HENRIQUE, AFONSO E MAITÊ - CAPÍTULO I: O COMEÇO DA ERA PUERIL

O ano era o de 1991 quando Henrique, Afonso e Maitê brincavam pelas ruas miscigenadas da capital paulista, com toda a liberdade, alegria e felicidade que toda criança tem, todos aos 8 anos de idade. Dos três, Henrique era o abastado do grupo, por ser filho de Otto, já com seus 26 anos e Brigite, com seus 24 anos, um dos maiores varejistas do estado. Tinha olhos azuis, cabelo e pele loiros. Era magro e alto, típico dos garotos e príncipes mimados da era. Portava roupas que na época e local eram só os ricos que podiam portar, o que não tardaria usar os bonés de cores pesadas e que chamam atenção; as pochetes e acessórios como anéis, pulseiras e colares. Era obsessivo e mimado. Queria tudo aquilo que almejava, por ser portador de uma fortuna que por ele esperava. Falava conforme os padrões da elite brasileira da época. Era raro o pequeno Henrique falar “nós vai” em vez de “nós iremos”. Ao contrário de Henrique, vinha Afonso, que era filho de um dos domésticos de Otto e Brigite, a Ivonete, com seus 24, empregada doméstica, e o Casimiro, também com 24, o chofer da família. Era considerado um filho para o rico casal, pois o viu nascer e crescer, financiando sua vida pessoal, educacional, social e em vários outros aspectos vitais. Afonso tinha olhos e cabelo tão castanhos que só o tom das castanhas do Pará sobressaem. Sua pele era parda, de um tom dourado e brilhoso que encantava todos que o viam. Ao contrário de Henrique, Afonso não era magro, pois seu corpo era dono de uma musculatura que mais tarde seria buscada pelas pessoas. Tinha uma altura semelhante à de Henrique. As roupas granfinas que tinha eram as roupas que não serviam mais para Henrique, e as que eram dadas de presente de aniversário, e em demais datas comemorativas. Afonso também não tardaria a usar bonés chamativos, pochetes, anéis, pulseiras, colares e demais acessórios que anos depois seriam tão valorizados e usados pelas pessoas. Por ter origens humildes, Afonso não era obsessivo, muito menos mimado. Era uma pessoa de leve com a vida. Aceitava toda derrota e vitórias numa boa, ao contrário de Henrique, seu então considerado irmão de criação, que era mimado e muito obsessivo. Pela convivência com seu meio, suas condições sociais e, sobretudo, sua valorização pelas suas origens, Afonso cometia desvios da gramática normativa, digamos, por conta própria. Portanto, era comum o pequeno Afonso falar “nós vai”, em vez de “nós vamos”, nas mais diversas situações, até nas que exigem a formalidade adequada da língua. Ao contrário da vida mansa de Henrique, e da vida medíocre de Afonso, tinha uma vida agitada a Maitê, filha de um pai alcoólatra, o Cleiton, 27 anos, desempregado e que espanca sua esposa, mãe de Maitê, a Paulina, de 24 anos. Maitê trabalhava para suprir as necessidades da pobre casa. Moravam todos em comunidade periférica da época. Ao contrário da raça comum dessas comunidades, a Maitê era branca. Era portadora de lindos olhos pretos. Tinha cabelos lisos que combinavam com seus olhos. Não era magra. Mas também não era gorda. Ao contrário de seus amigos, não possuía grifes, nem que fossem já usadas, nem que fossem de presente. Maitê tardaria muito a usar bonés considerados perfeitos; acessórios como pochetes femininas, anéis, pulseiras e colares. Tinha um temperamento semelhante ao de Afonso, motivo pelo qual se identificaria mais com ele. Porém, era mais responsável, atarefada, preocupada com o que comeria no dia seguinte. Ao contrário de Henrique, a Maitê não falava conforme os padrões, nem possuía habilidades linguísticas como Afonso. Digamos, falava do jeito que vinha à mente.

O dia era uma manhã de domingo, logo após de um café da manhã costumeiro e diferente de família para família. Todos brincavam de pega-pega, logo após Maitê ser apresentada por Afonso a Henrique. Este ficou encantado pelos seus olhos pretos, cabelo que só ela tinha e, principalmente, pela sua responsabilidade.

- Henrique, esta é Maitê. Ela mora na comunidade de uns parentes de mãe, apresentou Afonso.

- Tudo bem, Maitê?, perguntou Henrique, meio tímido.

- Tudo, sim senhor!, respondeu antipatizada com a figura fina de Henrique a Maitê.

- Qual o lugar favorito que você já viajou, Maitê?, perguntou Henrique.

- Nenhum. Eu não tenho lugar, para você me perguntar, responde Maitê.

- Ah, sim!, exclama Henrique, procurando onde enfiar a cara.

