Retratos

Tem dias que precisamos organizar as bagunças, limpar as gavetas, jogar fora coisas que já nos sãos inúteis. Hoje decidi que a arrumação seria nos arquivos das fotos tiradas ao longo dos últimos anos e armazenadas em um case velho, aparentemente suplicando sua aposentadoria.

Normalmente, faxinas são tediosas, cansativas... imaginei que esta não seria diferente. Ficar horas presa frente ao computador me parecia um tanto frustrante.

Sempre fui apaixonada por fotografar.

Momentos, pessoas, paisagens, animais... eternizar imagens além das nossas lembranças, poder mostrar aos outros pequenos episódios de nossas vivencias, me parece mais atrativo do que apenas relata-los. As imagens falam por si só, completam com a magia que, às vezes, se ausencia no falar.

Dei início a tarefa. Pude avaliar calma e claramente a evolução da tecnologia na qualidade das imagens e percebi que muito tempo se passou.

Exclui algumas fotos de pessoas que hoje já não sei quem são, lamentavelmente, não se fizeram importantes.

Exclui fotos tortas, mal tiradas, mas não aquelas que apesar da falta de foco, ou da completa e inigualável inabilidade do fotografo, continha verdades, mostrava a brandura, o amor e a felicidade dos instantes vividos.

Angariei recordações e alguns amigos que perduraram apesar da distância, e, por instantes, ouvi suas vozes, os risos, a troca de afeto e amizade.

Me surpreendi com o crescimento dos meus filhos e como cresceram depressa demais... desejei voltar no passado, quando eram apenas duas crianças, indefesas, amorosas, dependentes de mim.

Senti orgulho pelo belo trabalho que fiz como mãe, porque pude enxergar naqueles olhinhos a mesma essência que transparece e evidencia as pessoas justas e iluminadas que são, e hão e ser, até o final de seus dias. Apesar os momentos difíceis, vividos com privações, me dei conta que o amor prevalecia, que a esperança transbordava dentro dos seus corações. Me senti plena, com a sensação de dever cumprido.

Diante deste sentimento nostálgico, carregado de satisfação, me desafiei a avaliar-me na mesma proporção conferida aos meus filhos, atentando criteriosamente, aos mais imperceptíveis detalhes.

Reparei nos trajes que usei, na forma que penteava os cabelos, nas evidências dos momentos molestos e nos faustuosos.

Constatei os erros e acertos experimentados através os anos, mas que simplesmente se dissolviam perante o otimismo e a vontade de vencer.

Espreitei a cada foto o brilho no olhar que por vezes reluzia e por outras, empalidecia, contudo, marcava presença em qualquer lugar.

Atestei a minha modesta intitulação, concedida por mim mesma: vitoriosa!

Esta arrumação fez surtir efeitos que ultrapassaram meus objetivos iniciais. Aposentar o velho case, liberar espaço no computador, assegurar-me de riscos menores de um dia, por descuido ou acaso, perder os mais de dezoito mil retratos colecionados por toda uma vida, ou mesmo a comodidade de acessar tais arquivos no celular, pela internet, com poucos cliques, evitando caixas e mais caixas de fotografias impressas.

O grande marco desta história, foi que, apesar de todos os pesares, colecionando inúmeras cicatrizes, tudo foi vivido com alegria. Comprovei que caminhei entre belas paisagens, por caminhos muito mais iluminados do que sombrosos.

Vi que dentre as pessoas que passaram em minha vida, pouquíssimas saíram aborrecidas, a grande maioria saiu agregando valores positivos compartilhados comigo até aqui.

Carregar a beleza de manter nos olhos o desejo e a paixão pela vida, aliados a empatia e ao amor, me proporcionaram compreender que a felicidade está aqui e agora, e que cada instante vivido intensamente, eterniza algo dentro de nós, que nos assegura saborear o jubiloso prazer da completude.

Léia de Oliveira
Enviado por Léia de Oliveira em 02/04/2019
Código do texto: T6613903
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