PESADELO

Na calada da noite a minha alma

resolveu cismar com filosofia,

se perdeu na tristeza e na alegria

das coisas que guardou o coração.

Rebuscou todo amor, toda paixão

e p’ras coisas bonitas bateu palma,

no silêncio daquela noite calma

abalou-se entre o medo e a solidão...

Penetrou de mansinho em cada rosto

que traz sempre estampado um sorriso

e descobriu que às vezes é preciso

sorrir mesmo no meio da desgraça.

Viu que o homem que aplaude o rei na praça

é capaz de enforcar o rei deposto,

que na vida a posição e o posto

passam como uma nuvem de fumaça.

Viu que o homem perdeu a esperança

nos caminhos da vida sem sentido

e que em busca do seu elo perdido,

já quase no final deste milênio,

colocou sua fé no homem-gênio

que promete outros tempos de bonança,

e que diz que a paz e a segurança

é a ogiva da bomba de hidrogênio.

Na calada da noite a minha alma

viu o poder e a força do dinheiro.

Viu que o homem é prisioneiro

de suas leis, de suas regras, dos seus planos,

das paixões, dos senhores, dos tiranos,

das neuroses, sistemas e dos traumas,

que nada mais satisfaz e nem acalma

esse ser tão cheio de desenganos.

Viu crianças nas ruas esmolando

um pedaço de pão p’ras suas fomes,

nos asilos viu velhos já sem nomes

consumidos pelo peso dos anos.

Viu que os atos mais vis e mais profanos

cada vez mais estão se propagando

e que o que era sagrado está findando

ante a inconseqüência dos humanos

Viu em nome de Deus tanta maldade

e em nome da vida tanta morte.

Viu o fraco explorado pelo forte,

ouviu o ronco sinistro da metralha

que em nome da paz a guerra espalha.

Viu prisões em nome da liberdade

e à luz da infalibilidade

encontrou tanto engano tanta falha.

Viu a fome, a dor, viu o tédio

assumir proporções de epidemia,

que com todo esse mal o homem cria

os meios que lhe hão de destruir,

que tentando se erguer faz sucumbir

seus irmãos nesse mal que é sem remédio

e que até a natureza a esse assédio

com certeza não há de resistir...

Mas aí um aperto profundo

sufocou o meu pobre coração

que em protesto aumentou a pulsação

e molhou o meu rosto de suor.

Fiz então um esforço bem maior

pulei fora da cama em um segundo

e despertei. Foi-se o pesadelo imundo,

- Ai meu Deus! o nosso mundo é bem pior...