Linguagem, Texto, Ensino e Inclusão

Artigo publicado na Revista Práticas de Linguagem - Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF).

Linguagem, Texto, Ensino e Inclusão: Oficinas de Produção de Texto traçando caminhos para o desenvolvimento da competência linguístico-textual e para o acesso ao Ensino Superior no estado de Pernambuco

Silvio Profirio da Silva#

Palavras Iniciais

De acordo com Suassuna (2009, p.4), “durante muito tempo, a prática da redação, limitou-se à elaboração de um texto escrito sobre um tema proposto (ou imposto), em que o aluno deveria por em prática as regras gramaticais aprendidas  num momento anterior”. Dentro dessa perspectiva, durante décadas, a prática da produção de texto (ou também técnicas de redação como era chamada) foi norteada por paradigmas puramente normativos, concedendo primazia aos aspectos gramaticais (ortográficos, morfológicos, sintáticos etc.). Tal postura desconsiderava inúmeros aspectos internos do texto dissertativo-argumentativo, tais como, a estruturação formal, coesão (referencial, retomada, progressão, sequencial, articulação), coerência etc. (COSTA VAL, 1991; XAVIER, 2006). Desconsiderava-se, sobretudo, a dimensão textual-interativa, que envolve a produção de texto.

Consoante Santos (2002, p.30), “na década de 1980, alguns trabalhos das áreas da Lingüística e da Psicolingüística passaram a questionar a noção de ensino-aprendizagem de língua escrita que concebia a língua apenas como código e, dessa forma, entendia a leitura apenas como decodificação e a escrita somente como produção grafomotriz”. Nessa perspectiva, a partir da década de 1980, as discussões atinentes ao ensino de Língua Portuguesa ampliaram-se consideravelmente. Despontam, assim, novos fundamentos teóricos, que respaldam um novo fazer pedagógico no que concerne à leitura e, sobretudo, à escrita.

"A partir da década de 80 do século XX, propostas de ensino de língua portuguesa, fundamentadas em diferentes concepções de ensino e de linguagem, alteraram a perspectiva com que se considerava o objeto de ensino de língua portuguesa: a palavra ou a frase, as unidades do ensino de gramática, deveriam ser substituídos pelo texto, que assume, então, o lugar de relevância (ao menos em propostas) nas práticas de sala de aula. O trabalho com a leitura e a produção textual passa a ser considerado a alternativa para o ensino com base na gramática normativa — a que se convencionou denominar de tradicional (PIETRI, 2007, p. 93)"

Alguns teóricos da Linguística Aplicada, como é o caso de Albuquerque (2006), Bezerra (2001), Bezerra (2010) e Soares (1998), entre outros, desatacam as contribuiçoes das Teorias Enunciativas [Análise do Discurso, Análise da Conversação, Linguística Cognitivista, Psicolinguística, Pragmática e, acima de tudo, Linguística de Texto] para a eclosão de uma nova concepção de texto. Na ótica de Therezo (2002, p. 10), “para a Linguística Textual, a unidade fundamental é texto - não a palavra ou a frase”. O conceito de texto passa, então, a estar diretamente atrelado à interação e ao sentido. Tendo como pano de fundo esse contexto paradigmático, irrompem inúmeras modificações na prática pedagógica do ensino de Língua Portuguesa, subsidiando, assim, um novo enfoque dado ao texto. Este, por sua vez, é alçado à condição de objeto/ unidade de ensino (BEZERRA, 2001; BEZERRA, 2010; CARDOSO, 2003; SANTOS et al, 2006; SANTOS, 2007).

Pietri (2010) destaca as contribuições dos pressupostos Bakhtinianos, dos postulados Sócio-interacionistas e do Letramento para uma nova forma de conceber a competência linguística da escrita. Esta passa a ser concebida enquanto prática social, pautada por uma gama de habilidades cognitivas, discursivas, linguísticas, sociais e textual-interativa (KOCH & ELIAS, 2009; MARCUSCHI, 2010).

