Estoicamente

Aos vinte anos sonhava com o amor. Aos 25 via os meus amigos casarem. Ia à igreja e imaginava-me a entrar com quem escolhi para minha mulher ao som de “Love of My Life”, dos Queen. Numa igreja antiga. Uma acústica fabulosa, encerrando em si séculos de história. Onde milhares de pessoas uniram as suas vidas. Onde milhões de crentes confidenciaram seus pecados, seus dissabores, suas mágoas. Um espaço vestido de história. Viva, sentimos as vozes desse passado ecoando, assomando nas paredes e contando a sua passagem. Procurava essa sensação no meu casamento. Tudo entre velhas paredes. Cheias de figuras sacras. E no púlpito os nubentes. Imaginei vezes sem conta. Se sonhar novamente será pela enésima vez.

Sonhei aos 25 anos.

Hoje gostava apenas convidar quem eu amar a partilhar o catre da loucura. No hospício chamada vida. Numa loucura só nossa. Envelhecer, tragando lentamente e degustando cada momento ao lado do meu amor louco. Sim, pede-se sempre louco. Nada menos, pois será sincero e forte. Riqueza protegida a dois.

- Sim, convido-te mas tens de passar o diagnóstico. Ah! Pois é, de atestadinho passado (risos).

- Por falar nisso, trouxeste o atestado? Sem ele não caso (risos). Não uno o meu destino ao teu sem essa prova escrita (risos).

Quero que sejas louca. Quero que percebas o mais íntimo de mim. Quero-te cúmplice na minha vida, amiga, companheira. Também, selvagem na cama. Sem limites. Apenas uma ressalva: esta tábua que divido contigo só tem espaço para dois…

Sou demência. Sou amor. Sou tudo, sou nada. Sou eu. Tens de saber, aprender, a amar-me por todo. Ou tudo ou nada, assim deve ser.

A cerimónia…

Isto sem um evento, perde a graça (risos).

Nus. O céu como testemunha. Abençoados repetidamente pela chuva, que nos toca freneticamente, mostrando a sua presença. Se estivesse frio, sempre poderíamos fazê-lo no chuveiro. Mas não teríamos o céu por testemunha e consumaríamos o casamento antes (risos). Ficávamos sem cerimónia (risos). Também não é má ideia…

Estremecemos ansiosos. Eu ajoelhado (adoro as vistas – risos). Eufemisticamente casamos. Nossos corpos ardem, como num inferno, de desejo. Nossos olhos brilham. Estoicamente apaixonados. Dois loucos. Unidos num amor condimentado de gosto longo. Sabor salgado. Picante com toda a certeza! O paladar vive sôfrego em nossos corpos.

- Juras pela – não me lembro de nada (risos) – compreender o louco Carlos e empreender a seu lado a longa viagem neste hospício que é a vida?

Anseio pelo Sim.

Receio o Não.

Não serás assim tão louca?!

Não tão louca, a ponto dividir um catre de amor e loucura.

Fico sedento. Fico à deriva.

Quero-te louca. Sente. O pensar é humano, mas nem sempre é preciso.

Deixa o coração e o corpo fazer de ti minha.

Diz que existes?! Grita comigo:

- Carpe Diem! O momento somos nós!

Kadú
Enviado por Kadú em 07/01/2010
Reeditado em 07/01/2010
Código do texto: T2016418
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