A FILOSOFIA DO LÁPIS DE COR

Era uma vez uma lata cheia de lápis de cor, não era nem da melhor qualidade e nem da pior... na verdade era um grupo misturado, tinha aquela marca que parece feita de serragem e tinha aquela que parece pedra, tinha aquela que custa muito caro mas o grafite parece de manteiga e tinha aquela mais barata que é muito boa... era um apanhado de várias coleções que o artista ia usando e repondo ao longo das lidas e dias de vida...

Certa feita, cheio de coisa para fazer, abarrotado de compromissos, os contratantes esperando, as dividas aumentando, cobranças, atrasos, uma bagunça de desordem, desorganização, má administração de tempo e espaço, um palmo do fundo do poço... ele apontou um lápis que nem dava mais para ser apontado.. o toco do toco to toco.

Ele olhou... suspirou fundo como se aquele toco de lápis tivesse acabado de lhe dar um conselho ou passar uma mensagem, e tinha.

Por alguns segundos ele analisou aquele objeto, um corpo colorido feito de pigmentos, aglutinantes, cera, revestidos por um corpo de madeira.

Aqueles pigmentos já estiveram na natureza... já foram sementes, já foram raízes, já foram... aqueles aglutinantes já escorreram de um tronco para uma cuia, como por outros meios... aquela madeira já sentiu o vento, as patinhas de um inseto, o riso das crianças no parque...

Como se estes elementos reencarnassem, agora eram partes de um lápis de cor.

E agora no fim da segunda vida útil, eram apontados sem clemência após terem feito tantas obras coloridas e dado vida a histórias, personagens, feito mais uma vez as crianças sorrirem.

Não reclamavam de serem arrastados sobre a folha de papel sem piedade, ao contrario de gritarem de dor, coloriam; ao contrario de chorarem por serem esfoladas pelas mãos do artista, diziam: - Haja vida neste papel! ...

Sem perspectiva de aposentadoria por tempo de serviço ou por invalidez, continuam colorindo até o ultimo centímetro de toco não caber entre os dedos do algoz...

Sem enterro, sem nenhum tipo de sepultamento, mumificação, cremação ou o que quer que seja... sabendo que o fim é um cesto de lixo e o massacre por fim no caminhão....

Eles colorem, colorem, colorem.

(Nesta foto estou dando a eles um fim melhor)

Quanto temos reclamado... somos sim esfolados por outrem por interesses que não são os nossos, ou que são os nossos mas não daquela forma, e não tendo o raciocínio angélico de um lápis de cor colorimos nosso mundo interior no mais lúgubre ambiente das profundas ruínas dos infernos. É muito difícil para você e para mim ser como o lápis de cor... temos mais poder, temos mais cor, temos mais durabilidade, mais resistência, mas não temos o mesmo amor para alegrar a vida do próximo colorindo seu dia e nem o mesmo interesse em colorir o dia alheio. Porque temos uma coisa maravilhosa que o lápis de cor não tem... porém temos a vocação para usarmos esta maravilha como arma do mal, se chama hipotálamo... é lá a sede dos sentimentos, não o coração... e neste lugar escondido no cérebro criamos substâncias que podem ser nossos pigmentos... e essas substâncias percorrem o sangue e aí sim, faz o coração bater forte. Essas substâncias podem salvar vidas colorindo, como fazem os doutores da alegria com a dopamina e outras substâncias que criamos naturalmente no riso e na alegria; como podemos morrer por conta de substâncias venenosas quando não perdoamos, quando cultivamos os piores sentimentos.

Temos mais poder de colorir do que o lápis de cor sim, mas ainda absurdamente não colorimos o nosso... vivemos o tempo todo na mais densa treva de amargura, reclamação, autossabotagem, depressão, desistência, evasão, procrastinação, murmuração, lamúrias e coisas semelhantes e piores.

Nosso mestre artista nos aponta como nós apontamos o nosso lápis, e dói, mas é para o nosso bem; sim, de maneiras diversas nos aponta para termos uma ponta melhor para colorir mais.

Não, não estou falando de um Deus que prova, etc, etc... Não estou falando de nenhum tipo de religiosidade ou proselitismo, estou falando de causa e consequência, ação e reação.

Somos apontados quando somos colocados diante de gente que precisa da gente mas não reconhece isso; somos apontados quando depois de dar um passo errado ou fazer uma escolha errada nos deparamos com as consequências deste ato impensado e mal calculado; somos apontados quando tivemos todos os conselhos e não demos ouvidos; somos apontados quando temos uma enfermidade; somos apontados quando passamos fome, frio, necessidades e privações; somos apontados quando temos um chefe difícil; somos apontados quando temos um filho rebelde; somos apontados quando somos filhos rebeldes; somos apontados quando somos filhos relapsos; somos apontados quando somos pais relapsos; somos apontados quando somos amigos falsos; somos apontados quando somos cônjuges infiéis; somos apontados quando apontamos... sim, apontamos as pessoas como se tivéssemos mesmo prerrogativas de Deus, do Olimpo, das Esferas Celestiais, dos Planos Superiores ou como queiram nominar... e maltratamos o outro, ferimos, magoamos, humilhamos, pisamos, e nisto, somos também apontados...

O intuito? Colorir melhor.

Qual a cor do meu ambiente, da minha folha de papel de vida? Será que se eu passar a colorir minha vida com mais competência e carinho, deixando a minha folha mais feliz precisarei mesmo continuar sendo apontado?

Lápis de cor, me explica teu segredo...

Você colore tudo e tudo fica mais lindo...

Mesmo que eu te aponte, te diminua; mesmo que eu te aperte contra o papel, na mesa dura, sobre a superfície, tudo fica mais colorido graças ao rastro de alegria que você espalha.

Enquanto ainda houver um toco que seja de você, sabendo ainda assim que sua recompensa é um cesto de lixo.

Que anjo é você, Lápis de cor?