O amor de dois ciganinhos
Quereis saber realmente o que é carinho? Quereis viver unidos, pais e filhos, no vosso lar? Nesse caso, tendes que aprender o que é o amor. Ides aprendê-lo com as crianças ciganas. A história que te vou contar serve tanto para os filhos como para os pais. Todos precisamos de que nos lembrem o que é o amor.
Estamos diante da Porta Elvira, com as suas treze ameias. Passa por ela e vira à direita. Todo o sol da Andraluzia cai pela encosta do Alhacaba, que dá para o bairro do Albayzin, em Granada.
À esquerda corre o regato. Olha por cima. Dai, da direita, do próprio bairro de Carmen, saem os dois ciganinhos pançudos, protagonistas desta história feita realidade pelo amor dos rapazinhos.
O menorzinho, muito contente, bate palmas. Tem o cabelo encaracolado. A camisa, de fora, não lhe cobre mais de palmo e meio. É quase negro, de um negro puxando para o cinzento-pó-de -estrada. Os pés vão descalços sobre as pedras do caminho. Que idade terá? Pouco mais de cinco anos.
O mais velho é que deve ter dez.
Com a indumentária dos dois irmãos ciganos talvez se pudesse vestir um deles completamente. O menor traz meia camisa, o mais velhos, umas calças que segura com uma alça em forma de bandoleira sobre a carne escura, da cor da madeira enegrecida. O menor dança à volta do mais velho. Este, de uns dez anos, sai devagar do Carmen, à direita, com ar processional, trazendo nas mãos um pote de leite.
Aqui começa o diálogo.
- Senta-te. Primeiro bebo eu e depois bebes tu.
Se o tivesses ouvido! Dizia aquilo com ar de imperador. O menorzinho olhava para ele, com os seus dentes brancos, a boca semiaberta, mexendo a ponta da língua.
Eu, como um tolo, contemplava a cena.
Se vísseis o mais velho olhando de viés para o pequenino!
Leva o pote à boca e, fazendo gesto de beber, aperta fortemente os lábios para que por eles não penetre uma só gota de leite.
Depois, estendendo o vasilhame, diz para o irmão:
- Agora, é a sua vez. Só um pouco.
E o irmãozinho mais pequeno sorve fortemente .
- Agora eu. - E repete a cena, completamente indiferente aos meus olhares brincalhões. Leva o pote já meio vazio à boca, e não bebe.
- Agora tu.
-Agora eu.
- Agora tu.
-Agora eu
E depois de três, quatro, cinco, seis goles, o menorzinho de cabelo encaracolado, barrigudo, com a camisa de fora, esgota o leite
Esses "agora tu", "agora eu" encheram-me os olhos de água.
Sobre um fundo de risos ciganos, comecei a subir a encosta do Alhacaba, cheia de ciganinhos. Ao meio da encosta, voltei a cabeça. Tive vontade de descer e guardar o vasilhame. Aquilo era um tesouro. Mas nem sequer pude tentá-lo. Entre burricos carregados de bilhas, corriam dez garotos atrás do vasilhame de lata, dando pontapés. A lata saltava contra os pés negros, descalços, sujos, de cor cinzento-pó-de-estrada. Também o generoso brincava entre eles, com a naturalidade de quem não fez nada de extraordinário, ou - melhor- com a naturalidade de quem não está habituado a fazer coisas extraordinárias.
É assim, pais, que temos de nos amar.
Autor, Jesus Urteaga, Pais e Filhos Editora Quadrante - São Paulo.
Obs. Lares onde os pais cantam ou toquem instrumentos musicais, a tendência e ter lares felizes.