"Produzir um texto é uma atividade bastante complexa e pressupõe um sujeito não apenas atento às exigências, às necessidades e aos propósitos requeridos por seu contexto sócio-histórico e cultural, mas também capaz de realizar diversas ações e projeções de natureza textual, discursiva e cognitiva, antes e no decorrer da elaboração textual (MARCUSCHI, 2010, p. 65)".

Destaca-se, em especial, a expansão das discussões concernentes aos gêneros textuais. Gonçalves (2011) traz à tona considerações extremamente relaventes acerca dos gêneros de texto, evidenciando uma gama de habilidades linguístico-discursivas em uma perspectiva dialógica. No dizer de Santos et al (2006, p. 30), “os gêneros são entidades empíricas em situações comunicativas em que predominam os aspectos relativos a funções, propósitos, ações e conteúdos”. Diante dessa acepção, o conceito de gêneros textuais passa a estar intimamente vinculado a práticas sociais, comunicativas e interativas, sendo marcados por especificidades. O ensino de língua, com base nesse norte, passa a focar nas condições de produção e nas particularidades de cada gênero (GONÇALVES, 2011; SANTOS et al, 2006).

Essas modificações vêm sendo adotadas não só na Didática do Ensino da Língua Portuguesa, mas, sobretudo, nas avaliações e nos processos seletivos, como, por exemplo, nas Provas de Vestibular e nas Avaliações Nacionais, como é o caso do Exame Nacional do Ensino Médio - ENEM. Contudo, o resultado de diversas pesquisas e avaliações de âmbito nacional revela que uma grande quantidade de alunos tem dificuldades de produção textual. Essa problemática dificulta o ingresso  dos alunos oriundos de escolas públicas em instituições Federais de Ensino Superior – IFES. Em outras palavras, na medida em que essa dificuldade influi no desempenho do uso da modalidade escrita da língua, os alunos da escola pública terão  poucas condições de obter sucesso nas Provas de Redação do Vestibular.

Tomando-se por base os trabalhos de Araújo & Rosing (2005), Bentes (2004), Cardoso (2003), Dionísio (2006), Dionísio et al (2010), Gonçalves (2011), Karwoski et al (2006), Koch (2002), Koch & Elias (2009), Marcuschi (2010), Marcuschi (2006), Santos et al (2006), Xavier (2006), entre outros, este trabalho tem por objetivo relatar as experiências vivenciadas na Oficina de Textos: Produção Textual realizada em comunidades populares da Região Metropolitana do Recife, com o propósito de “criar condições para desenvolver a competência comunicativa do usuário da linguagem, no nível de qualidade exigido, atualmente, pelas bancas que elaboram concursos em geral no Brasil” (XAVIER, 2006, p. 11). O que está em sintonia com os documentos oficiais (PCNs e OCNs) que orientam o ensino de Língua Materna no Brasil, objetivando formar cidadãos capazes de exercer plenamente as competências de leitura e produção textual. O que, por sua vez, alça a escrita à condição de prática social, isto é, os usos sociais da linguagem escrita.

Essa oficina foi viabilizada pelo Programa Conexões de Saberes da Universidade Federal Rural de Pernambuco – UFRPE: diálogos entre a universidade e comunidades populares. O Conexões de Saberes é um programa de extensão universitária, cujo principal objetivo é integrar o saber acadêmico e o saber popular, contribuindo para a permanência qualificada de estudantes de origem popular no âmbito acadêmico. Para isso, esse programa promove parceria com o Programa Escola Aberta - PEA (em articulação com a Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão - SECAD), levando seus bolsistas a desenvolver Oficinas Temáticas, durante os finais de semana, em escolas estaduais e municipais da rede de ensino pública no estado de Pernambuco. Além disso, esse programa contribui para a formação acadêmica de seus bolsistas, na medida em que os envolve no contexto de diversas atividades acadêmicas, tais como: desenvolvimento de oficinas, minicursos, produção de textos acadêmicos (artigos, projetos de pesquisa, resenhas, resumos expandidos etc.). O interesse em implementar essa oficina surgiu a partir das Formações Continuadas desse programa. Tais formações argumentavam acerca do papel da universidade no que concerne à “universalização do direito à educação” (SEVERINO, 1997, p. 21).

