O andarilho. Parte 5.

“O andarilho é um homem só. Mas um homem só não traz de volta o velho mundo. É preciso três.”

- O livro dos Jack

Levaram alguns dias até conseguir chegar, mas finalmente estava diante da placa:

Bem-vindo a Central City.

Deu uma boa olhada na entrada. A cidade parecia estar deserta, e veria mais à frente que realmente estava. Ajeitou o chapéu, deu uma conferida na maleta, e em seguida ajeitou o revolver na cintura. O chapéu o protegia do sol, o revolver de quem quisesse o confrontar e a maleta era a esperança. Agora que a tinha era só procurar o oráculo. Lembrou-se do que a mulher havia lhe dito antes de sair da cidade dos Jack:

-O Oráculo senta-se com seu cajado a beira do monte mais alto e espera pelo escolhido, que irá restaurar o equilíbrio e fazer tudo voltar a ser como antes. Se você for o escolhido, irá o encontrar.

Seria ele o escolhido? Não custava tentar. Entrou de uma vez na cidade seguindo as placas até o centro. Lá encontrou um mapa, o guia de Central City, dizia absolutamente todos os lugares importantes que a cidade continha, mas não falava de monte algum.

Continuou a andar, nenhum sinal de monte, ou de pessoa alguma. Já estava irritado, quando chegou em meio a um dos principais cruzamentos da cidade, onde pôde ler uma placa enorme:

Hambúrguer do Joe. Não morra antes de experimentar.

A lanchonete tinha suas paredes envidraçadas e transparentes, sendo que tudo lá dentro poderia ser visto facilmente. Lá dentro tudo estava vazio, assim como toda a cidade. Porém o andarilho pode ver a fisionomia de um homem. Atrás de um balcão. Pôde também perceber que o homem sorriu ao vê-lo. Resolveu entrar. Logo que chegou sentou-se de frente para o balcão e pôs a maleta em cima da mesa. O homem parecia ser jovem, e era branco como a neve. Seu cabelo loiro quase não podia ser visto, pois usava um chapéu em forma de batatas fritas. Era jovem, com certeza. Assim que viu a maleta o homem fitou-a mas não disse nada. Quem disse foi o andarilho:

- Estou procurando o oráculo. Você sabe onde encontrá-lo?

-Desculpe senhor, mas eu só respondo as perguntas certas.

O andarilho pensou “que sujeito estranho”. “Só respondo as perguntas certas.” Tentou outra:

- Você conhece o oráculo?

-Sim!

Pensou “conhece mas não sabe onde encontrar. Sei…”. Tentou outra:

- Você é o oraculo?

-Sim.

-Não pode ser. O oraculo vive em um monte.

-Quem disse?

-As pessoas dizem...

-As pessoas falam muitas coisas, nem todas são reais.

- Mas... Mas e toda aquela história de ser sábio e tudo mais.

- E como você sabe que eu não sou. Mais sábio é aquele que aprende todos os dias algo novo e não aquele que procura respostas no que é dito pelo outros.

Convenceu-se:

-Certo, você é o oráculo. Ótimo eu estou aqui, e eu trouxe a maleta.

-Hum... Você parece com o escolhido, pelo menos com aquele que iria trazer a maleta.

O andarilho não entendeu. O oraculo percebeu que ele não havia entendido, então pôs na mesa o que parecia um cardápio do lugar e foi explicando:

- Aqui. Acho que isso vai esclarecer um pouco as coisas pra você.

O andarilho observou, e em seguida leu em voz alta com um tom de quem não estava entendendo nada:

-Super combo do Joe. Hambúrguer, batata e refrigerante por apenas nove e noventa. Mas o que isso tem a ver com a maleta?

O andarilho o olhou, deu uma certa risada de deboche e tornou a falar:

- Não isso. Atrás.

O andarilho virou e simplesmente não sabia o que ver. Levou um tempo até perceber. Havia uma imagem do hambúrguer do Joe, algo que não parecia muito incomum. Não fosse o fato de que nessa imagem haviam três pessoas de frente para o balcão do atendente. Reconheceu uma delas pelo chapéu. Era ele. As outras duas eram uma criança e um homem gordo. Não pode ver os rostos, pois estavam os três de costas.

O oráculo interrompeu a análise do andarilho:

-Você não pode mudar as coisas, pelo menos não sozinho. Você tem que encontrar essas duas pessoas e traze-las aqui, pois elas serão importantes para a batalha.

- Batalha?

-Sim, a batalha contra o pesadelo dos pesadelos. Você não se perguntou ainda o que aconteceu com o mundo? Por que as coisas estão desse jeito?

-Várias vezes. Você sabe?

- Sim. Você quer saber?

- Por que não iria querer?

-Conhecimento pode assustar ás vezes. Mas se você quiser saber eu digo. O mundo não mudou, pelo menos não o mundo real ...

-Mundo real? Como assim?

- Você está sonhando.

-Sonhando? Então é tudo um sonho meu.

-Sim, mas não só seu. Todas as noites, milhões de pessoas tem seus sonhos. Alguns bizarros, outros nem tanto, alguns tem lembranças, mas sonhar é algo comum. O que foi incomum é que pela primeira vez, várias pessoas tiveram o mesmo sonho. E por algum motivo, elas ficaram presas no seu sonho.

- Não entendo. Então cada um está preso no seu sonho.

-Não, você entendeu errado. Todos estão presos literalmente no seu sonho. Esse mundo, esse lugar, tudo foi criado por você. Mas apenas duas pessoas conseguiram criar outros sonhos, ainda que dentro do seu.

-Entendo. Quero dizer, tento entender. Essas duas pessoas são as outras duas que eu tenho que procurar.

-Exatamente.

-Então, onde posso encontra-las?

- Uma delas você encontrará no norte, num lugar onde sempre neva. Procure por um caçador. O homem que vive com os lobos. Mas tome cuidado. A cidade pertence a uma realidade diferente, criada pelo caçador. Cada um cria o sonho que deseja.

-Entendo...

- A segunda pessoa, a criança, é na verdade uma menina. A garota que nasceu no novo mundo com um nome. Você vai encontrá-la a leste e ela também criou um mundo próprio.

Procure por Alice, a garota que vive na floresta. Lembre-se, cada um cria o sonho que deseja. Ela é uma garota de treze anos, nessa idade costuma-se ter muita imaginação.

-Certo.

-Agora vá. Escolha pra onde quer ir primeiro e tome seu rumo.

-Tudo bem.

-Mas não esqueça andarilho, você criou esse mundo. Você tem o controle, e só você pode destruí-lo. Tenha cuidado, e guarde bem a maleta. Ela contém o pesadelo dos pesadelos, e na hora certa você precisará dela para invoca-lo.

-Eu sempre tenho.

O andarilho pegou suas coisas e começo a andar. Tirou da bolsa a bússola e observou, o norte ficava para a sua direita. Resolveu então ir atrás do caçador primeiro, esse seria mais difícil do que achar uma garotinha. Ele sempre começava pelo mais difícil. Mal sabia ele que estava enganado.

Ajeitou o chapéu e começou a andar, o destino:

A cidade que sempre neva.