Mãe, não vá embora

Mãe, então o momento que eu tanto temia aconteceu. Você se foi.

E agora me resta suportar a dor da saudade. Será que suportarei? Por enquanto, mãe, ainda não caiu a ficha totalmente. Ainda estou cercado pelos meus parentes, por minhas irmãs. Consolamo-nos uns aos outros, tentando aplacar nossa angústia pela sua perda. Por enquanto estou atarefado com os últimos procedimentos, programar missa, acertar despesas, fechar contas e benefícios, dividir seu espólio.

Mas já começo a me imaginar, mãe, quando tudo estiver resolvido e entrarmos na nossa rotina. E um dia qualquer, mãe, quando eu acabar de ler meu jornal e esperar sua voz me chamando para almoçar, não vou ouvir nada e vou me dar conta da minha profunda solidão. E ao olhar para minhas roupas se acumulando no cesto, vou me dar conta de que você já não estará mais retirando-as dali para lavar. E ao assistir nossa novela favorita, você não estará mais ao lado para eu explicar determinada cena que você não entendeu. E quando eu rir de uma personagem, você não estará mais ao lado para rir junto comigo. E quando eu for ao supermercado, você não estará mais junto comigo para fazermos nossas compras da semana. E na terça-feira, não vou ouvir mais você me dizer que está indo para o clube treinar canto. E não vou ouvir mais você me lembrar dos remédios que tenho que tomar. E não vou ter mais você me massageando os ombros quando suspeitava que eu estava passando por alguma dor física ou emocional.

Mãe, será que vou suportar tanta dor no coração? Dizem, mãe, que o tempo tudo cura ou que tudo passa. Pode ser, mas no momento sinto-me aflito. O que vai ser de mim sem sua companhia? Como suportarei tanta solidão diante da falta que vou sentir da sua presença, mesmo quando estávamos longe um do outro? Sim, você estava presente mesmo quando longe, porque eu sabia que em quaisquer circunstâncias você estaria me esperando em casa e se preocuparia se eu não retornasse na hora prevista. Agora, quando eu estiver longe, sei que você não estará mais em casa me esperando. Não terei mais você comigo me acompanhando com sua proteção, com seu incondicional amor de mãe.

Eu sabia que um dia esse momento ia chegar, mas eu não estava preparado. Vã ilusão a nossa em imaginar que a morte, por ser inevitável, seja mais suportável. Pelo menos com relação a você, mãe, está sendo muito difícil, pela forma como se deu, sem que esperássemos. Mas parece que você foi tranqüila, sem sofrimentos, e isso me consola um pouco. Você não passou por essa fase de inaptidão e dependência pela qual muitos idosos passam, que trazem tanto sofrimento para todos. Você observava esses casos e dizia-me que gostaria de morrer sem dar trabalho para ninguém. E foi assim que se deu sua passagem, mãe, sem sofrimento, sem traumas, como se você tivesse programado assim. Serena, tranqüila. Seu semblante estava tão feliz no velório, você parecia até estar sorrindo.

Agora, mãe, tentarei viver sem sua companhia. Vai ser difícil passar agora sozinho pelos momentos de rotina em que estávamos sempre juntos. Mas vou lembrar-me de que você viveu bem, fez exatamente o que queria, cantou, passeou, cozinhou, ajudou sua igreja, participou de excursões. Você viveu, mãe, e me ensinou que devemos ser livres, que não podemos ser dependentes de nada que nos aprisione, seja de que tipo de prisão se trate.

Mas não vá embora, mãe, fique comigo. Não fisicamente ou espiritualmente, porque me custa acreditar nessas coisas. Fique comigo quando eu me lembrar de como você era, de como você me falava, de como você ria. Fique comigo quando eu vê-la em memória no supermercado carregando o carrinho de compras, no palco cantando karaokê, atrás de mim massageando meus ombros. Quando eu vê-la em memória se despedindo para ir ao clube ou ao templo. Quando eu vê-la em memória na cozinha preparando nosso almoço. Quando eu ouvi-la em memória ralhando comigo por não ter tomado meu remédio.

E eu ficarei feliz. Vai me bastar a simples lembrança do que você era para eu continuar em frente. Vai me bastar a simples lembrança de que você queria que eu apenas fôsse feliz e nunca ficasse triste.

E eu serei feliz, mãe, para atender a seu desejo. Para que o ciclo da vida continue, com seus insondáveis e dolorosos mistérios.

Paulo Tadao Nagata
Enviado por Paulo Tadao Nagata em 02/11/2006
Reeditado em 26/07/2008
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