Dentro do Espelho ou Conselho de doido pra doido

Estava aqui perguntando, como tenho andado só e ao mesmo tempo acompanhada! Podem ser aqueles passos na escada que somem sem explicação.

Das coisas que vejo, não afirmo. Das muitas que penso, poucas transcrevo ao papel. Que impertinente e grande o meu medo de pronunciar sobre! No meu âmago, um tiro surdo no escuro, um grito de Munch, um grito de horror? Malgrado, dia a dia me sinto cada vez mais sortida e estou ligeiramente só. Não sei se o que me preenche a vida e a casa são várias de mim ou se serão eles – que me espiam na calada da noite.

Tenho estado sozinha, a espiar os cacos, a arrumar a casa, a arrumar a cabeça talvez. Já andam me taxando de louca por aí porque vivo comigo. Na solidão é que pergunto – estou eu ou estamos nós? Porque sou tantas, e há vários deles que são elas e também falam. E onde estamos hoje, onde estaremos se eu morrer?

E por andar assim particular é que estou sempre cercada de gente. Com toda a minha solicitude sem destinatário. Um remetente a vaguear. Um remetente nauseabundo perambula entre os botecos da rua sem encontrar por lá coisa alguma que já não tenha conhecido, notado, querido.

Chegamos ao gran finale. Em nenhum outro momento veremos a face da letargia - com tanta sede - e um mundo novo se abrirá de antemão para nós, decifra-me ou te devoro. Que surpresa estar comigo. Mas eu não quero isso aqui não!

A minha solicitude deseja inefavelmente um outrem. Pelo excesso de reflexão, refletimos acerca de coisas vãs. Pelo exagero de tentar o próprio conhecimento (locução pomposa essa), descobrimos que é melhor perguntar a outro. Tudo é mais simples do que parece. Tentar entender a simplicidade da vida é erro. Fica complexo demais. Como se cansar de esperar o grande vento de todos os tempos, e não saber que ele se eclipsou sob a superfície das águas que fazem do homem, homem.

Conheceis a verdade e ela vos libertará. Antes que eu mergulhe nesta dúbia e insigne promessa, peço a Deus que me venha o destinatário para minhas fracas palavras. Palavras sobram, falta-me com quem as falar. Por conseguinte de estar proscrita no deserto e nas palavras ter o meu consolo e o maior dos tormentos, digo que preciso ir embora antes que eu me torne uma palavra. Encerrada em mim mesma, sem contexto para me abrigar.

Porque solidão vez ou outra na vida é remédio dos bons. Sentir-se só obriga a pensar. O pensamento é recurso da dúvida que interpela o mistério.

Para tantas palavras dá-se um nome: loucura. Por tal estou bem acompanhada. Então, ame antes que conserte a cabeça demais! Elas estão aqui, dentro do espelho.

Géssica Ranieri
Enviado por Géssica Ranieri em 16/08/2008
Reeditado em 04/04/2010
Código do texto: T1131267
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