Os meus poetrix (2006)

Vou descrever aqui o que sinto quando faço poetrix.

Creio que me meti a fazê-los em função da preocupação com a originalidade em poesia. E com a dificuldade de ler textos longos no monitor.

Então poetrix foi a grande novidade descoberta no Recanto das Letras.

Sendo um filhote do Hai Kai, apresenta a inovação de tratar de qualquer tema, tem poucas regras. Seria a poesia da pós-modernidade.

Sem querer, já tinha alguns poetrix prontos sem sabê-lo, no original do meu livro "Propaganda da Vida", de 2001, onde há um tópico que chamei de Constatando :

Areia voa ao vento

Está em toda a parte

É continente em movimento.

Caravelas.

Peripécias,

Especiarias.

Espinhas na cara,

Flores do mal.

Hoje vai ter carnaval!

Chuva e verão,

Piso de pedras,

Limo no pé das paredes.

O passarinho bica o mamão maduro.

Ele também é filho de Deus,

Assim como eu.

Bem, para virar poetrix precisa de título. Escolhi um e publiquei o meu primeiro poetrix:

DESCOBRIMENTO

Caravelas.

Peripécias,

especiarias.

Enfim, o descobrimento é duplo, mas o verdadeiro descobrimento foi da forma poética poetrix, e a sensação ao fazê-lo é de intensa satisfação.

O meu segundo poetrix, alguns dias depois, tamém foi baseado num dos poemetos do livro acima mencionado:

O passarinho bica o mamão maduro.

Ele também é filho de Deus,

Assim como eu.

Ficou assim:

CRIAÇÃO

O passarinho bica o mamão maduro.

Ele também é filho de Deus,

assim como eu.

O terceiro poetrix é inteiramente original. Ele peca por lembrar um pouco o tema de um hai kai.

LUA SEMPRE CHEIA

A lua está sempre cheia,

e o mar sereno,

com os peixes dentro da lancha.

Em seguida fiz:

MISTÉRIOS DO PODER

A professora de história

peremptória gritou:

Napuleão apuderou-se do puder!

A-COR-DA-DO

Canta o pássaro da manhã

para mostrar que está vivo,

e para se animar.

ALERTA TSUNAMI

Pororoca global,

abissal voçoroca,

gota d’água fatal.

RITUAL

O cão passeando

o homem

passeando o cão.

CÂNCER

No planeta doente,

a metastática cidade

avança na floresta.

CRESCEI E MULTIPLICAI

Proletários (vem cá, morena)

do mundo, (me dá um beijo)

uni-vos! (que bom!)

ESTACA ZERO

Stop.

A vida acabou,

foi um assalto.

WINDOWS 95

Sessão encerrada,

deseja salvar, salvar-se?

Sim, eu desejo.

SURPRESA 1

Na face original

uma só mão

e a bofetada.

INTELIGÊNCIA

Fome hoje

e todos os dias,

dentes escovados.

Poetrix Insatisfeito (não publicado)

Nem camisa,

nem camiseta.

Poetrix não descola nem costeleta

Satisfa 3 (não publicado)

Espasmos, contrações

do assoalho pélvico,

me esquenta que te gosto.

Pixinguinha (não publicado)

Carinhosamente

carioca, com o sax

e o uísque, foi paixão.

Saara

Areia voa ao vento,

está em toda parte,

é continente em movimento

Ovo de Colombo

América, rica América,

odeie-a ou mude pra lá.

(Penso sempre em L.A.)

Cotidiano

Lide com a lida:

a obra de um dia

vale por uma vida.

Anti HIV

Aproveitando da vida,

a mucosa protegida

e ferida de prazer.

Brigas, nunca mais

Eu intuí, pensei

em ti, num átimo

vi, a explosão atômica

Literal

DOZE ANOS

Um litro de cachaça

logo fica vazio,

não dá tempo de curtir.

VÍSCERAS

Um litro de birita,

o fígado vai para o espaço,

ou é pelo tira-gosto.

SEM TERRA

Um litro dessa aguardente

devora canaviais,

também acaba com a gente.

GAIOLA

Um litro dessa cana

que passarinho não bebe,

é esperto esse canário.

DECADÊNCIA

Um quarto de uísque,

Faulkner alegre-triste

todo dia escrevia.

INSANIDADE

Um litro de branquinha,

Lima Barreto doente

esbarra no barro e na dor.

Plágiofobia

“Penso, logo Descartes existiu”.

Na fugaz existência de dor,

riso e lembrança: é do Millôr?

Os dias do encanto

Morcegos nos tamarindos.

No verão eterno, de noite, de dia,

Calor irradia dos paralelepípedos.

Os grandes lábios de Angelina

Sua boca e seus lábios carnudos

servem para sugar,

ou para mostrar onde beijar?

ROTINEIRO

CALADO

Cuidado

com o calo

do silêncio.

ROTINA

O dia que desliza,

não segura

a estima.

SEGURANÇA

Fé na passagem do tempo,

tempo para a fé, se houver.

A sorte está lançada..

CONSTRUÇÃO

Parede norte sustenta

a parede leste.

O teto ampara todas.

SATISFAÇÃO

De novo na cama

quando vem a hora

da tormenta.

ESPERANÇA

Novidade ocorre por acaso?

(e o acaso

não é novidade).

