À Porta da Suposta Eternidade estou Eu!

Entrarei na história como anônimo, assim como todos nós. Somos heróis sem divulgação, sem reconhecimento, apenas os fatos, acontecimentos é que dizem que alguém os fez diferentes. Como não sabem a quem agradecer, o fazem a seus deuses e orixás.

Assim desceremos a "campa fria"; sem lembranças, sem aplausos, sem sorrisos ou lágrimas. Talvez uma lápide e algumas flores seja colocadas sobre o local onde nos enterraram para sinalizar quando precisarem do lugar para outros colocarem.

Amigos que viveram tempo e tempos juntos, assim será nosso fim, nosso término aqui, que desde que chegamos vivemos para todos, menos para nós. Morreremos ocultos das vistas de todos, sendo talvez alguns poucos testemunhas do tombar dos "heróis" despatriados, não queridos, feridos pelas balas, facas e palavras malditas daqueles que nunca nos entenderam.

Mas uma coisa é certa: iremos de cabeças erguidas, de pé, ainda que o corpo físico esteja largado ao chão sem vida. É apenas o invólucro que ficará, e que logo também desaparecerá. O importante é o serviço que foi prestado, mesmo sem agradecimentos e aplausos.

É assim que estou indo, amigos vindos, que se foram, que estão, e outros que virão e continuarão com a missão. Está chengando minha hora, como dizem aqueles que nada sabem sobre o tempo de um homem.

Mas, meu desejo, como o de todos nós é de se confundido com os vermes, com os animais, a relva, as águas dos rios e igarápés, ser comidos e carcomidos por onças e jacarés, ser diluído com a mata, com as plantas até desaparecer por completo. Que o caixão seja nossa selva mãe, que nos abrace de volta num eterno aconchego como aqueles que estão a nascer de novo. Que até nossas vestes sirvam de adubo natural para compartilhar com a vida exuberante que por todos os cantos aqui há.

Me levaram de novo a capital para homens e mulheres sem mentes me enxaminar. Sabem que preciso ir, que estou indo, que nada mais resta a fazer, mas ainda querem me bulinar.

Amigos que amei, inimigos que persegui e venci, outros tantos que acreditam terem me vencido, a todos vocês meus agradecimentos em forma de risos, de alegria, de contentamento, porque estou indo sem surpresa, no momento exato, nem moleza, nem dureza, apenas um homem que se desfaz fora dos olhos dos amores e dos capatazes.

Lembranças ainda tenho do menino de Tefé, dos olhos de águia, da fera silenciosa, do falcão eficiente e voraz, do filho do cacique com Ariná, dos tambores de xauguara, dos olhos de menina e dos olhos de águia. Irei ao encontro daqueles que serviram até a morte, que se foram inoculados com os cheiros e o sumo das ervas que adormecem, que fazem dormir para melhor passar para o outro lado.

Sim, istor é um rompimento que se aproxima para acontecer. Mas só vou saber quando estiver do lado de lá, se é que existe este outro lado, ou apenas me desfaço e me reconstruo nas feras, nas árvores, nas águas, na lama, em vermes e adubo.

Irei respeitando e tendo respeito dela, a Natureza mãe que nunca nos desamparou, que sempre nos acolheu, nos abraçou; nos dando comida e água, nos alimentando para mais um dia viver e vencer.

Termino dizendo que nunca me preocupei com deus ou deuses. Se existem, que agora se apresentem, me recebam e digam-me para que servem, porque o único "deus e diabo" que conheci foram os homens, as mulheres que constróem e destróem sem nenhuma culpa, sem nenhuma preocupação dos outros animais que tanto dependem também de viver.

Fico então nessas palavras: "O que doia, não doe mais, o que sentia, não sinto mais, o que me apavorava, nem de longe me assusta e o que me condenava, chegou a hora, para neste tribunal onde só eu estarei, me julgar.

Mas tudo ainda pode ser um engano, só acreditem quando o último suspiro for verdadeiro.

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Enviado por \\\\ em 12/02/2012
Reeditado em 03/06/2013
Código do texto: T3495544
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