Mais que a Minha Própria Vida - Capítulo 55

Queridos leitores, queria me desculpar pela minha ausência. Como alguns sabem, me formo em Direito no fim desse ano e esse período tem sido bem desgastante. Nas últimas semanas tive de me dedicar totalmente à minha monografia. Agora preciso planejar a apresentação, tenho várias atividades para fazer e minhas provas começam em duas semanas. Além disso, a prova da OAB ocorrerá no dia 19/07, ou seja, tá super perto. Dessa forma, espero que entendam as razões da minha demora para postar.

Além disso quero agradecer pelos comentários, por vocês sempre serem honestos e não desistirem de mim. Sei que ficaram bravos com a morte de Connor, mas foi um acontecimento essencial para o desenrolar da história, e tenho certeza que se surpreenderão com o desfecho. Espero que gostem do capítulo de hoje. Beijos!!

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Eu nunca antes havia ido á um Distrito Policial. Quando eu tinha cerca de doze anos, um homem entrou na casa do meu avô e roubou a nossa televisão. Eu vi o seu rosto, mas assim que ele percebeu que havia alguém em casa, tratou de sair bem rápido. Meu avô estava no mercado e chegou alguns minutos depois, ainda a tempo de me ver sentada num canto, abraçada ás minhas pernas e resfolegando. Ele pediu que eu descrevesse minusciosamente como era o homem que eu havia visto e, quando foi fazer a denúncia, o fez como se ele mesmo o tivesse visto somente para não ter de me levar áquele lugar. E eu tinha certeza que se ele ainda estivesse vivo, faria de tudo para que eu não tivesse que ser interrogada, para que eu não precisasse me lembrar de cada cena triste que presenciei.

Era fria, dura e triste, exatamente como se imagina, como se vê em filmes policiais. Haviam policiais numa espécie de recepção, que levavam as mãos no local onde prendiam a arma a cada vez que a porta principal se abria. Eu só conseguia pensar o quão triste deveria ser viver com medo da morte. Mas, pensando bem, eu não era assim tão diferente deles. A morte me perseguia, mas alcançava apenas as pessoas á minha volta. Somente para me atingir. Para me deixar como um gatinho medroso. A recepção levava para uma sala maior, onde dezenas de pessoas falavam ao mesmo tempo, algumas em seus notebooks, outras nos telefones, outras ainda em uma discussao acirrada em grupo. A maioria delas eram policiais. Os outros eram rapazes e moças bem jovens, trajando ternos cinzentos e digitando violentamente. Em volta haviam muitas portas.

Um dos policias com quem topei na recepção me levou até uma das portas. Deu três batidas e o policial Benjamin colocou a cabeça para fora, dando um sorriso triste para mim e pedindo que eu entrasse. A sala era menor do que eu imaginara. Havia uma grande mesa de metal com uma garrafa de café no centro. Á sua volta, três cadeiras. Numa delas, o policial Richard me cumprimentou com a cabeça e pediu que eu me sentasse. O policial Benjamin puxou a sua cadeira e se sentou em frente a mim.

_ Você quer alguma coisa? Um café, uma água?

_ Não, obrigada.

_ Há algo que a senhora queira dizer ou perguntar antes de começarmos?

_ Eu só quero saber quem foi. Quem matou o Connor? E eu quero justiça.

_ Bem, é por isso que a senhora está aqui. - disse o policial Richard de forma rígida - Agora nos deixe fazer o nosso trabalho. Você deve saber que é livre para ir embora a hora em que desejar, tem o direito de permanecer em silêncio e tem direito á um advogado.

_ Eu não preciso de um advogado. E eu ficarei quanto tempo for necessário pra ajudar na investigação. Mas não acho que possa ser útil pra vocês. Eu não faço ideia do por quê isso aconteceu.

_ Certo. Primeira pergunta: Onde você estava na manhã do dia de hoje entre ás 6 e 9 horas da manhã?

_ Em casa. Fiquei o tempo inteiro em casa.

_ Não saiu por nem um segundo?

_ Não. Eu só saí depois que vocês apareceram.

_ Tem alguém que possa confirmar isso?

_ Hm... Só a minha filha. Mas não quero que vocês a interroguem. Ela é muito pequena.

_ Qual o nome e idade da sua filha?