Caracterização da Escola

Conforme dito anteriormente, a Oficina de Textos: Produção de Texto surgiu em função do Programa Conexões de Saberes da Universidade Federal Rural de Pernambuco – UFRPE, sendo ministradas por dois alunos do Curso de Licenciatura em Letras dessa instituição, nos anos de 2009 e 2010, nas manhãs dos sábados. Elas foram realizadas nas Escolas Estadual Dom Sebastião Leme (UR 03/ Ibura) e Prof. Jordão Emerenciano (UR 02/ Ibura), sendo voltadas para alunos e ex-alunos dessas escolas, como também para pessoas da comunidade (inclusive de bairros/ comunidades vizinhos (as)). As oficinas contaram com um público de 19 pessoas na primeira escola e 33 pessoas, em média, na segunda escola. O público dessas oficinas era composto por homens e mulheres com a faixa etária de 16 até 47 anos.

Ambas as escolas são as duas maiores escolas da Rede Estadual do Bairro do Ibura. Elas fornecem ensino que abrange o Ensino Fundamental II, Ensino Médio e Integral, atendendo às pessoas das Comunidades da UR 02 e de comunidades vizinhas. Pelo fato de essas escolas se situarem em comunidades populares, o público dessas unidades de ensino pode ser definida como jovens de baixa renda, na medida em que são provenientes de famílias de baixo poder aquisitivo. Por essa razão, a maior parte dos participantes não possuía condições financeiras de arcar com as despesas de cursinho preparatório particular ou de arcar com as despesas de passagens para se deslocar para um Pré-vestibular voluntário em outro bairro. Inclusive, algumas dessas comunidades são, em geral, caracterizadas/ classificadas como de “Alta Periculosidade”, em virtude dos altos índices de violência que permeiam o bairro do Ibura. Daí provém a relevância da realização dessa oficina nessas comunidades.

Fundamentação teórica

Todos sabem que, nos dias atuais, a escrita e o uso eficaz da língua são competências linguísticas primordiais que surgem como diferenciais, sobretudo, no que diz respeito aos processos seletivos, como é o caso do Enem e das Provas de Vestibular. Entretanto, nesse campo, há um vestuto elemento que está ao lado de uma gama de estudantes: o discurso das dificuldades de Produção de Textos. Apesar de não ser algo novo, ele vem se intensificando nos últimos anos. Esse problema, em muitos casos, está vinculado à postura da escola tradicional que amparou-se, predominantemente, em práticas de ensino da produção de texto norteadas pelos compêndios canônicos estabelecidos  pela Gramática Normativa [padrão culto da língua]. Dito de outra forma, práticas orientadas por uma “pedagogia centrada na modalidade linguística supostamente homogênea das gramáticas” (SUASSUNA, 2009, p. 41).

No que tange a essa perspectiva metodológica, Suassuna (2009) ressalta o fato de que valorizava-se, sobretudo, as questões ortográficas, lexicais, morfológicas e sintáticas, elegendo esses aspectos/ fatores como únicos critérios de avaliação. Além disso, essa autora sinaliza o fato o ensino dessa competência linguística pautava-se em três etapas: “assimilação da nomenclatura gramatical, autocontrole gramatical e caracterização do certo e do errado” (p. 42). O que, por conseguinte, excluía da metodologia de ensino da redação, inúmeras questões internas do texto, como, a progressão, a referenciarão, a amarração/ articulação entre as frases, a argumentatividade etc. Costa Val (1991) traz uma gama de exemplos de redação de vestibular que, do ponto de vista da Gramática Normativa, estavam corretas. Todavia, esses textos careciam em diversos aspectos organizacionais da produção da dissertação argumentativa.

