Do banco do jardim olho a casa. A casa velha, olhada de fora, é um álbum do passado como se sepultasse tudo o que ali aconteceu.
            Ali nascemos. Dali saíram os nossos mortos. A bisa querida curtiu alongada doença. Alguém surpreendeu pela morte repentina. As paredes riram das travessuras infantis. As mesmas paredes que choram a saudade de ausências. O silêncio delas guarda o som do piano e das cordas do bandolim.
            Atravesso o jardim e entro na casa com o espírito que a envolve. A enorme sala de jantar com sua mesa, o velho pessegueiro espiando pela janela. Lugares vazios. Vazios na mesa e no coração. Não é a mesa. É o coração. É ali que tudo acontece. A casa nada pode fazer. Ele apenas viu tudo acontecer.
            Agora que a herdei penso que posso mandar pintá-la. De verde, de cinza, de branco. As cores, por mais que escolha diferentes tonalidades não irá mudá-la. Quero pintá-la por dentro. Pintá-la com humor. Com alegria. Com compreensão. Com amizade para que proteja com amor os de dentro. Para que acolha com ternura eu que retorno vindo de fora.
            No país dos sonhos, dizem que as casas são pintadas por fora, de acordo com o que guardam por dentro. Como ficaria a casa pintada assim?
            Não há cor bonita para a casa. O que há é a beleza do olhar que contempla a cor. Esse olhar é a cor da casa por dentro. É isso que a torna bonita.
            Subo até o sótão para verificar o telhado. As telhas sobre o vigamento de peroba rosa protegem os de dentro das coisas de fora: o vento, o frio, a chuva, o sol. Mas não é assim. O telhado esconde aos de fora as coisas de dentro. Porque o telhado de cada casa esconde um mistério diferente.
            O frio sugere a lareira. Mas nenhuma lareira oferecerá tanto calor, como o amor dos que viveram ali dentro. Herdei, com a casa,  esse calor dentro de mim?
            Junto a lareira o samovar de cobre e o narguilé... A casa vira poema e no poema me abrigo. A casa é corpo: intacta, suspensa no ar como a do poema de Manuel Bandeira.