_ Ela tem 5 anos. O nome é Hailie Summers Garrel.

_ E ela é filha legítima da vítima Connor Garrel?

_ Claro que sim.

_ Certo. - o policial Richard anotou alguma coisa em um bloquinho. Só então percebi que os dois tinham bloquinhos e canetas em mãos. Aquilo me deixou nervosa. Fez com que eu me lembrasse da época em que meu avô obrigou que eu fosse a um psicólogo. Foi pouco depois da morte dos meus pais e não durou mais do que dois meses. Logo ele se cansou das minhas birras para não ter que ir e parou de me forçar. Eu odiava a forma fria como o médico tratava o pior trauma da minha vida, odiava as perguntas que ele fazia e os tipos de lembranças que ele me obrigava a ter de novo e de novo.

_ Jennifer, tente se lembrar exatamente do que aconteceu essa manhã.

_ Bem... - tentei relaxar um pouco - Eu acordei chorando e ele...

_ Acordou chorando por qual motivo? - interrompeu o policial Richard.

_ Eu tive um sonho ruim.

_ Você frequentemente tem sonhos ruins?

_ Não, não é frequente. Mas acontece muito. Ultimamente tem acontecido mais do que o normal. Mas não consigo imaginar por qual razão isso poderia ser relevante pra vocês.

_ E há algum motivo? Alguma preocupação extra que induza a isso?

_ Não sei. Acho que não.

_ Os sonhos são sempre os mesmos ou são tão somente pesadelos aleatórios?

_ Os mesmos. Eu sonho com a morte dos meus pais.

_ Você presenciou as cenas ou apenas as imagina?

_ Eu as presenciei. Eu estava lá.

_ Foi recente?

_ Não. Eu tinha sete anos.

_ Vocês moravam em Edimburgo?

_ Não. Morávamos em Londres. Tem só uns quatro anos que eu moro aqui.

_ Como eles morreram?

_ Acidente de carro.

_ Nada criminoso?

_ Não.

_ Certo. Pode continuar.

_ Bem, como eu ia dizendo, eu acordei chorando e ele me abraçou pra me acalmar. Ficou me dizendo que estava tudo bem, que era só um sonho. Mas tinha uma coisa estranha no sonho. Dessa vez não eram os meus pais que estavam mortos. Éramos eu e ele.

_ E Connor Garrel deu algum motivo para que você tivesse medo de que acontecesse algo do tipo?

_ Tipo um acidente de carro? Não. Ele é um ótimo motorista.

_ Algum comportamento que tenha levado você a temer por sua vida?

_ O quê? A gente tá aqui pra encontrar o assassino do meu namorado ou pra incriminá-lo?

_ São apenas perguntas de praxe. Temos de excluir todas as opções. - Benjamin se desculpou com os olhos. Mas Richard pareceu ficar irritado.

_ Ele morreu com três tiros. Não foi um assaltozinho qualquer. Seja lá quem foi que atirou queria o seu namoradinho morto. Nós só queremos descobrir o motivo.

_ O quê? Por quê alguém ia querer matar o Connor? Ele nunca fez mal pra ninguém.

_ Nós não temos certeza. - disse Benjamin - Só precisamos saber. Continue a contar sua manhã.

_ Ele ficou uns minutos tentando me acalmar. Depois ele saiu da cama e começou a se arrumar. Era ainda muito cedo, o que foi estranho. Eu fui atrás dele e pedi pra ele voltar pra cama, pra ficar comigo, mas ele disse que tinha um compromisso importante. Eu até pedi pra ele tomar o café comigo, mas nem isso ele quis. E eu lembro que ele atendeu uma ligação pouco antes de sair. Falou bem rápido.

_ Você se lembra do que ele falou?

_ Não muito bem. Não prestei atenção. Meio que ele dizia que estava indo pra empresa. Que já estava saindo.

_ Ele disse quem estava do outro lado da linha?

_ Sim, era o Harry Marhsall. Ele é um amigo da família. Foi em parceria com ele que Connor fundou a empresa e se mudou pra cá. Todos nos mudamos juntos, mas o Harry já tinha uma casa aqui. Nós moramos um bom tempo com os Marshall até que a empresa começasse a lucrar e pudéssemos comprar nossa casa.

_ E Connor era muito amigo de Harry?