Segundo Albuquerque (2006, p. 11), "a década de 1980, assistiu a um amplo desenvolvimento de pesquisas na Área de Língua Portuguesa. Pesquisadores de diferentes campos - Psicologia, História, Sociologia, Pedagogia, etc. - tomaram como objeto de estudo a leitura e a escrita buscando redefini-las". Dentro desse contexto, nos anos 80, começam a aparecer mudanças nas práticas pedagógicas do ensino de Língua Portuguesa. Essas modificações despontam da proliferação de uma serie de estudos das Ciências Linguísticas e Educativas [Investigações Linguísticas e Pedagógicas], conforme sinaliza Albuquerque (2006). Tais mudanças propagam-se ainda mais nos anos 90. Nessa década, as discussões relativas aos gêneros textuais expandiram-se de maneira considerável, tornado-se objeto de inúmeras pesquisas acadêmicas.

"Nos últimos quinze anos, mudanças significativas ocorreram no tratamento dispensado ao ensino da elaboração de texto no âmbito escolar. Na segunda metade dos anos 1990, o estudo dos gêneros textuais assumiu espaço expressivo no contexto da sala de aula. De início, predominou o interesse pela nomeação e classificação dos gêneros textuais e, em decorrência, pela caracterização de seus aspectos formais, tratados como fixos. Posteriormente, passaram a destacar, ainda que com algumas divergências, a importância de se compreender os gêneros textuais em sua relação com as práticas sociais (MARCUSCHI, 2010, p. 75-76)".

É nesse cenário que irrompem novos paradigmas para o ensino de Língua Portuguesa, acompanhado de novas estratégias e procedimentos de ensino. Essas alterações têm sido postas em prática, o que tem ocasionado um novo tratamento dado ao texto e aos gêneros de texto não só nos manuais didáticos de língua (livros didáticos e gramáticas escolares), mas também nas provas de língua das mais diversas avaliações nacionais e processos seletivos. Estes trazem consigo uma nova variedade textual-temática, priorizando os aspectos/ fatores no tocante ao conteúdo temático, à composição, ao estilo etc..

Gonçalves (2011) destaca o fato de os gêneros textuais estarem diretamente vinculados às práticas corriqueiras do dia-a-dia e, sobretudo, a práticas comunicativas e interativas. Nessa conjectura, surge um novo tratamento dado aos gêneros, o qual prima pela abordagem das suas condições produção e das suas particularidades. É nesse contexto que Gonçalves (2011) propõe que, ao estudar os fenômenos liguísticos que envolvem os gêneros de texto, deve-se considerar os seguintes elementos:

"a) Lugar social: É a instituição social ou o ambiente de interação onde o texto é produzido (mídia, academia, escola, etc.)

b) O papel social do emissor: Será o papel social executado pelo emissor durante a interação. Tal interação dar-lhe-á o estatuto de enunciador. Por exemplo: papel de professor? De pai? De locutor esportivo?

c) A posição social do receptor: Será o papel social dado ao receptor do texto, dentro do quadro de uma interação comunicativa. A este papel social de receptor, a literatura tem chamado de interlocutor.

d) Objetivo da interação: Será o objetivo ou o efeito de sentido a ser produzido no destinatário (interlocutor) (GONÇALVES, 2011, p. 52-53)".

Essa nova perspectiva de ensino requer a abordagem das especificidades e das peculiaridades dos gêneros textuais, tais como: suas finalidades/ propósitos comunicativos, o título, a data de publicação, o local/ meio/ veículo de publicação e, até mesmo, o endereço ou nome do site onde foi publicado o gênero textual (KOCH, 2002). O ensino de língua, com base nesse norte, passa a primar por uma perspectiva Dialógica e Interativa. Em vez de focar em uma perspectiva Aditiva (BRASIL, 1997), focando na adição/ junção de letras, sílabas e frases com o propósito de chegar ao texto, ou seja, a articulação entre unidades menores/ maiores [palavras, frases e períodos] (BEZERRA, 2001; SANTOS et al, 2006), as mais recentes propostas curriculares que envolvem a produção de texto priorizam uma perspectiva pragmático-enunciativa.

