Vinte e poucos anos

Vou caminhando num plano escrito no tempo

chão de cimento e de pó

mil nomes, cem documentos,

tantas identidades que eu me perco em quem sou

Vinte e poucos anos de mundo mudando

cidades todas cada vez mais iguais

homens, diabos e anjos

paisagens tão turvas como banjos rurais

Às vezes acho este mundo tão grande

sinto falta dos galos, das noites, dos quintais

mundo moinho de zinco moendo

milhas de chumbo e de gentes reais

E vou seguindo entre pedras e palavras

e malucos e Pessoa’s que me atiram

entre sábios e poetas que me vendem

bugigangas e broas nos sinais vermelhos

Já percebi que não sirvo pra herói

nem mesmo pra ser vilão,

não brinco de ser cowboy

não sou alegre, nem triste, tampouco poeta

isto não é uma canção

Já plantei e já colhi e já voltei a plantar

já bebi alguns goles a mais de álcool

já voltei a acreditar, talvez 'té venha a descrer

sem tirar os meus olhos da cruz

Baseado no escuro, escrevi frases no muro

já pintei minha cara pra esconder a timidez

entre sons de Belchior

entre riso e suor

peço a Deus por um mundo melhor

Mas não procure me entender, por favor

entender limita o infinito

‘agora vejo em parte’ e acredito

que só o amor pode tudo compreender

Se não sigo bem essas leis que me pedem

é só incapacidade, coragem tenho em falta

tenho frio, tenho tédio, tenho sonhos

tenho vinte e poucos anos de futuro

e de passados garoando em meu quintal

(14/maio/2007)