_ Sim. Os Marshall são um dos poucos amigos que temos aqui.

_ E você sabe me dizer de uma briga que eles tenham tido ultimamento? Até mesmo uma simples discussão?

_ Hm...Deixa ver... Ontem á noite Connor e eu brigamos por causa dele. Era o meu aniversário e nós comemoraríamos juntos. Mas daí o Harry ligou e eles ficaram horas discutindo ao telefone. Depois o Connor saiu e quando voltou estava mal humorado. Até foi grosseiro com a nossa filha e eu levei um bom tempo tentando acalmá-la. Ela é bem sensível, gosta muito do pai. Daí eu fiquei muito brava e nós brigamos.

_ Você se lembra do que Connor e Harry conversaram ao telefone? Tente se lembrar, é importante.

_ Parecia que eles entavam endividados. Connor ficava dizendo que eles não tinham o dinheiro. Connor disse 'você é quem deu o cano neles e eu é quem estou ferrado?'. Ele estava muito bravo. Daí começaram a falar sobre uma alternativa. Ele não falou exatamente o que era, só falou que era complicado. Que precisava conseguir uns contatos.

_ E você não faz a menor ideia do que era?

_ Não. Não fiquei para ouvir. O deixei lá e fui buscar a Hailie na casa dos Marshall.

_ O Harry estava lá quando você chegou?

_ Não. Eu acho que não.

_ E você não perguntou?

_ Não. Nem sequer pensei nisso. Eu estava tão brava que se o visse seria grosseira. Achei melhor assim. - eu disse lembrando-me de repente de Molly contando-me que Harry havia viajado. - Há algo meio estranho...Eu não havia pensado nisso antes. Eu fui hoje cedo á casa de Molly, pouco depois da visita de vocês dois, e ela disse que Harry estava numa viagem a negócios.

_ Precisamos do telefone e do endereço deles.

_ Vocês acham que Harry pode estar relacionado?

_ É o que vamos verificar.

_ Mas por agora...O que acham?

_ O de sempre. - bufou o policial Richard - Ninguém é totalmente inocente.

_ Você confiava em Harry Marshall? Está certa de que ele jamais faria mal a você ou ao Connor? - perguntou o policial Benjamin.

_ Oh, sim, totalmente. Os Marshall sempre nos ajudaram muito. Passamos um tempo morando com eles. Eles viram a Hailie crescer, assim como vi os seus filhos crescerem. São como se fossem da família.

_ Certo. Vamos averiguar. Mas para a sua segurança, não comente com Molly nada do que conversamos aqui. Pode fazer isso?

_ Posso. - murmurei, observando uma aranha no canto da parede. Eu estava ficando impaciente. Não queria continuar ali. Mas ao mesmo tempo eu sentia aquela necessidade de descobrir a verdade. As pessoas não podiam sair por aí matando as outras e destruindo famílias. Alguém tinha de ser punido. A cada segundo que passava a tristeza começava a se converter em raiva. A fome de vingança crescia. Mas...Vingança contra quem? A vontade de descobrir é que me mantinha naquela situação.

_ Tudo bem a senhora responder mais algumas perguntas?

_ Tudo pra descobrir quem o matou.

_ Connor tinha algum parente que você conhecia?

_ Bem...Uma vez eu conheci o pai dele. Mas tem um tempo. Eu tinha acabado de voltar a Londres. Foi quando descobri que estava grávida. Eu tinha dezessete anos.

_ Voltar á Londres?

_ Eu estava fazendo faculdade em Liverpool.

_ O pai dele sabia que você estava grávida?

_ Sim. Ele descobriu. Mas não tivemos contato direto. Ele pediu que Connor fosse até a sua empresa para lhe entregar alguns papéis e, como estávamos juntos eu fui também. Ele só olhou pra mim, sequer me cumprimentou. Pediu que Connor entrasse e fechou a porta. Só que eu acabei ouvindo a conversa. Ele começou a jogar verde e acabou arrancando a verdade.

_ Suponho então que a sua relação com os pais do Connor não era das melhores...

_ Bem, não exatamente. O pai dele propôs me pagar uma quantia de dinheiro para que eu sumisse da vida dele. Mas o Connor negou. Isso acabou destruindo a relação dos dois. Então meio que eles não gostam muito de mim. Mas eu nunca tive nada contra eles.