A escrita passa a estar atrelada ao sentido, a uma ampla quantidade de estratégias linguístico-textual, cognitivas e a uma gama de conhecimentos de diversos expedientes [enciclopédicos, linguísticos, textuais etc.] (KOCH, 2002; KOCH; ELIAS, 2009). Destaca-se, sobretudo, o fato de ela articular o produtor do texto [ou também enunciador (KOCH, 2002)] e o leitor [ou também co-enunciador conforme conceitua Koch (2002)]. Ou seja, ao elaborar/ produzir o texto, ambos estão articulados. O enunciador lança mão de diversas estratégias, marcas e pistas textuais que levam esse co-enunciador a refletir acerca dos recursos linguísticos utilizados durante o decorrer do ato da escrita, construindo/ produzindo efeitos de sentido e, por conseguinte, chegando ao seu propósito comunicativo (LINS & LUNA, 2002).

"Leitura e escrita se inter-relacionam a todo o momento. O autor, quando escreve, pressupõe um leitor e uma leitura. Todo texto só ganha sentido se lido e atualizado por um receptor em seu contexto. Cada leitor, por sua vez, só o é se consegue, pelo diálogo que estabelece com o texto, construir sentido e renovar-se por isso sem deixar de acionar sua historia pessoal, seu conhecimento prévio nesse processo de construção de sentido. A integração entre leitura e escrita é um ponto vital a ser explorado na escola (ARAUJO & ROSING, 2005, p. 191)".

Esses novos paradigmas estão sendo aplicados ao estudo do gênero textual Redação Escolar, conforme evidencia Marcuschi (2006). Com isso, o prática da produção textual deixa de conceder primazia aos aspectos normativos/ prescritivos e passa a primar pelas particularidades desse gênero, focando nos aspectos relativos à intenção/ pretensão comunicativa, ao contexto de produção (ambiente/ local), ao momento de produção e, sobretudo, ao produtor/ leitor do texto (GONÇALVES, 2011; MARCUSCHI, 2006). Deixa-se de lado a postura que preconizava o ensino da produção textual atrelada a modelos/ padrões fixos e estabelecidos. Surgem, assim, novos fundamentos linguísticos para o ensino de língua e, por conseguinte, para o ensino da linguagem escrita, os quais transcendem a perspectiva da “boa expressão como subproduto da gramaticalização" (SUASSUNA, 2009, p. 42). Essa perspectiva norteou a condução da Oficina de Textos: Produção de Texto.

Descrição da experiência

Cientes da sua função social na construção de uma sociedade norteada por uma perspectiva de  equidade de acessos e na socialização do saber, a universidade (por intermédio dos seus programas), nos últimos anos, tem realizado diversas ações no sentido de promover a inclusão social e o acesso/ ingresso ao ensino superior público de ensino. Em vista disso e do contexto nada animador dos bancos escolares brasileiros (SANTOS, 2007), surgem iniciativas de reverter a situação alarmante dos índices educativos da escola pública (sobretudo no que concerne ao Ensino Médio), propiciando, assim, maiores condições de ingresso, por parte dos alunos provenientes de escolas da Rede Pública de Ensino, em Instituições de Ensino Superior Públicas. É nesse cenário que se insere a Oficina de Textos: Produção de Texto.

