Ninguém a esperar

Esta foi a primeira composição que fiz, em 1990, e porque senti que poderia criar alguma coisa minha, mesmo sabendo tão pouco de música.

Fazia faculdade na Metodista ,e as quintas tinha uma aula vaga, e como me sentia muito cansado de estudar e de trabalhar, com problemas financeiros , filhos adolescentes e longe de casa quase o dia inteiro, tive então a idéia de estudar violão , e ter essa válvula de escape.

As vezes ia estudar em uma pequena biblioteca do "Rudge Ramos", que não tinha muita coisa, mas pelo menos tinha paz, e mesmo não se comparando a biblioteca da faculdade, lá eu era livre, e misturado ao povo, sem rótulos, e frequentemente lia e estudava meu próprio material . Me lembro que na Metodista os alunos de odontologia tinham um comportamento repreensível na biblioteca, falando alto em grupos e pouco se lixando para os alunos das demais cátedras, eram os ricos, os maiorais, e nunca eram chamados a atenção.

Nessa época tão dura da vida, senti uma amadurecimento latente, e cresci como nunca, a vida corria e me fazia correr junto, e eu era muito estudioso também, entrara em décimo sexto lugar no vestibular, estudando sozinho, porque não sobrava grana para cursinhos, a preguiça é um bicho que nunca me picou.

Perto dessa pequena biblioteca do Rudge havia uma escola de música que sempre me chamava a atenção, perto do teatro, lembro bem, a duas quadras da avenida, e um dia resolvi entrar . Tinha um velho violão Tonante, presente do meu pai, e dava pro gasto, e com ele me desenvolvi nos acordes.

O professor era um senhor de secenta anos pouco mais ou menos, cabelos brancos e olhos muito claros, e que sempre me olhavam com firmeza , e harmonia, falavam por ele. A sua voz era calma, e se expresava mais pelo semblante do que pelas palavras, o que me fez simpatizar bastante. Era o dono da escola, e já havia lecionado para o Moacir Franco, anos atrás. Aos poucos fizemos amizade e ele me mostrou fotos antigas, de quando era profissional do rádio, sendo membro de um regional, e havia tocado com vários cantores e em vários paises, tinha um passado muito legal.

A saleta de ensino era pequena, com dois banquinhos, onde sentávamos de frente um para o outro, com um apóio para o pé , que mantinha uma das pernas mais elevada, o que ajuda muito. As vezes ele acompanhava pegando um dos violões que estavam pendurados na parede, e sempre falando o mínimo necessário, e com muita serenidade me elogiava, dizendo que eu levava jeito e aprendia rápido.

Engraçado que mesmo tímido eu sempre cantei solto, e com prazer, qualquer música que ele me ensinava, nunca escolhi, nunca selecionei, pois quando se está aprendendo devemos ter obediência e humildade, e pensar na parte prática do aprendizado. A paixão pelo instrumento estava nascendo, e se mantém forte até hoje, nunca mais deixei de tocar .

Um certo dia o professor me perguntou o que eu gostaria de tocar, pois ele percebeu que havia evoluido e já poderia escolher, e para a sua surpresa, lhe disse que tocaria uma música minha, no que ele me olhou curioso por dois ou três segundos, e depois disse " Pois então vamos a ela ".

Comecei..." Quando eu regressei, a lua veio...", e depois dos primeiros acordes, ele começou a me acompanhar com outro violão, e fizemos um dueto, o que me deixou muito feliz. Ele me sugeriu apenas um "Ré em sétima", que é acorde de preparação, o que acolhi na mesma hora.

Um dia ele me disse que sonhava em voltar para a esposa, e essa era a tristeza maior que sentia, somando os dias esperava que um dia reconsiderasse. Nunca lhe perguntei os motivos, nunca fui invasivo, e sou péssimo em advinhação, apenas o ouvia.

A minha fadiga aumentava, e transpirava demais, perdia peso e procurei um médico, estava com um estresse altíssimo e precisava ajuda , larguei tudo repentinamente, mas nunca mais me esqueci dessa pessoa e do tanto que ele me ensinou.

A música fala de um pessoa que sai de um relacionamento em busca de sonhos , e achando que se não der certo , pode voltar, o que é um erro, as coisas nunca mais serão iguais. O egoísmo não deixa perceber o valor das demais pessoas , e nada nunca fica igual, então percebe o erro que cometeu. A verdade não tem dono e nem senhor !

" Quando eu regressei

A lua veio para mim,

E sozinho estou a meditar

Sobre nos dois

Tentando me aproximar

Do teu amor , que aqui deixei a soluçar,

Sempre acreditei

Que fosse fácil recomeçar

Mas estou enganado, apaixonado

E com vontade de chorar

Enquanto eu partia

A lua veio se despedir

E sozinho estou

Para guardar aquilo que ficou,

E sozinho estou para guarda,

Aquilo que ficou".

Aragón Guerrero
Enviado por Aragón Guerrero em 30/08/2014
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