Carta aos filhos...

Sua vida como filho não havia sido fácil, perdera a mãe muito cedo, ele uma criança, ela uma jovem senhora de 37 anos, seu pai, então um jovem adulto aprisionou-se no seu luto e nas suas culpas além do remorso por não ter-lhe oferecido uma vida mais digna, sentimentos esses que o perseguiriam pelo resto de sua vida.

Cerca de sete anos depois da morte da esposa querida, ainda enlutado, deprimido e doente, o pai sofre o primeiro de dois "derrames", restavam agora além das sequelas emocionais, as físicas, não menos limitantes.

Assistência médica possível, más experiências com cuidadores não profissionais, melhor seria acolhê-lo em casa com a imediata concordância da esposa e filhos pequenos.

Sua família, de pronto, também abraça o cuidar, mas começam a vir a tona as mágoas passadas, questões não resolvidas do coração do menino que na mente adulta insistia no que não entendia.

Três anos e meio após sua chegada, cansado e pedindo perdão, o filho se dirige ao pai e pede que consinta em ir para uma casa de repouso.

Num sábado, conforme combinado, avô, filho, nora e netos, ao final da tarde, banho tomado, compromisso a ser cumprido, no porta-malas do carro uma cadeira de rodas e uma pequena mala com seus remédios e algumas mudas de roupa.

Dona Helena, responsável pela nova casa, os recebe à porta, feitas as últimas recomendações, beijos, lágrimas e um último pedido, "perdão meu pai" e às 19h00min deixam-no naquele bom, mas para ele estranho lugar.

As crianças querem ir passear e o shopping é o destino, logo após chegarem em casa, por volta das 22h00min os pequenos sossegam e dormem e, não mais que 30 minutos, o telefone toca, D. Helena se desculpa e avisa, seu pai se despedira dessa vida.

Os laços fortes e confusos de amor e mágoas, graças ao distanciamento por breves instantes, relaxaram e propiciaram a partida.

Tudo a seu tempo, para certos desígnios não há ainda verbos que expliquem, somente a fé de que assim foi preciso.

Já muitos anos passados, em carta aos seus filhos, hoje homens criados lhes escreve, ponderando:

Pode parecer exagero mas, em relação às opções profissionais, preocupo-me com o caminho que cada um venha a escolher, acredito que atualmente está até mais difícil que no meu tempo, com idade equivalente.

Tomo a liberdade de fazer essa consideração não só em relação ao trabalho mas na vida como um todo, uma decisão precipitada pode trazer dificuldades maiores um pouco mais à frente, razão pela qual lhes peço que, na dúvida, pensem um pouco e que possamos conversar sobre quaisquer assuntos que se façam necessários, sem nenhuma restrição.

Vocês muito me orgulham com suas realizações e conquistas, bem mais do que os eventuais problemas que fazem parte de nossas vidas.

Ninguém é obrigado a acertar sempre e, tampouco ser auto-suficiente, a propósito, esse é o maior e mais comum engano em que nos enredamos na vida.

Nada em nossas vidas é por acaso, peço que reflitam a respeito, nos amamos e somos uma boa família.

Que Deus os guie e proteja sempre, intuindo-lhes ante as dúvidas dos caminhos a seguir, sei que farão o melhor possível, não se cobrem além da conta.

Beijos,

pai