Pietà.

Então seu corpo era chama, num ardor que consome. Mais de três décadas de vida mantendo o mesmo vigor e tenacidade da juventude. Desejo, paixão. Com o carinho que sabia lhe dar, não abria mão de também lhe ofertar altas doses de malícia, inebriante luxúria. Muito mais que um marido, um amante, um homem que não lhe negava os prazeres da carne, as delícias do sexo. E no decorrer do tempo, jamais deixou de desejá-la. Entre elogios e cortejos, apalpadas e toques maliciosos, nunca deixou de procurá-la.

Todavia, como bom entendedor que era, percebia depois de um certo tempo, que a cada investida sua, havia uma esquiva dela. Sua procura foi tornando-se vã, apesar de frequente. Praticamente nas poucas vezes que a tinha sentia a sensação de estar recebendo dela uma esmola, tamanha sua insistência até conseguir, por fim. Durante algum tempo sentiu-se mal. Pensava ser incompetente, culpado por aquela situação. Quase acreditou estar fracassado, fadado à desgraça...

Mas como a vida começa aos 40, foi justamente nesse momento que ele se deu conta de que aquela rotina que o tinha atrofiado, transformando-o num praticante de um prazer unilateral, solitário, individual, chegara finalmente ao fim! E no auge da sua maturidade, resolveu viver a plenitude de seus desejos, como homem livre, independente de esmolas sentimentais e sexo por piedade. Na verdade, dessa feita, foi ele quem sentiu pena de si mesmo, e a partir de então, nunca mais se condicionou a ser refém de mulher nenhuma. Aproveitou a vida até seu último dia, e não mais se permitiu desdenhar. Custou-lhe caro; 40 anos! Mas foi pago com satisfação, e vivido o restante dos anos em pleno gozo – com quem se fazia por merecer!

E morreu de amores, nos braços de uma mulher anônima, tal qual uma escultura renascentista, na religiosidade do prazer carnal, na plenitude de sua existência como ser humano – homem!