Cuida bem da nossa menininha.

_ Não! Você não pode deixar a gente. Eu preciso de você.

_ Nunca precisou, querida. Você sempre foi uma mulher forte. Confie em mim. Vai ficar tudo bem.

Acordei meio com um barulho de panelas vindo da cozinha. Estava meio desorientada, como sempre ficava quando tinha esse tipo de pesadelo horrível. Só que na minha cabeça eu tivera três enormes pesadelos em que o Connor morria. Tudo não passava de um sonho. Tanto a morte na praia quanto a do galpão, isso sem contar as nossas mortes no acidente dos meus pais. “Que noite esquisita!” Joguei o braço por cima do lado onde Connor dormia, esperando encontrar o calor do abraço dele, mas estava vazio. Então fitei o teto e tentei me situar. Eu tivera aquele pesadelo e ele me consolou quando acordei chorando. Ele fora mais cedo para o trabalho. Então imaginei que tivesse voltado para cama e tido esses pesadelos. Imaginei que ele tivesse vindo pro almoço e que os sons de panelas da cozinha eram feitos por ele.

_ Que bonitinho. – pensei- Ele resolveu fazer almoço sozinho pra não me acordar. Porém, quando desci as escadas, era Molly quem corria de um lado para o outro enquanto cozinhava e tentava controlar os seus filhos.

_ Oh, não! Aconteceu mesmo. – senti minhas pernas bambearem novamente.

_ Sente-se aqui, querida. – ele me conduziu até a cadeira da cozinha. Ela deu um olhar de ordem para as crianças, que saíram os três da cozinha. Então ela pegou um frasco de remédios na bancada, tirou duas cápsulas, encheu um copo de água e me ofereceu-os.

_ São pílulas que te fazem voltar no tempo?

_ Não, querida. São calmantes. – ela suspirou – Tente dormir mais um pouco. Acho que você deve descansar. Temos que começar os preparativos para...Bem, você sabe. O enterro. – eu gemi ao simples som daquela palavra. Era tão surreal tudo aquilo. Eu não conseguia compreender, não conseguia ser racional.

_ Se elas não fazem voltar no tempo não me servem. – joguei as pílulas no lixo e coloquei o copo na pia. – E como podem haver preparativos pra enterro? Quão doentio é ter de preparar esse tipo de coisa? Eu achei que...Sei lá...Que os outros preparassem isso por você.

_ Eu vou ajudá-la, querida. Agora mesmo ia subir ao quarto para escolher a roupa com a qual ele vai ser enterrado. Você mais do que ninguém o conhecia. Quer me ajudar na escolha?

_ Por favor, não fale em ‘enterro’. É demais pra mim, no momento. – enterrei a cabeça na mesa.

_ Desculpe.

_ Por quê isso aconteceu, Molly? Por quê alguém iria querer matar o Connor?

_ Eu não sei. - respondeu ela, desviando o olhar do meu - Não faço idéia.

_ Eu só não entendo... O que ele estava fazendo nesse galpão? Será que era um assalto? Se a pessoa queria dinheiro por que ele simplesmente não o deu?

_ E se foi alguém conhecido?

_ Por quê tá falando isso? Quem ia querer matá-lo?

_ Bem... - ele tirou um papel do bolso e me entregou - O policial Richard escreveu esse bilhete para você. É o endereço do Distrito Policial. Eles pediram que você fosse o mais rápido possível. Querem o seu testemunho.

_ Meu Deus, como eu vou dar um testemunho? Eu não sei de nada. Sequer estou acreditando que aconteceu, como vou saber o por quê?

_ Não sei. Eles disseram apenas que é pra ajudar a achar a pessoa que fez aquilo.

_Eu estou com medo de descobrir por quê aconteceu. Parece que quanto mais os fatos são jogados na minha cara, mais real isso se torna. Eu não quero passar por isso de novo, Molly. Toda aquela dor, aquele luto. Parece que eu nasci destinada a passar por isso por toda a vida. Quando eu finalmente supero uma morte acontece outra. Isso me mata por dentro. O que é que eu vou fazer agora? O Connor é o amor da minha vida. Eu não me imagino sem ele. Nós construímos toda essa vida juntos. Eu não vou conseguir deixar de me sentir como se a qualquer momento ele fosse entrar por aquela porta. Como eu vou dar conta de tudo sozinha? Como eu vou conseguir dormir sem estar dentro do abraço quente dele? Quem vai me consolar quando eu tiver pesadelo? Quem vai cuidar de mim e da Hailie? Eu não posso fazer isso. Eu quero o Connor, eu quero agora! - desabafei, sentindo as lágrimas se desmancharem pelo meu rosto. - Por que é que todos os meus portos seguros são arrancados dos meus pés? Eu estou cansada de cair.

