Lua sangrenta - capítulo 28

A mulher de Tadeu viu que alguém mexera na sua caixa de correio e a abriu, vendo que era um envelope grande, endereçado ao marido.

-Tadeu, querido, correspondência para você.

Tadeu estava se preparando para ir ao trabalho e disse:

-Deixe em cima da mesa, meu bem. Eu vou levar à Delegacia.

Terminando de se vestir, o delegado foi à mesa e estranhou o peso do envelope.

-É enorme.Não é uma carta simples. Quem me mandaria isso? E o nome do remetente é João Lupino.

-Lupino?!assustou-se Maria Luna, que não vira antes o nome do remetente.

-Sim, Maria Luna, Lupino. Ele se chama João Lupino.

-E que endereço é esse? Rua do Lazer, n.º 13.

-Bem, não há essa rua em Árvore Alta. Esse endereço é falso.

-Quem mandou a carta foi o lobisomem, Tadeu. O que ele quer?

-Talvez me provocar. Só pode ser.

-Tadeu, ele sabe que agora você sabe que há um lobisomem na cidade.

-Mas nós não sabemos quem ele é.Esse é o trunfo dele. Maria Luna, peço que tome cuidado e tranque a porta de casa, certo?

-Certo. Não vai abrir a carta?

-Vou levar à delegacia. Lá, eu abro.

-Vai mostrar isso ao Amadeus?

-Vou, ele está junto comigo nessa história.

Pegando o pesado envelope, Tadeu o colocou no banco do carona antes de tirar o carro da garagem. Ao se despedir de Maria Luna, pediu:

-Querida, preste atenção. Ele pode estar rondando nossa casa.

-Sim,eu prestarei.

Na delegacia, Tadeu sentou à sua escrivaninha e abriu o envelope. A carta tinha umas vinte páginas e ele viu que não conhecia a letra da pessoa, que era grande e fácil de ler, como se o remetente quisesse que ele entendesse perfeitamente tudo o que lesse.

A carta começava dizendo:

"Caro delegado,

Vejo que o senhor sabe que sou real, que existo, não sou uma mera superstição. Não sei o que você e aquele jornalista andam xeretando, mas quero lhe dizer que não será fácil descobrir quem sou. Mas sabe, é divertido pensar que você sabe que eu existo e posso ser alguém que você conhece muito bem, não é?

Tadeu interrompeu a leitura e disse num resmungo:

-Maldito cachorro! O que será que espera? Brincar de gato e rato?

Josias apareceu na sua sala e perguntou:

-Há algo errado, delegado?

-Josias, quero lhe fazer uma pergunta.Poderia antes ir comprar um café?

-Claro,eu ia comprar um para mim agora.

-Nós podemos conversar enquanto tomamos, então.

O delegado esperou até Josias aparecer com os dois copos descartáveis cheios de café quente e perguntou:

-Josias, o que você faria se se visse diante de algo muito além do seu entendimento?

-Como, delegado?

-Pense, Josias, nós somos preparados para lidar com criminosos, não é?

-Claro, por que o senhor me pergunta isso se sabe tão bem quanto eu?

-E se você se visse diante de um caso que parecesse não fazer nenhum sentido, para o qual não houvesse explicações lógicas e o levasse a concluir que você está enfrentando o desconhecido?

-Delegado, isso é uma pergunta estranha. Não me diga que está começando a acreditar nessa conversa de lobisomem. Andou conversando com aquele jornalista?

-Josias, nós temos dito que não acreditamos que pode haver um lobisomem nesta cidade, não é? Fomos ensinados que lobisomem não existe, não fomos?

-Isso mesmo. E sabemos muito bem que isso é lenda na cidade.

-Por que, então, as mortes estranhas voltaram depois de tanto tempo, Josias?

-Aonde o senhor quer chegar?

-Josias, veja bem: primeiro, pensamos que pudesse ser um animal,não foi? O velho Teodoro viu um animal estranho rondando o sítio dele. Mas o que matou o Zé da Pinga e os dois policiais não pode ter sido um animal.

-Então, delegado, o que os matou foi um ser humano. Algum maníaco.

-Maníacos costumam selecionar suas vítimas, Josias, seguir um padrão, nós sabemos bem disso. Há algo que ligue a morte dos policiais à de Zé da Pinga?

-O cemitério, delegado.

-Isso mesmo. A coisa matou os infelizes que deram o azar de cruzar com ela no cemitério, como os dois policiais, ou perto dele, como Zé da Pinga. A coisa gosta de andar no cemitério nas noites de lua cheia, não é?

-Sim, só não andou na última noite.

-Que foi anteontem.

"Porque foi à minha casa me assombrar. Maldito seja!"

-Realmente, é um caso singular.

-Josias, por que mortes estranhas aconteciam antes nas noites de lua cheia nesta cidade, passaram tanto tempo sem ocorrer e agora voltaram?

-Sei lá delegado. Precisamos descobrir a verdade.

-Este é o problema. A verdade pode ser algo que não entendemos ou que não queremos aceitar mesmo quando está bem na nossa frente.

-Para quem achava essa história de lobisomem uma superstição idiota, o senhor mudou um bocado. Aconteceu alguma coisa, delegado? O senhor não mudaria assim do nada.

Tadeu olhou bem para Josias. Será que podia confiar nele? Melhor não contar. A história era assustadora demais para que Josias não se impressionasse e se sentisse tentado a compartilhar com alguém. Isso poderia acabar virando fofoca na cidade e Tadeu tinha verdadeiro horror a fofocas.

-Não, Josias, não aconteceu nada, eu apenas pensei em tudo que anda acontecendo e cheguei à conclusão de que podemos estar lidando com algo que não estamos preparados.

Pela expressão que Josias fez, Tadeu concluiu que ele não havia acreditado.

"Eu também não acreditaria."

-Delegado, nós vamos descobrir, pegar esse maluco e essa história de lobisomem vai evaporar.

Tadeu ficou bebendo devagar seu café.