O principal objetivo dessa oficina era propiciar aos participantes o desenvolvimento de habilidades de produção de texto, que, conseguintemente, fornecesse condições para que eles tivessem êxito nas Provas de Redação dos processos seletivos que ocorrem no estado de Pernambuco.  É nesse contexto que a oficina em foco optou por trabalhar diversos aspectos da estrutura do texto dissertativo. Para tanto, primeiramente, elaborou-se a proposta de conteúdos a serem trabalhados. Para elaboração da proposta da oficina, foram utilizadas fontes que argumentam acerca da produção da dissertação argumentativa, tais como, Redação e Textualidade (COSTA VAL, 1991), Como se faz um texto: a construção da dissertação argumentativa (XAVIER, 2006), Ler e Escrever: estratégias de produção textual (KOCH & ELIAS, 2009), A Coerência Textual (KOCH &TRAVAGLIA, 1990), Texto e Coerência (KOCH &TRAVAGLIA, 1989), Desvendando os segredos do texto (KOCH, 2002), O Texto e A Construção do Sentido (KOCH, 1997), A Coesão Textual (KOCH, 1989), Como corrigir redações (THEREZO, 2002), O texto argumentativo (CITELLI, 1994), Português: Redação/ Módulo 2 (NETO, 2004) etc. Utilizou-se, também, fontes que tecem argumentos acerca dos mais diversos aspectos que envolvem os gêneros textuais. São exemplos de obras que ilustram essa temática: Linguagem: práticas de leitura e escrita (BENTES, 2004), Gêneros Textuais: Reflexão e Ensino (KARWOSKLI et al, 2006), Gêneros textuais & ensino (DIONÍSIO et al, 2010), Diversidade Textual: os Gêneros na sala de aula (SANTOS et al, 2006). Destacando-se, em espacial, as contribuições teóricas da Professora Beth Marcuschi: Escrevendo na escola para a vida (MARCUSCHI, 2010) e Redação escolar: breves notas sobre um gênero textual (MARCUSCHI, 2006).

Como as oficinas objetivavam contribuir com o acesso dos alunos de comunidades populares às universidades públicas de Pernambuco, foram utilizadas a matriz de competências/ conteúdos requeridos nas Provas de Redação aplicadas pela COVEST/ COPSET, UPE e pelo ENEM. Os conteúdos abordados foram os requeridos nas provas dos processos seletivos, tais como: a) Conceito de texto, gêneros textuais e tipologia textual; b) Conceito de texto dissertativo-argumentativo; c) Aspectos a serem evitados nesse tipo de texto; d) Diferenciação entre tema e título; e) Impessoalidade, meios de impessoalização e sua relação com a credibilidade desse tipo de texto; f) A estrutura do texto dissertativo-argumentativo e suas características [a hierarquia das informações]; g) Introdução/ Ideia Central (formas, estratégias e tipos); h) Desenvolvimento/ Argumentos (formas, estratégias e tipos); i) Conclusão (formas, estratégias e tipos); j) Coesão (Referencia, Retomada, Progressão, Seqüencial) e uso de conectores de articulação de parágrafos; l) Coerência; m) Como interpretar e como elaborar a resposta de questões discursivas; n) Como usar termos e verbos de atribuição de ação ao autor, termos para abordar a temática/ problemática da questão.

Contudo, a abordagem de conteúdos dessas oficinas não se limitou aos aspectos estruturais/ organizacionais do texto dissertativo, mas também abrangeu a questão da argumentatividade. Dito de outra forma, a abordagem de temáticas/ problemáticas de cunho social, com o propósito de levar os participantes a produzirem e, em especial, lançar mão de seus próprios argumentos/ posicionamentos. Por essa razão, foram abordadas as temáticas transversais, ou também, temas transversais, tais como, Cidadania, Consumo, Diversidade (étnica, linguística, religiosa etc.), Direitos Humanos, Ética, Questão Ambiental, Política, Tecnologia, Trabalho etc. Em outras palavras, “temas sociais importantes para uma compreensão mais aprofundada de certos valores e práticas de nossa sociedade. Questões estas que fazem parte da realidade de nossa sociedade e com as quais todos nós  podemos nos defrontar em algum momento de nossas vidas” (BENTES, 2004, p. 22). O que remete ao enfoque interdisciplinar adoto pelo ENEM. Tal enfoque norteia a elaboração e composição das questões dessa prova, sobretudo, no que tange à produção textual (Prova de Redação).

