Lugar de branco

Desde pequeno passei a sonhar com a igualdade na Terra.

Primeiro sonhei que era preto e minha familia era preta e meus amigos eram pretos. Fui pra escola me achando o mais preto dos brancos e não entendi porque continuei com os mesmos privilégios de sempre. Era meu sonho se realizando. Estava certo que o racismo tinha acabado.

Tempos depois passei a ver o maltrato com as meninas. Era preciso sonhar e, dito e feito, aquela noite sonhei que era preto e menina. Nessa época já ía sozinho pro colégio e, me achando a mais preta dos brancos, desfilei pela calçada e nem um traço de desdém na roda de amigos. Outro sonho realizado.

Não tardou a explosão do movimento LGBT e imediatamente sonhei que era preto e gay. Terminava os estudos pré vestibular e lá fui eu, o mais viado preto dos brancos não entendendo a algazarra. Nem me notaram.

Mas olha aquela gorda... e pobre... se perdeu, claro, ou veio arrumar serviço na faculdade. Que isso, gente! Vamos sonhar com um mundo melhor! E foi só querer que aquela noite eu sonhei que era preta, gorda e pobre. Passei pelos altos círculos acadêmicos me sentindo a mais preta, gorda e pobre dos brancos. Olhar torto? Nenhum. Problema de acesso? Nenhum. Era o sonho de um mundo igual, enfim, porque não vi qualquer vestígio de racismo, preconceito ou discriminação.

Então, mataram outro preto, outra mulher foi espancadaa, outro gay depreciado, outra gorda mal falada e outro pobre excluído.

Mas dessa vez foi diferente. Dessa vez não teve sonho, porque já era mais do que passada a hora...

E, finalmente, eu acordei.

Vidas pretas importam.

As brancas também, ninguém disse o contrário.

Mas vidas pretas correm perigo.

O racismo é estrutural.

Questione a naturalidade das coisas porque somos racistas "naturalmente".

Quando um branco se cala frente ao racismo, muitos pretos são calados nas prisões  de cimento, da injustiça e da morte.

E vidas pretas importam muito para continuarem sendo eliminadas assim.