Ouvidos para ouvir

"(Por Jordan Augusto)"

“O orador pode ser tolo desde que o ouvinte seja sábio”

Esta célebre frase que salienta a arte de saber ouvir, sem dúvida nenhuma, pode ser a porta de entrada para uma múltipla mudança de 180 graus em nossa vida.

Em hebraico, ouvir é SHAMA (escutar); Ouvir: entender, tomar conhecimento, receber o depoimento.

Escutar: prestar atenção para ouvir, dar atenção.

Saber Ouvir é um aprendizado.

Já diziam os sábios que nós temos duas orelhas para escutar e uma boca para falar.

A questão é quão bem você ouve. Ouvir é uma coisa, compreender o que se ouve é totalmente diferente. Saber ouvir leva tempo, prática e paciência. Requer a capacidade de ficar quieto e deixar a outra pessoa falar por quanto tempo for necessário, mesmo quando naquele momento sua mente já esteja iniciando um raciocínio, ou uma contra-argumentação.

Quando nós realmente ouvimos, criamos uma conexão entre nós e o outro; uma ligação invisível que nos conecta e nos permite entrar profundo na pessoa e melhor entender quem ela é e o que deseja. Conhecemos seu interior.

A influência verbal e autodomínio são essenciais, mas todo esforço do comunicador pode ser inútil se lhe faltarem alguns elementos ligados à atenção à capacidade de acompanhar e notadamente, o ato de SABER OUVIR.

A lição vem de Sócrates: “temos de aprender a perguntar e a ouvir”..., mas a maioria das pessoas não tem paciência, ou interrompem a pessoa que fala ou simplesmente passam a ignorá-la. E assim, agem movidas por preconceitos em função de estereótipos.

O ato de ouvir exige, portanto, além de humildade, TREINAMENTO!

A dificuldade é tão acentuada que há os que não conseguem sequer ouvir a primeira frase do parceiro e vai logo atalhando com a expressão “já sei o que você vai dizer”. É ouvir bem, de forma que uma entenda perfeitamente a posição do outro. Essa situação reclama atenção, respeito e consideração.

Geralmente, um dos obstáculos à eficiência na comunicação é a tendência a avaliar ou prejulgar o que o parceiro está dizendo. Na verdade, há três requisitos indispensáveis da comunicação eficiente: saber ouvir, saber conviver e saber avaliar.

Saber conviver: envolve, principalmente, a capacidade de atuar em grupo coletivamente; quem não consegue conviver bem com colegas ou superiores nunca poderá ser um bom comunicador. Poderá ser um bom orador; a comunicação só se completa com o retorno, quando o estímulo provoca a resposta.

Saber avaliar: significa autocrítica; esta é que dá à pessoa a dimensão exata do contexto, evitando erros insanáveis e abreviando o caminho do sucesso.

Saber ouvir: é muito mais do que escutar e darmos a nossa interpretação conforme desejarmos ou baseada nas nossas próprias limitações. Saber ouvir é cultivar a difícil arte da empatia que é a habilidade de se colocar no lugar do outro e prestar muita atenção no significado das palavras, na maneira em que a pessoa está transmitindo, no seu estado emocional, seus limites e conhecimentos; é olhar para os seus olhos, é perguntar se houver dúvidas, é evitar interpretar ou "alucinar" a partir do que foi dito.

O mesmo princípio da empatia se processa para quem deseja se comunicar. Para conseguir um ótimo resultado basta se colocar no lugar do outro e gerar estímulos adequados conforme o jeito do outro funcionar, de processar informações, de entender conforme o seu nível cultural ou limitações de vocabulário, conceitos e experiências pessoais. A pergunta ideal para termos a evidência se, de fato, o outro entendeu o que dissemos é "O que você entendeu do que eu disse?". O mundo seria, certamente, bem melhor e as pessoas conseguissem relacionar-se melhor se pudessem fazer e responder a essa pergunta.

Já se disse que o órgão mais sensível do corpo humano é o bolso. Nessa mesma linha, pode-se dizer que órgão menos sensível do corpo humano é... O ouvido! Sim, por não saber ouvir, as pessoas deixam de assimilar boas informações e idéias, tomam decisões erradas, afastam-se de seus próprios interesses. Aprender a ouvir é o primeiro mandamento para aprender a aprender.

