Uma professora chamada dor.

Muito se tem falado, escrito, pesquisado e estudado sobre a dor humana, sobre suas conseqüências, traumas e malefícios, sobretudo na atualidade, onde o homem em sua torpe convicção pensa deter todo o domínio das ciências e possuir todas as soluções para os males que assolam a humanidade.

Mas afinal, o que é a dor ? Que quer dizer essa pequenina palavra que tanto nos encomoda ?

Procurando-se no dicionário, encontramos a seguinte definição:

do Lat. dolore

s. f., sofrimento físico ou moral;

mágoa, aflição;

pesar;

dó;

condolência, piedade;

remorso;

(no pl. ) manifestações dolorosas que precedem o parto.

— de cotovelo: ciúme; inveja; despeito.

Será que é só isso que a palavra dor representa ? Devemos nos limitar a acreditar que ela tem somente esse significado, já que representa para a humanidade, um dos maiores problemas recorrentes da atualidade, e quiçá o maior ?

Dizem que só quem conhece a intensidade da dor, é quem a sente.

Ao longo das oportunidade, temos estudado, presenciado e vivenciado testemunhos e experiências que nos levam a crer que a dor não é somente como um algoz, que tem como principal objetivo, castigar e punir. A razão apresenta-nos explicações e deduções que nos conduzem a outra realidade, quase sempre imperceptível para a maioria: que a dor tem uma razão de existir. Entendemo-la como uma grande professora e amiga. Amiga de todas as horas. Nem todos a compreendem, mas é uma ótima aliada. Nem todos a querem, mas é necessária... Ela pode representar um sinal, um alarme, uma sirene, uma advertência. Tem a sua tarefa. Não está no mundo por acaso, como foi citado anteriormente, pois o acaso não existe (caput niilismo). Sem a sua presença, aconteceriam os fatos mais absurdos, os exageros mais extravagantes e as leviandades devastadoras das paixões mundanas seriam ainda piores. Na sua ausência, o homem morreria sem perceber.

Pode ela ser algumas vezes a dor de cabeça, a dor no fígado, a dor de dente, a dor nos rins, a dor de estômago para dizer que alguma coisa está errada no organismo.

Outras vezes se apresenta como cansaço, que impede de trabalhar mais do que o permitido, pois sem as dores musculares o homem se tornaria um trapo sem perceber.

A dor nada mais é que o efeito da causa imprevidente, ocasionada quase sempre pela invigilância do bom senso. É a reação, filha da ação impensada, imatura e imprudente.

Apesar de tudo, a dor é uma grande professora, é ela quem adverte o bêbado que caiu no chão, o alcoólatra hepático que não valorizou o fígado, orienta o guloso que abusou do apetite, também é amiga do viciado que sentiu os sintomas da abstinência e do cansaço físico-mental. Ela é companheira dos que sofrem de amor, de ciúme, de traição, de abandono, de dor-de–cotovelo, de amor platônico. Está presente naqueles que sentem a perda, a derrota, a humilhação, o fracasso, a agressão, a reprovação, a insensibilidade alheia.

Aparece algumas vezes disfarçada de saudade, de filho perdido, de romance terminado, de ofensa, de calúnia, de equívoco, de desprezo, de desespero, de indiferença, de crítica, de difamação, de agressão, de rejeição, de fome, de miséria, de conseqüência das batalhas mal planejadas, das guerras desnecessárias, dos conflitos inevitáveis, de morte do ente querido ou do amigo próximo.

Ela é a advertência, companheira constante dos incautos. É o choque repelente que avisa quando o perigo é iminente.

Normalmente sentimo-nos vidraça diante da pedra dor, mas não é somente o papel de verdugo que ela assume, seu objetivo é fatalmente conduzir-nos à evolução moral, pois é a professora que disciplina e educa os rebeldes, é ela quem o obriga o orgulhoso a despir-se dos trapos da vaidade, é a necessidade que anima os acomodados e regula o ócio, que afasta a estagnação física e mental. É ela quem estimula o progresso das ciências químicas e biológicas, o avanço das pesquisas sobre as moléstias corporais e da psiquê, as descobertas e invenções de novas substâncias e os adiantamentos científicos até hoje conhecidos.

A máquina humana é sua colaboradora. Suas terminações nervosas permitem que ela seja sentida em praticamente toda a extensão do maior órgão do corpo humano: a pele. Pode ser sentida na derme e na epiderme também. Pode ser sentida internamente e até onde não se imagina. Pode ela ser até a "dor sentida na pele", como se diz popularmente.

Quando se manifesta, é porque algo está acontecendo de errado. Não é vingativa. É reativa, justa, solidária, amiga e mentora. Apenas vem de mansinho para prevenir sobre problemas maiores que poderão surgir. Não é companheira da morte, ao contrário, vem alertar sobre ela. Referimo-nos aqui, à morte do progresso intelécto-moral, que é a pior de todas, já que a morte corporal é apenas estado transitório e porta de entrada para a pátria maior.

A dor pode ter muitos outros nomes. Por vezes, tem o nome de tristeza, de angústia, de fossa, de depressão, de mal-estar, de azar, de enxaqueca, de sinusite, de ansiedade, de ressaca moral. Tem muitos nomes, mas é sempre a dor. Dor física, dor psíquica, dor moral, dor sentimental.

Quando seu nome é tristeza, chega para advertir que nem tudo está bem. Poderá ser falta de amor, falta de compreensão, falta de atenção, falta de compaixão, falta de perdão ao próximo, falta de perdão a si mesmo, falta de tolerância, falta de caridade, falta de solidariedade, falta de fraternidade, falta de humildade, falta de humanidade, falta de sensibilidade, falta de generosidade, falta de sentido da vida ou excesso de auto-comiseração.

Quando seu nome é solidão, chega para dizer que ninguém é feito para viver isolado, porque nenhum homem é uma ilha, e que todo coração humano deseja amar e ser amado, pois todos foram criados para convivência pacífica e fraterna.

Temos plena convicção de que um dia ela não mais irá ter tantos nomes. Provavelmente terá poucos, chamar-se-á paz, felicidade, harmonia... mas, enquanto existirem coisas erradas neste mundo, até quando os homens tiverem um comportamento errôneo, e até que existam pessoas que não vivam em conformidade com as leis da natureza, pois querem viver uma outra vida, uma vida artificial, uma vida complicada, materialista, frívola e vazia, seu nome continuará sendo tristeza, solidão, cólica, dor de fígado, cálculo renal, dor de cabeça, bursite, dor-de-cotovelo e tantos outros nomes.

Um dia seremos felizes e teremos alegria. A dor não fará mais parte da humanidade. Não mais existirá. Um dia não haverá mais lágrimas, não haverá mais tristezas e nem ranger de dentes... e a própria dor será feliz também. Será feliz porque pode ser um instrumento de advertência, um sinal de alerta, o agente disciplinador das mentes endurecidas e revoltadas, a alavanca do progresso necessário. Será feliz porque terá feito outros felizes, mesmo que incompreendida à época. Por enquanto, ela sente a felicidade de servir. Sua missão é servir. Para quem a aceita com resignação, ela é caminho de paz. E finalmente quando todos nós internalizarmos, aprendermos e apreendermos seus ensinamentos e lições em nossos corações, não mais a chamaremos de verdugo e nem de dor, apenas recordaremos dela com amor, como fazemos quando lembramos de um querido professor.