_ E se eles tivessem oferecido o dinheiro... - argumentou Richard - Se fosse muito dinheiro. Você aceitaria?

Meu sangue começou a subir á cabeça. Fui ficando muito irritada. Que tipo de mulher ele achava que eu era? Achava que eu tinha engravidado por querer do Connor só porque os seus pais eram donos de uma grande empresa? Achavam que eu era uma prostituta barata que planejava se aproveitar da morte do pai da criança para arrancar a sua herança? Minha grande vontade era dizer umas verdades na cara dos dois, me levantar dali e ir embora. Mas daí eles me tomariam como uma suspeita. Seria pior. As lembranças, as perguntas continuariam. Era maldade que as pessoas tivessem essa mania de achar que todo mundo é interesseiro, que o dinheiro regula todas as relações humanas. Eu quis dizer a eles que jamais haveria dinheiro passível de pagar o amor que eu sentia por ele. Mas eles jamais entenderiam. Então eu suspirei fundo. Levaria o interrogatório até o final, mas só para ajudar que eles encontrassem o assassino. Faria aquilo pelo Connor.

_ Eu nunca quis dinheiro. Eu pretendia manter tudo em segredo, criar a Hailie sozinha. Mas eu tinha acabado de perder o meu avô, que era o homem que me criava e o meu único parente vivo. Eu não poderia criar uma criança num dormitório da universidade. Eu tinha que voltar pra minha casa em Londres e me virar. Não fui eu quem fui atrás do Connor. Foi uma amiga minha. Ela não aceitava que eu lidasse com aquilo sozinha. E sabia quanto eu gostava dele. Então ela ligou para ele e eu tive que contar. Eu nunca aceitaria dinheiro pra ficar calada. Connor não era obrigado a ficar comigo, eu bem poderia ter feito tudo sozinha. O que houve entre nós dois nunca teve nada a ver com dinheiro ou com os pais dele.

_ Como Connor era com você e sua filha?

_ Ele nos amava muito e sempre demonstrava. Me deu todo o carinho e paciência do mundo durante a gravidez. Sempre foi um pai amoroso com Hailie, tanto que ela é completamente apaixonada por Hailie. Só que... - suspirei fundo - Quando nos mudamos para Edimburgo as coisas começaram a mudar. No começo foi ótimo. E era bom poder matricular nossa filha num bom colégio, termos dinheiro para viajar e para dar a ela tudo o que ela precisava. Mas nos últimos meses Connor começou a ficar meio obsessivo pelo trabalho. Daí experimentávamos períodos onde ele era uma pessoa maravilhosa e períodos onde ele estava muito estressado e acabava descontando isso nas pessoas.

_ Isso fez com que você sentisse raiva dele? Vocês brigavam muito?

_ Nunca senti raiva dele. Sentia medo. Medo das coisas pararem de dar certo. Medo que ele se tornasse parecido com o pai. Mas sempre resolvíamos tudo por meio de conversa. Realmente nos gostávamos. Nosso amor sempre foi maior que os problemas.

_ Nesses últimos meses... A senhora notou algum comportamento estranho nele?

_ Como assim?

_ Algo que sugerisse que ele estava sob efeito de bebida ou drogas?

_ Deus! Não! Isso não se parece com ele.

_ Certo... - Richard murmurou ironicamente, anotando coisas em um caderninho.

_ Ele tinha uma arma?

_ Não, não tinha.

_ Tem certeza?

_ Eu não mentiria. Quero saber quem fez isso tanto quanto vocês. Até mais, para ser sincera.

O policial Richard colocou um objeto enrolado em um tecido branco sobre a mesa e começou a desenrolá-lo. Era uma arma grande,preta e assustadora. Por que ele estava me mostrando aquilo? Seria a arma que matara o Connor?

_ Reconhece essa arma? - perguntou Richard com uma expressão séria.

_ Não. - tentei, inutilmente, não gaguejar.

_ Estava com a vítima quando o encontramos.

_ Não é possível que ele tinha uma arma. Eu saberia.

_ Bem, talvez ele tivesse ganhado de uma pessoa e nunca te contado.

_ Quem é que daria uma arma a ele?

_ A arma estava no nome de Harry Marshall.

Melissa J
Enviado por Melissa J em 09/06/2015
Código do texto: T5271955
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