A cor negra do amor

Ela alegrava meus finais de tarde. Sempre, ao fim de um mais turno de trabalho, eu caminhava de volta para casa, e a expectativa de vê-la apressava minha saída. Embaixo das árvores, à mercê das sombras, estava minha timidez, que insistia em me acompanhar. Na rua Treze, Curva das Hastes, estava ela, áurea, em sua janela. Eu não sabia seu nome, sua idade, seus sonhos. Conhecia apenas seu rosto, em todos os detalhes. Sua pele negra aludia ao momento do ápice do amor. Cabelos soltos, presos, cobertos: era sempre incerto.

Suas mãos moviam-se em regência, conduzindo os acordes de júbilo carregados pelo vento. Eu caminhava, ansiava. “Será que ela estará lá?”, me perguntava. A curva à minha frente estava: apenas mais alguns passos. E as cortinas se abriam para anunciar seu espetáculo.

Janela e cortina agora abertas. No centro, ela: bela como todas as manhãs, faceira como todas as tardes, negra como todas as noites. Seu sorriso invalidava minha coragem.

Apenas a via por alguns segundos, todos os dias. Eram os mais preciosos segundos das minhas tardes. Nunca ouvi sua voz, nem senti seu cheiro. Meu presente era sua imagem, o retrato da opulência. Queria ter este quadro comigo, para prolongar meus segundos de alegria, e transformá-los em minutos, horas ou dias.

Aproximo-me do lar cintilante, coberto pela nuvem da fartura. Como és bela, oh, pequena. Suas mãos vão de encontro aos seus cachos e, esticando-os, faz-me arrepiar como as águas de um riacho. Suas vistas se perdem nos traços mais distantes dos espaços, contornando casas, árvores e encalços, tudo guiado pelos seus braços que tanto sonhei em conhecer.

Minhas vistas não ousam perdê-la. E a perdem.

Em casa aguardo minh’alma, que lentamente se afasta da casa branca, com janelas de madeira rígida, onde meus sonhos eram concebidos. Minh’alma volta, e traz consigo a realidade. “Tão jovem…”, as palavras voltam a ecoar no vazio dos meus pensamentos. Palavras estas que demoliram as colunas que sustentavam meu mundo. “Pobre moça, tão jovem…”.