Um rei mandou seu filho estudar no templo de um grande mestre com o objetivo de prepará-lo para ser uma grande pessoa. Quando o príncipe chegou ao templo, o mestre o mandou sozinho para uma floresta. Ele deveria voltar um ano depois, com a tarefa de descrever todos os sons da floresta. Quando o príncipe retornou ao templo, após um ano, o mestre lhe pediu para descrever todos os sons que conseguira ouvir. Então disse o príncipe:

— Mestre, pude ouvir o canto dos pássaros, o barulho das folhas, o alvoroço dos beija-flores, a brisa batendo na grama, o zumbido das abelhas, o barulho do vento cortando os céus...

E ao terminar o seu relato, o mestre pediu que príncipe retornasse à floresta, para ouvir tudo o mais que fosse possível. Apesar de intrigado, o príncipe obedeceu a ordem do mestre, pensando:

"Não entendo, eu já distingui todos os sons da floresta..."

Por dias e noites ficou sozinho ouvindo, ouvindo, ouvindo... mas não conseguiu distinguir nada de novo além daquilo que havia dito ao mestre.

Porém, certa manhã, começou a distinguir sons vagos, diferentes de tudo o que ouvira antes. E quanto mais prestava atenção, mais claros os sons se tornavam. Uma sensação de encantamento tomou conta do rapaz. Pensou:

"Esses devem ser os sons que o mestre queria que eu ouvisse..."

E sem pressa, ficou ali ouvindo e ouvindo, pacientemente. Queria ter certeza de que estava no caminho certo. Quando retornou ao templo, o mestre lhe perguntou o que mais conseguira ouvir. Paciente e respeitosamente o príncipe disse:

— Mestre, quando prestei atenção pude ouvir o inaudível som das flores se abrindo, o som do sol nascendo e aquecendo a terra e da grama bebendo o orvalho da noite...

O mestre sorrindo, acenou com a cabeça em sinal de aprovação, e disse:

— Ouvir o inaudível é ter a calma necessária para se tornar uma grande pessoa. Apenas quando se aprende a ouvir o coração das pessoas, seus sentimentos mudos, seus medos não confessados e suas queixas silenciosas, uma pessoa pode inspirar confiança ao seu redor; entender o que está errado e atender às reais necessidades de cada um.

É preciso, portanto, ouvir o lado inaudível das coisas, o lado não mensurado, mas que tem o seu valor, pois é o lado mais importante do ser humano. Quantas vezes deixamos de ouvir até o que "berra" o nosso próprio coração?

Freqüentemente estamos tão ocupados e ansiosos que somos incapazes de perceber o que os outros estão dizendo. Pior: fingimos ouvir e nem nos damos conta de que não ouvimos. Com isso deixamos de perceber coisas de extrema importância, como o sentimento das pessoas que nos cercam, suas angústias, seus desejos e problemas. É importante parar de correr, olhar as pessoas no rosto, perguntar-lhes coisas e efetivamente atentar para o que estão dizendo. Esse é o melhor caminho para orientar nossos passos no mundo social que nos cerca e que é o ambiente no qual desenvolvemos nossa carreira.

O que é ouvir bem?

* Esvaziar a cabeça para receber de modo livre tudo o que o outro está dizendo.

* Estar presente de corpo e alma no momento do diálogo — deixar as preocupações de lado.

* Não ficar na defensiva, tentando justificar-se ou explicar-se.

* Não levar críticas e sugestões para o plano pessoal.

* Fechar a boca enquanto o outro fala — e abrir os ouvidos.

* Não adivinhar o que o outro tem a dizer — nem os sentimentos dele.

Perguntar é melhor se você:

* Fazer perguntas pertinentes e interessadas.

* Demonstrar real interesse pela fala do outro.

Não fazer nada enquanto o outro está dizendo coisas importantes.