Nessa hora, das dezenas de crianças presentes na rua, Maitê queria ficar mais perto de Afonso, procurando conforto. Era com ele que ela se identificava. Era ele quem ela já amava. Durante 10 minutos, ao som de “Realce”, de Gilberto Gil, todos pulavam, brincavam, até que o cansaço chega e Afonso diz:

- Estou cansado. Hora da gente ir embora, Henrique!

- Mas já?!, indigna-se Henrique.

- E você não está cansado, rapaz?!, surpreende-se Afonso.

- Eu?! Não!, responde Henrique, de olhos grudados em Maitê.

- Pois é a primeira vez que você não cansa primeiro, diz Afonso. - você até se esqueceu de que temos uma tarefa da escola para fazermos…

- Nós faremos depois, diz Henrique.

- É melhor vocês irem fazer a lição, alerta Maitê.

- Sim! Sim!, volta atrás Henrique.

A conversa após a brincadeira durou 10 minutos. E todos partiram para seus lares. Durante seu banho para o almoço, Henrique não tirava a linda Maitê de sua cabeça. Na casa de Henrique, todos já estavam reunidos para o almoço. O pai ao centro da mesa e a mãe à lateral. Henrique chega, assoviando a melodia do Gil.

- Querido! Chegou tarde hoje, exclama Brigite.

- E está com um bom ar!, acrescenta Otto.

- Estou?, pergunta Henrique.

E eles conversaram durante 5 minutos.

Durante essa reunião, chegava Maitê a casa. Enquanto se aproximava de casa, viu seu pai chegando, bêbado, tropeçando.

- Não tem nada para comer nesse inferno?, gritou ele, enquanto batia numa mesinha que ficava ao corredor da casa.

- Cleiton! Eu guardei seu café homem, apavorou-se Paulina.

- Eu não quero café frio, sua vagabunda!

- Mas não está frio, homem, tranquiliza Paulina.

- Eu falei que está frio. Não me contrarie, cachorra!, disse Cleiton, após dar um tapa na cara de Paulina.

- Não bata nela!, impera Maitê.

- Menina… olhe o respeito!, disse Cleiton, inclinando-se para Maitê.

- Não! Na minha filha não!, defende sua filha a Paulina.

- Vou comer. É o melhor que faço, finaliza o Cleiton.

- Venha filha! Quando ele sair, almoçamos, acolhe Paulina a sua filha.

Após 5 minutos as duas correram para a mesinha da cozinha, de onde o Cleiton saira para o quarto, para almoçar.

Após o almoço, Henrique juntou seus materiais escolares e saiu do quarto, rumo ao quartinho onde moravam o Afonso e seus pais, nos fundos da casa. Ao descer das escadas, deparou-se com os amigos da família, na sala de estar, o Álvaro, que estava promovendo uma sociedade para Otto. Era um homem muito preocupado com os negócios, e só mantinha o casamento pelas aparências, pois se tratando de mulheres, preferia as de preço. E sua esposa, a Nívia, que se preocupava com bons costumes e reputação. Nívia ficou surpresa com a resposta de Henrique à sua mãe, quando esta lhe perguntou para onde estava indo e teve como resposta o quarto dos criados. - Eu não sabia que você permitia esse tipo de coisa em sua casa, querida Brigite. Após tanto tempo sem vê-los, não esperava tanta mudança, dizia Nívia.

- Afonso, abre, sou eu, Henrique. Vim fazer a lição com você.

- Ah, Henrique! Pode entrar. Está aberta.

Henrique entra, enquanto Casimiro cochilava na cadeira, e Ivonete servia café aos patrões e sua visita. No quarto de Afonso, os dois começaram a fazer a lição de Geografia, que envolvia os bairros e comunidades de São Paulo, ponto de partida para tocar no nome de Maitê. Até que se realizou.

- Afonso, um dos bairros mais necessitados da capital paulista é de Maitê, né?

- Sim! Mas por que você envolveu minha namorada?

- Namorada, Afonso?!

- Sim!

- Ela não pode ser sua namorada!

- Por quê?

- Porque você é uma criança como eu.

- Desde quando idade é motivo?

Henrique muda de assunto. Dentro de 5 minutos os dois terminam a lição, falando sobre assuntos diversos. Henrique se retira em silêncio do quartinho, desejando apenas boa noite para a humilde famíla que se preparava para o jantar.

Durante o jantar, Otto e Brigite percebem a mudança de humor de Henrique. - Aconteceu alguma coisa, querido?, perguntou Brigite. Ele não repondeu, devido a seus pensamentos estarem voltados para Afonso e Maitê. E Brigite pergunta mais uma vez, dessa vez com uma resposta rápida – nada, mãe. Em seu quarto, de frente a seu grande e caro espelho, Henrique diz:

- Eu me apaixonei por ela. Ela simplesmente me ignorou, e preferiu Afonso. Ele é pobre. O que ela viu nele? Se ela não for minha, não será desse morto de fome! Eu juro!

Alexandre Potiguar
Enviado por Alexandre Potiguar em 21/01/2024
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