Poema de Algodão

(Ao Cosme Chuvasco)

meu bom barão,

não o conheço pessoalmente

pelo fato de você não existir realmente,

apenas materializado na imaginação

daqueles que tiveram o privilégio

de acompanhar sua vida sobre as árvores

no reino de penúmbria.

bem sei como é viver nas alturas.

- não que eu seja uma espécie de mogli

do terceiro milênio, embora muitos lobos

espreitem a procura de um único deslize -

sei por ser poeta e viver todo o tempo

nas nuvens que, semelhantes às copas das árvores

por onde passou, são diferentes entre si.

talvez pense que nuvens são partículas visíveis

de água ou gelo em suspensão na atmosfera

como contam esses livros científicos,

mas - palavra de poeta - são algodão doce,

iguaria típica da incrível culinária celeste.

nuvens cirrus são poemas delicados.

cada verso minuciosamente feitos à mão

em pequenas fibras que dissolvem-se no céu.

finos cabelos que vão se escovando ao vento

sem a vergonha de serem grisalhos.

em penúmbria, seria o fruto do damasqueiro.

nuvens cirruscumulus são poemas velhinhos.

as rugas já tomam conta do rosto, mas trazem

em si a experiência dos que há muito começaram

e hoje partilham teus retalhos com os jovens

sem, no entanto, criar sombra em cima deles.

em penúmbria, seria o fruto da videira.

nuvens cirrustratus são poemas pessimistas.

véu que cobre até a cabeça com medo da

tempestade futura, mas que, de vez em quando,

cria coragem e espia através de um pequeno halo

para ver se a luz do sol ainda brilha lá fora.

em penúmbria, seria o fruto da bananeira.

nuvens altostratus e altocumulus são poemas quentes,

casal em banho de espuma que perde-se no amar

e acaba saindo da banheira cheio de rugas nos dedos.

em penúmbria, seria o fruto do morangueiro.

nuvens stratus são poemas melancólicos.

nevoeiro que impede de enxergar a esperança

no fim de todas as coisas e sempre dá a impressão

de que no fim do túnel o que há é o trem

desgovernado e sem maquinista a bordo.

em penúmbria, seria o fruto do pequizeiro.

nuvens stratucumulus são poemas turbulentos.

chacoalham o leitor pela intensidade das palavras,

mas só àqueles que mergulham em seu interior.

em penúmbria, seria o fruto da goiabeira.

nuvens nimbostratus são poemas que choram.

palavras cinzentas que precipitam pela extensão

das páginas e evaporam até alcançarem os olhos

dos leitores... e assim chove duplamente.

alguns se libertam e escorregam em arco-íris.

em penúmbria, seria o fruto do limoeiro.

nuvens cumulonimbus são poemas que sangram.

raios rasgam a pele, a carne e as hemácias,

revelando a fragilidade dos homens que levam

imensas bigornas em teus ombros.

alguns se libertam e voam em tornados.

em penúmbria, seria o fruto da amoreira.

e as nuvens cumulus são poemas moradas,

meu bom barão, muito comum em todos os céus.

bem definidas em contorno são como o carvalho

ílex de teu reino, onde tudo começou.

em minha cumulus leio toda a tua história

e fico feliz que, ao final de tantas árvores, tenha

escolhido voar e vir morar também nos céus...

...e nos céus não tem escargots, só algodão.

Davi Drummond
Enviado por Davi Drummond em 25/07/2015
Reeditado em 25/07/2015
Código do texto: T5323229
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2015. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.