Para o inconsciente o fato de você pensar algo ou realizar tem o mesmo efeito. Lembre-se, ele trabalha com imagens registradas em sua mente, por isso, muitas vezes você fica abalado, nervoso, só de pensar que algo possa acontecer. É também por isso que a meditação traz tantos resultados. Por exemplo, o fato de você imaginar que está sendo envolvido por uma bolha de luz azul que acalma terá um efeito como se essa luz realmente estivesse envolvido seu corpo.

A experiência é necessária como chave bendita que descerra as portas da compreensão. Compreensão, segundo Piaget, é o segundo estágio do conhecimento, que ocorre quando o indivíduo se apropria da informação.

Porém, de forma mais profunda podemos compreender que a realidade na qual vivemos está envolta de muitos pré-juízos que se formaram à base do modelo epistemológico, acreditando-se, não raro, que as ciências — sobretudo exatas — são a instância doadora do sentido para o ser humano. Nesse modelo se procura no investigador as condições determinantes, pois, com a ajuda de signos percebidos do exterior, através dos sentidos, acredita-se poder, inclusive, compreender a um autor melhor do que ele próprio se compreendeu. Em um texto de Rogério José Schuck isso fica bem claro.

Segundo Gadamer: "O que vem à tona, em sua verdade, é o logos, que não é meu nem teu, e que, por isso, sobrepuja tão amplamente a opinião subjetiva dos companheiros do diálogo, que inclusive aquele que o conduz permanece sempre como aquele que não sabe. A dialética, como arte de conduzir um Gespräch, é ao mesmo tempo a arte de olhar juntos na unidade de uma perspectiva, isto é, a arte de formar conceitos como elaboração do que se opinava comumente".

Nunca chegamos a uma determinação final do sentido. Permanece a possibilidade de estabelecermos um novo Gespräch, se nos permitirmos permanecer envolvidos pela linguagem. Não podemos conduzir um Gespräch; ele se efetua à base de parceiros da linguagem. A linguagem tem que ser vivida no Gespräch para assim chegarmos à revelação de um sentido que se dá nele.

O Gespräch depende da participação de pelo menos dois interlocutores, sendo que os parceiros só contribuem para a constituição desse espaço próprio, para que a linguagem possa ser efetuada. Na sua integridade é impossível efetuar-se somente por um dos parceiros .

Essa situação, que nasce e faz com que a linguagem encontre seu lugar de efetivação, não pode ser construída por uma pessoa. É condição que ambos os parceiros do diálogo tenham a abertura e capacidade de escutar o outro. O Gespräch faz surgir um espaço próprio, onde nasce "algo" de novo, no sentido de não poder ser identificado, nem com a posição de um nem do outro.

Gadamer, a esse respeito, é preciso, como o demonstra esta citação:

"A linguagem, na qual algo vem à fala, não é possessão disponível de um ou outro dos interlocutores. Todo Gespräch 'pré-supõe' uma linguagem comum ou, melhor dito, constitui, a partir de si, uma linguagem comum. Há, ali, algo postado no meio, como dizem os gregos, onde participam os interlocutores e sobre o que eles criam um intercâmbio mútuo. O acordo sobre o assunto, que deve surgir na conversação, significa necessariamente que se elabora uma linguagem comum apenas no Gespräch. Este não é um processo externo de ajuste de ferramentas, e nem sequer é correto dizer que os companheiros de conversa se adaptam uns aos outros, mas que ambos vão entrando, à medida que se estabelece o Gespräch, sob a verdade da própria coisa, e é esta a que os reúne numa nova comunidade. O acordo no Gespräch não é uma mera representação e impor o próprio ponto de vista, mas uma transformação rumo ao comum, de onde já não se continua sendo o que se era".

Não pode haver superioridade, nem primazia de uma visão sobre a outra. É condição, pois, "pré-supor" uma simetria, onde o ir e voltar leva cada um dos parceiros a "re-estabelecer" seu ponto de vista.

Nesse processo, o ouvir o outro leva a uma autocompreensão, por parte de quem sabe ouvi-lo. Estamos acostumados a conversar com o outro, para conhecê-lo melhor.

“Um sábio aprende muito mais com uma pergunta tola do que um tolo com uma resposta sábia”. (perdoem-me, mas não me recordo a origem)

JRPalacio
Enviado por JRPalacio em 31/05/2009
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