_ Jennifer, eu realmente sinto muito. Eu poderia dizer que entendo, mas por mais que eu me esforce, sei que não entenderia o tamanho da dor que se passa dentro de você nesse momento. Mas agora é diferente. Você não é mais uma menininha. Não precisa de alguém que cuide você, não precisa de um porto seguro. Você é mãe. É o porto seguro de alguém muito mais frágil que você. Alguém que ainda não entende o que é passar por esse tipo de dor e que vai precisar que você seja forte pra ajudá-la a superar. A Hailie também perdeu um pai. Se você não for forte o suficiente para impedir que ela caia, isso pode acabar afetando o que ela será no futuro e a forma como ela encarará a vida.

Aquilo que Molly falou foi como um baque para mim. E ela estava mais do que certa. A vida toda eu fui uma vítima de um acaso doloroso que me perseguia e levava embora aqueles que eu amava. Mas não era mais hora de ser vítima. Eu tinha uma filha, uma menininha tão inocente pra qual eu tinha jurado que jamais deixaria que sofresse como eu sofri quando criança. Pra qual eu jurei que protegeria de todas as coisas ruins. Me lembrar disso fez com que, pela primeira vez, eu me sentisse falha no papel de mãe. Eu não era invencível. Eu não podia protegê-la de todo o mal do mundo. A única coisa que eu podia fazer era segurar a sua mão e ajudá-la a passar pelas coisas ruins tendo a plena consciência de que eu estaria lá por ela.

Aos poucos fui me lembrando de como foi quando os meus pais morreram. De como o meu avô me visitou no hospital e, mesmo sofrendo imensamente por ter perdido uma filha, sentou-se ao lado da minha cama e sorriu para mim, leu historinhas de livros que ele havia trazido, me contou casos engraçados, cantou comigo e fez carinho no meu cabelo até que eu dormisse. Ele agiu de forma tão protetora que eu sequer desconfiei da morte dos meus pais. Eu via o seu sorriso e seu olhar calmo e pensava que certamente eles estavam dormindo no quarto ao lado. Quando ele me contou a verdade, com toda a delicadeza do mundo ele disse que a partir daquele momento seríamos só nós dois. Eu me mudaria pra sua casa e ele cuidaria de mim. Que ele daria tudo de si pra me fazer feliz. Que meus pais haviam se tornado anjos e que sempre estariam por perto, mas que eu não poderia vê-los. E eu reagi da pior forma possível. Chorei, gritei, o empurrei de perto de mim. Disse que não queria ficar com ele, que não queria me mudar. Que queria que meus pais me buscassem e me levassem pra casa. Eu fui bruta e birrenta. E ele estava sofrendo. Era um homem idoso que havia perdido a filha e agora teria de cuidar da netinha pequena. Eu sabia que ele tinha pavor só de pensar em morrer cedo e me deixar sozinha. Ele estava velho demais pra aguentar as mau criações de uma criança, de cuidar, educar, ser o porto seguro. Mas, mesmo eu o renegando, ele não perdeu a paciência uma vez sequer. Ele dava tudo de si para que eu fosse feliz morando com ele. Montou um lindo quarto pra mim, comprou brinquedos, deu tudo de si para continuar a pagar o colégio em que eu estudava pelo maior tempo que lhe foi possível. O tempo passou e ele conseguiu me criar. Nunca me faltou nada. Ele foi avô, pai e amigo tudo ao mesmo tempo. E eu sequer tive a oportunidade de agradecer. Mas naquele momento eu sabia. Eu entendia. Eu teria de forte para dar á Hailie toda a segurança que ele me deu. Molly estava certa. Eu não era mais uma garotinha. Eu era mãe. E eu não fazia idéia de como faria isso.

_ Ai meu Deus. Hailie. Como é que eu vou contar a ela? Eu prometi a ela que ela nunca passaria por algo assim. Por que é que as coisas não podem acontecer pra mim da mesma forma como acontecem com todo mundo? Como eu vou fazê-la entender por quê isso aconteceu se nem mesmo eu entendo?

_ Sei que você vai conseguir, Jenni. Você já é uma mãe maravilhosa. É carinhosa, é madura, dá a ela os ensinamentos mais lindos e eu sei disso porque praticamente a vi crescer. Eu tenho certeza de que você é capaz.

_ Eu preciso buscá-la da escola.

_ Não, querida. Eu vou buscá-la e ficar com ela por umas horas. Você precisa cuidar do enterro e precisa ir ao Distrito Policial. Você não pode fazer essas coisas com ela no colo. Quanto menos ela tiver que ver, melhor.

_ Você tá certa. Obrigada. Não sei o que faria sem você.

Melissa J
Enviado por Melissa J em 01/06/2015
Código do texto: T5262932
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