Avaliação dos resultados

No tocante aos resultados obtidos, eles demonstram que, ao longo do desenvolvimento da oficina, os participantes apresentaram progressos relativos aos mais diversos aspectos da construção da dissertação argumentativa, tais como, a diferenciação entre as partes desse gênero de texto (a hierarquia das informações expostas no corpo do texto), a delimitação do tema (a relação entre geral e particular), a adequação do título em face do direcionamento dado ao tema (dar conta de refletir as ideias expostas na superfície textual), a impessoalidade (a neutralidade e a não-inclusão do autor no tratamento dado à temática abordada), a articulação entre as frases e as partes do texto (o uso de operadores argumentativos, elos coesivos e outros elementos/ recursos linguísticos), a produção da coerência (não-contradição entre as ideias e as partes textuais), a equivalência entre o número de linhas entre os componentes da estrutura desse tipo de texto e a quebra com frases incompletas.

Desataca-se, também, o fato de os participantes terem alcançado um progresso substancial no que diz respeito à Interpretação de Texto, a partir de Gêneros Textuais Imagéticos (Charges, Tirinhas, Histórias em Quadrinhos - HQs e outras ilustrações) para a produção de respostas de questões discursivas. No estado de Pernambuco, os órgãos que elaboram Provas de Vestibular lançam mão desses gêneros imagéticos com o propósito de levar os participantes a tecerem argumentos acerca de temáticas de cunho/ teor social. Para isso, os participantes têm de trabalhar com base em uma perspectiva de junção de fatores, articulando, assim, os elementos intratextuais (contextualizadores internos), os elementos extratextuais (contextualizadores externos) (KOCH, 2002), a linguagem verbal [textos, falas e diálogos] e não-verbal [imagens]. Todos esses aspectos surgem como fruto do desenvolvimento da Oficina de Textos: Produção de Texto, que, no olhar dos ministrantes, propiciou aos participantes maiores condições para que eles obtenham êxito nas Provas de Língua Portuguesa (Produção de Texto) e nos Vestibulares e nas Avaliações Nacionais (Enem).

Considerações Finais

De acordo com Xavier (2006, p. 11), “o texto dissertativo-argumentativo consiste no gênero textual mais solicitado em quase todas as instituições brasileiras que avaliam a habilidades escrita dos candidatos em processos de seleção”. Partindo desse pressuposto, trabalhar a temática da construção da dissertação argumentativa nas escolas públicas é algo de fundamental importância, na medida em que “o desenvolvimento da competência linguistico-textual” (santos, 2002, p. 31) (seja na leitura ou na escrita) consiste em um diferencial competitivo. Todos os anos uma ampla quantidade de estudantes se mobilizam em face do propósito de ingressar em uma Instituição de Federal de Ensino Superior – IFES. Todavia, nem todos conseguem realizar esse propósito. Esse quadro marca tradicionalmente os alunos oriundos das escolas da Rede Pública de Ensino. Atrelado a isso, sabe-se que o acesso ao âmbito superior de ensino propicia para esses sujeitos ama possibilidade de progresso futuro, como, por exemplo, a ascensão profissional/ social.

Essa perspectiva está em consonância com Arruda (2004, p. 36), que fala que “a educação vê hoje um retorno à vinculação direta com a ascensão social”. Com isso, o acesso ao ensino superior público está diretamente vinculado à qualidade de vida, à possibilidade de ascensão profissional/ social e, sobretudo, ao desenvolvimento social desses sujeitos. Nesse sentido, a Oficina de Textos: Redação, realizada em diversas comunidades populares da Região Metropolitana do Recife, agiu no sentido de não só “levar o aluno ao uso eficaz da linguagem em todos os níveis” (CARDOSO, 2003, p.10), mas também na tentativa de promover a inclusão social [representada pelo ingresso ao ensino superior público].

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XAVIER, Antonio C. Como se faz um texto: a construção da dissertação argumentativa. São Paulo: Respel, 2006.

SILVIO PROFIRIO
Enviado por SILVIO PROFIRIO em 02/02/2013
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