Viver, Viver #Memorial Recantista# #Eu apoio#

Ela olhou para trás, para o tempo que passou. Era tempo demais.

Pensou em quanto tempo ainda teria pela frente.

Seu corpo cansado e arqueado pelos anos de vida e luta queria sossego.

Mas sua mente ainda tinha vida e disposição de sobra.

Sentada na poltrona que acolhia seu corpo pensava no quanto ainda queria fazer.

Quantos livros ainda queria ler.

Quantos desenhos ainda queria fazer.

Quantas histórias e estórias ainda queria contar e escrever.

A família criada, sozinha em sua viuvez sentia que tinha todo o tempo do mundo.

Era tanto tempo que nem sabia o que fazer sem seu velho companheiro querendo sua atenção a todo momento, seus filhos chamando a cada instante, sem tantos afazeres que a casa exigia. Comida preferida de um, roupa que o outro queria, tudo sempre limpinho.

Ela fechou os olhos e viajou no tempo.

Lembrou do dia que se casou há tantos anos.

Muitos sonhos ela e seu amado tinham.

Alguns foram realizados, outros ficaram para trás.

O brilho do amor muitas vezes foi ofuscado pelas dificuldades.

Os filhos foram chegando.

Nada foi fácil, mas tudo valeu a pena.

Pensou que se pudesse escolher não teria tido tantos filhos, sete. Eram muitos, mas pensava que não queria perder nenhum e orava todos os dias por cada um.

Estavam todos bem com suas famílias.

Tinha netos, bisnetos. Uma família linda.

A orgulhosa matriarca com seus quase noventa anos tinha muito a agradecer a Deus.

Passou por tudo e chegou aqui.

Se morresse hoje sentia que já tinha cumprido a sua missão.

Mas enquanto Deus lhe desse vida ela queria viver bem.

Seu aniversário estava chegando: noventa anos.

Seus filhos estavam preparando a festa. E eles estavam mais entusiasmados que ela.

Diziam que tinham muito a festejar, que ela tinha muito a festejar. Afinal não são muitas as pessoas que chegam até lá. Ainda mais cheia de saúde e lucidez.

Ela levanta-se da poltrona. Uma dor aqui outra ali. Também se na sua idade não doesse nada ela já estaria é morta.

Sentou-se à mesa. Abriu seu caderno e continuou a escrever suas memórias. Tudo manuscrito com sua letra bonita. Computador não era coisa pra ela.

Depois desenhou um pouco. Gostava tanto e tinha tanto talento.

Olhou o velho relógio na parede. Era hora de dormir. E quem sabe ter lindos sonhos.

Levantou e se encaminhou para o quarto

Amanhã a vida iria continuar e esperava ter muito tempo para fazer o que gosta.

Sua solidão não doía nem machucava. Tinha em si tanta vida e história que a solidão não alcançava seu coração.

Nádia Gonçalves
Enviado por Nádia Gonçalves em 24/10/2023
Reeditado em 24/10/2023
Código do texto: T7916019
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