Boca nervosa

Tirar a casca até a pele,

lamber a polpa, beber o suco

mordiscar o chiclete rosa.

FEMI(ME)NINO

DELEITE

Mulher gostosa

de leite

promissória.

DÁDIVA

Dividida,

da obrigação ao prazer

dá a vida em troca de nada.

DÍVIDA

Espanto de ver,

corpo distender,

carne ficar frouxa.

DOMINAÇÃO

Não me mandes.

Não me toques,

nem me prendas.

DÚVIDA

Era só,

só estava, todo

seu tempo já era.

DRAMA

Dores do parto.

Parto prenhe

de sentimento.

Rio Antigo

O Passeio Público ainda tem cotias.

Mas as cotias, de noite, são carnívoras,

hoje em dia.

Noite e Brumas

Cais deserto.

Sopra o vento.

Fica o destino, parte.

COMUNAL

CONSPIRAÇÃO

Trama de gente

parente, ímpar

insurgente.

DNA

Troca tudo, troca

troca, dá de troco,

a célula-tronco.

CASÓRIO

Noiva linda

Vem a noiva

Noiva nova.

TRIBO

Papai porrada-pai

Mamãe mamada-mãe

Vovó vingada-vai.

CAÇA

Passou por aqui

a cutia gigante, carne

pra muita gente.

FESTIVAL

Dança menina, bate

o pé no chão, levanta

poeira, alegra o coração.

Ditadura

Ficaram os filhotes,

ovos de serpente

serpentina e confete.

Big stick

O marchar interminável

da legião de soldados.

Tão longínquos os túmulos!

Piorréia

Por boniteza comprou

novos dentes. Na boca doída:

angu, feijão, carne moída.

Oferenda

Damos esse bode,

pranto, dor, desengano,

em troca de um bom ano.

Dureza da vida (não publicado)

Cai de coco na pedra bruta

abre o berreiro, na fruta

amassa até pensamento.

A vida é como pipoca (não publicado)

Doce, Salgada,

só existe

quando estoura.

Lembrança

Ao Clayton Garcia

Que fazia poesia, sua vida,

vidro que quebrou.

Sedução

Olho o corpo,

sinto o cheiro,

saboreio o tempero.

Receita 1 (não publicado)

Ancas, pernas, seios,

Barriga, bunda, lábios,

Voz doce, decidida, prantos.

Receita 2 (não publicado)

Uma pitada de fé,

Carinhos, calores,

Olhos belos, sedutores.

Receita 3 (não publicado)

Fadigas e espantos.

Dá você de mamar,

Dorme perto, me acode.

Receita 4 (não publicado)

Não é assim,

É assado.

O pão está preparado

Receita 5 (não publicado)

Uma lágrima salgada,

duas carícias doces.

já são três dias e nada.

Receita 6 (não publicado)

Está pronto o manjar.

Come que te faz bem.

O cozinheiro é o amor.

LUTO

Simples, eu sou simples

chego a ser um simplório,

sou simples tal defunto em velório.

NAUFRÁGIO

Simplesmente sou,

simples e recatado,

simples como barco afundado.

HONRA

Simples, honradamente simples,

simplesmente atento,

simples desespero.

FOME

Simples como ave que gorjeia

E sente fome por inteiro

bica o chão e engole areia.

TRISTEZA

Simples, simplesmente eu,

só e somente eu,

simples homem que chora.

SOLIDÃO

Simples, com desejos simples,

chego a sonhar que existes,

ser que por mim implora.

Veredicto

Novo rico deputado,

dobra ganhos e proventos,

não espere os cem anos de perdão.

Mulher-aranha (não publicado)

O perfume atrai,

a seda invisível chama,

pro calor da tua cama.

Iluminação.(não publicado)

Ecologia.

Fazer sem fazer

É só fazer

O que deve ser feito

DPOC

Assopra o fogo

Do interior

Sem se queimar.

Hubble

O contorno do objeto,

não está dentro nem fora

está onde não existe nada.

Digestão

Do príncipe celeste

Depende o teu humor

Fica bem com ele.

Sono

Dormir, sonhar talvez

O manto negro da noite

Retirado, de novo vivo.

Biodiesel

A enxada empaca,

entre os pés de mandioca.

Ah! vida malvada.

Molejo

Na moldura do quadril,

escondido o ar-diu,

do amor, sua entranha.

Natalino nato

Feliz compadre meu.

Saiu de Irajá, perdeu o dia

nas vitrines do centro da cidade.

Amor Culpado

Não, não me diga não,

não faça patifarias

que lhe deixo sem perdão.

Não li e não gostei. (não publicado)

Texto, pretexto, protesto,

entendido até certo ponto,

- não lido e detesto.

Semgracíssimo. (Não publicado)

Reverendíssima excelência

Meritíssima, grandiloqüência

Evoco o vácuo da decência.

Tsunami ~(não publicado)

A praia secou

O mar sumiu

Puta que pariu!

Paraíso Zen

Há nada que não é nada,

tudo que não é nada,

nada que é quase tudo.

Nostradamus (não publicado)

Amamos nossos amos

Apaixonados estamos

Por muitos anos e anos.

Oração do incréu arrependido

Sei que o Senhor é grande

e detesta puxa saco,

imploro, assim mesmo, amém.

Desferir o amor

Imersos na ignorância.

Possa a paz ser mais

do que não-beligerância.