Depois de quase 21, ontem você faria 43

Abri a caixa de texto e aqui vou colocar o que me vier na cabeça, assim, espontaneamente, pois assim foi, enquanto o pouco que durou, a nossa amizade. Ontem você faria quarenta e três anos, seríamos dois quarentões tomando uma no fim da festa ouvindo Raul e pensando sobre o mundo. E daqui há alguns meses fará vinte e um anos que você se foi. Já será sua maioridade aí no paraíso, meu caro. E ao longo desses vinte e um anos o que eu senti foi muita saudade, muita falta dessas nossos papos cabeças de onde na verdade só saía merda, mas eram nossas ideias e eu nunca mais tive ninguém com ideias tão parecidas com as minhas. E olha que não fomos criados juntos, não vivemos sempre na mesma rua, não convivemos em escola. Já fui te conhecer depois dos dezoito, você ainda com dezesseis, contínuo do Banco do Brasil, com uma possibilidade de emprego dos melhores daquela época, mas que foi perdida por conta da imaturidade e do descobrimento de coisas na vida que naquele momento valiam completamente a pena: cachaça e mulher. Pois é, sou testemunha dos momentos difíceis que você passou, batendo massa sol a sol pra conseguir uma grana, o divórcio dos pais, a debandada dos irmãos, ficou o velho pra você cuidar, o velho que gostava tanto de você quanto da maldita pinga do boteco. Dava trabalho mas você conseguia se virar, chegava fim de semana exausto e a gente ia te acordar domingo às oito da matina pra jogar bola. Cara, você tinha uma energia que eu sempre invejei! Sempre foi o mais animado, o que agitava a turma pras nossas festinhas (que a gente chamava de "buchicho"). Depois do acidente que te levou embora, isso tudo acabou, porque era você que armava tudo. Nada disso fez mais sentido. A rotina foi ficando pesada, meu amigo. Hoje, mais de vinte anos depois, muita coisa mudou. A maioria da turma eu nem vejo mais, há muito tempo. Um ou outro eu encontro por aí, diz que a gente precisa se reunir pra lembrar dos velhos tempos, mas nunca acontece nada. No fundo acho que pra eles nada disso mais faz sentido também. Mas o que eu fico mais sentido é que você não esteve aqui nesses últimos quase vinte e um anos. Só tua lembrança que eu guardo comigo, levarei comigo pra sempre, meu amigo, por que você foi a grande amizade que eu tive na minha vida, aquele tipo de pessoa que nem todo mundo dá sorte de encontrar durante toda a sua existência. Obrigado, cara, pelos quase cinco anos que você me deu o privilégio de chamar de amigo. De vez em quando eu apareço lá no cemitério, pra dar um alô e deixar algumas lágrimas no chão. E se algum dia a gente voltar a se encontrar, pode ter certeza: vamos nos sentar e abrir uma ao som do Raul. Certamente teremos muito pra conversar.