O solteirão
O dia nublado ressalta minhas olheiras.
O sol do final da tarde revela minha sombra envergada.
A brisa da noite que avança me lembra do meu atual estado civil:
vivo.
Veja aquele cara da capa da revista:
Não faz nada, cheio do dinheiro, vive bebendo e pegando lindas mulheres.
É o que chamam de "bon vivant".
Ele aproveita a vida.
Eu também gosto de aproveitar a vida.
Como não tenho dinheiro,
me classificam como "sem-vergonha" mesmo.
O shopping está cheio
e já recebi mil propostas:
o sorriso da menina de bota rosa,
o olhar malicioso da morena perto do cinema,
as mãos da ruiva entre as amigas apontando para mim.
Agora vou avaliar as propostas
e, claro, fazer contrapropostas mais ousadas.
A noite... a noite foi como poucas.
O corpo ardente na minha cama descansa
eu permaneço acordado.
O êxtase já passou.
Ficou algo.
Não sei bem o quê.
Talvez aqueles pensamentos que rondam nossa cabeças nas monótonas tardes de terça-feira sobre nossa vida.
Pensamentos sobre o futuro, compromissos, trabalho.
Aquele estranho desejo de ter alguém ao seu lado para sempre
em todos os momentos.
Esse é o que mais perturba.
Ele espera os momentos mais inoportunos, quando fico vulnerável
para assaltar minha mente
e aqui está ele de novo
tentando me convencer a enfrentar
a armadilha dos compromissos.
Espanto ele e toda o enxame de idéias como se fosse um bando de pombos.
Após a revoada de pensamentos
viro o rosto contra o travesseiro.
Teu cheiro a me lembrar o show que fizemos na cama
e a validade de alguns pensamentos perturbadores.