CHÁ DAS CINCO

Na sala grande, sentada na poltrona em frente à janela aberta para o pátio gramado, a velha senhora segura com mão firme o pequeno livro de poesias.

Ela já perdeu a conta de quantas vezes seus olhos azuis passearam por sobre aquelas linhas preenchidas com a letra miúda e firme do seu falecido marido, o Almirante da Real Marinha Inglesa, que por sua bravura e tenacidade protegera com a própria vida, a foz do rio Tamisa, impedindo a incursão do inimigo sobre Londres.

O Almirante recebeu post mortem o título de Sir, concedido por sua majestade o rei, em cerimônia a bordo da belonave que ele comandara por mais de vinte anos.

Sobre a poltrona estofada de veludo azul marinho, a capa de chuva, o chapéu e o bastão de comando do Almirante Sir George, completava a pequena cena diante da lareira, apagada nessa época do ano.

O mordomo de origem judaico-francesa entrou na sala empurrando o carrinho de chá e com a voz grave dos momentos solenes perguntou:

- Madame, o Almirante virá esta tarde para o chá?

- Sem dúvida meu caro Elemer. Por favor, coloque apenas meia xícara de chá com um pouco de leite e sem açúcar, como ele gosta.

- Oui, madame!

- O que temos para o chá, meu caro Elemer?

- Chá indiano, torradas de pão preto, geléia de amoras silvestres colhidas na propriedade, bolo de nozes, queijo de leite de ovelha feito em casa e biscoito amanteigado.

- Eu quero apenas os biscoitos amanteigados, meu caro, por favor.

- Oui, madame!

O mordomo colocou as três colheres das folhas torradas do chá preto na pequena chaleira de porcelana chinesa e, lentamente, despejou a água fervente do samovar para dentro do bule.

O cheiro inebriante inundou o ambiente fracamente iluminado. Colocou o samovar de volta na parte de baixo do carrinho e cobriu o bule de porcelana com o abafador de plumas de ganso forrado com seda branca, onde fora bordado com fios de ouro, o brasão da família do Almirante Sir George.

Elemer colocou sobre a mesinha do centro, forrada com a toalha de linho branco, a pequena bandeja de prata contendo os guardanapos, as duas xícaras e o biscoitos. Serviu o chá do Almirante e perguntou:

- Posso servir-lhe Madame?

- Quanta gentileza, meu caro Elemer. Fico-lhe imensamente grata. Por favor, apenas dois cubos de açúcar.

- Leite, Madame?

- Apenas um pouco, meu caro, por favor.

- Oui Madame!

E o mordomo entregando a xícara fumegante, recebeu o pequeno livro e dirigiu-se para perto da estante.

- Meu caro Elemer, feche a janela, por favor.

- Oui Madame!

O relógio de coluna, no canto da sala, cujo pêndulo refletia os últimos raios do sol poente, iniciou as badaladas que faziam a trilha sonora daquela cena que se repetia, diariamente, por mais de quarenta anos.

Eram cinco horas da tarde.