Mãe

Naquela madrugada, na solidão da noite dividida com a família, comecei a pensar em alguma coisa para falar. Eu queria falar para você.

Então começava em meus pensamentos algumas frases. Mas não estavam como eu queria e assim como um rascunho, embolava tudo aquilo, jogava no lixo e começava tudo de novo.

E novamente embolava e jogava no lixo.

A nossa mãe transcende o enigma das palavras. Pela pessoa iluminada, a escrita era pouca para lhe decifrar.

Falar das coisas que ela representava, toda a dedicação para com o outro, seria repetir o que todos vivenciavam no dia-a-dia

Então percebi que não conseguiria falar sobre ela. Senti-me incapaz de transmitir tudo aquilo que era.

Mãe.

A mulher, a protetora, a que ajudava sempre sem medir esforços. Tantos banhos, tantos umbigos curados.

A mulher alegre que gostava de cantar, passear, viver enfim.

Tantas coisas ela abriu mão para que pudéssemos ter uma educação ilibada. Criar uma família, ser a dona do lar e apoiar o marido durante sua tarefa diária de nos conduzir.

Tudo isso ela externava com tanta simplicidade que parecia fácil demais ser mãe.

Dentro de tudo isso que ela mostrava, havia outra mulher, uma lutadora, firme como uma rocha, doce quando precisava ser.

Havia uma mulher que seria capaz de dar a própria vida para que todos nós tivéssemos tranqüilidade e segurança, uma mulher que dispensou tudo, tudo mesmo, para colocar na prática de sua vida o valor de ser verdadeiramente mãe.

Assim como uma vida de luta e desafios onde um herói precisa mostrar sua força, ela lutou incansavelmente tantas batalhas. Parte delas já teria feito muitas pessoas desistirem, mas ela não.

O amor que ela tinha por todos nós foi capaz de sustentá-la a ponto de ela preterir a si mesmo somente para que nossos esforços fossem direcionados ao grande amor de sua vida.

Então ela começou a lutar. Uma luta injusta, num tempo injusto. Não havia esperança no homem, mas ela encontrou em sua fé a esperança de viver e lutar com dignidade.

Dignidade foi a bandeira que flamulou bravamente quando os ventos pareciam soprar na direção oposta. Foi o que ela nos passou todo esse tempo.

Dignidade. Ela nos mostrou quando na dor intensa, ainda sim não pronunciava uma só palavra que ofendesse ou abalasse sua fé em Deus.

Dignidade que a permitiu não se entregar e lutou até o fim.

Com um sorriso no rosto ela nos recebia, um beijo tão doce estava sempre guardado para que nossa face fosse abençoada por ela. E a preocupação de sempre; manter a família única.

Ela se revigorava a cada encontro com os filhos. Sorrisos sobravam quando toda família se reunia para comemorar... Nem tinha o que comemorar, mas reuníamos para estar perto um do outro, para transmitir paz à nossa mãe.

Ela participava de tudo, via tudo, sabia de tudo. Numa noite desses encontros ela me chamou em seu quarto e me pediu para não deixar morrer toda aquela alegria que a nossa união proporcionava.

Tantas as preocupações naquele momento e ela olhando por nós. Amor incondicional. Só isso poderia nos explicar a força que ela buscava, não para se proteger, mas a nós, seus filhos.

E sendo assim tão especial, essa mulher concebe à vida, pessoas especiais. Dela ramificam filhos e filhas que mesmo sem saber foram preparados para assumir para ela os seus cuidados.

E foram muitos, e foram tantos. Horas ao lado da cama, o carinho que algumas vezes confundiam os papéis e ela se tornava a filha.

Ela não estava sozinha. Em sua luta, aliados de valor moral e espiritual igualmente ilibados estavam ao seu lado, aprendendo com ela. Lições que certamente vencerão o tempo e a nós mesmos e perpetuará o nome da nossa família.

A dor nos invadiu. O silêncio fez calar nossa voz. Um suspiro e ela partiu.

Serena.

Em paz.

E, certamente feliz, pois estava novamente nos braços de seu amado. No conforto de Deus.

A nós, resta-nos viver esta dor. Trocaremos o sofrimento pelas lembranças de uma vida inteira passada ao lado desta tão maravilhosa figura de mãe.

Teremos também o dever de respeitar a dignidade com a qual ela lutou. Não mancharemos sua vitoria. Porque nesta luta contra a morte ela não perdeu. Ela venceu seus próprios limites e elevou-se ao céu, ao lugar onde os heróis são aclamados.

Nossa união mãe, tantos outros encontros você vai presenciar e participar conosco. Sentaremos àquela mesa redonda, contaremos casos, sorrisos sobrarão lembrando as pérolas soltas entre as conversas.

Certamente jamais seremos os mesmos. Esta lacuna, intransponível, permanecerá. Mas, assim como aquela palavra em seu ouvido, descanse em paz. Seremos os melhores de tudo aquilo que você nos deixou. Seremos sempre seus filhos.

Uma data, muitas saudades.

Para minha mãe.

Luiz Caeté
Enviado por Luiz Caeté em 11/04/2012
Reeditado em 27/10/2012
Código do texto: T3606097
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