Dor

Ela tinha quatorze anos quando acordou jogada em uma banheira. As pernas finas mal suportavam seu peso. No espelho refletia a imagem de uma garota do cabelo preto e liso, pele branca contrastando poeticamente com o sangue seco, vermelho vivo que escorrera de seu nariz na noite passada.

Garrafas de bebidas espalhadas pela casa, ela não sabia aonde estava, não sabia mais quem era. Ela estava machucada, fora muito abusada. Não por uma pessoa, mas pela vida.

Ela não sabia aonde estavam as pessoas que lhe amavam, porque talvez elas não existissem. Saiu da banheira e pisou descalça nos cacos espalhados pelo chão. Na sala, restos de cigarros, vômito e uma pessoa desmaiada. Alguém teve uma overdose no dia anterior, mas infelizmente não foi ela. Pelo menos não de cocaína. Mas nesse instante, ela teve uma overdose de tristeza e vazio, injetados nela por vários anos seguidos.

O dia estava tão lindo. Ela subiu na janela do décimo primeiro andar e lembrou-se do seu sonho de voar. Acendeu um cigarro, deu dois tragos e soltou-o na janela. Ela o observou cair e cair e cair. Abriu os braços e fechou os olhos. Deu um passo a frente e voou por infinitos quase dez segundos. Sua dor acabou.