A crise dos trinta anos

Pairando sobre minha cabeça estão os pesados anos passados, com todos os seus anseios sufocados, suas mágoas acumuladas, seus sonhos destruídos, suas oportunidades perdidas. A minha frente está o futuro, nem tão incerto, certamente nada trágico, mas desprovido de beleza, qualquer forma de encanto. O presente é uma carta em branco numa folha preta. Algo entre uma alucinação e uma possibilidade, entre a melancolia e o vazio...

Quando sonhei de verdade, aquele sonho que você acalenta, cuida e aos poucos vai transformando em realidade? Nunca, simples e sincera é a resposta. Nem na mais tenra infância fui capaz de sonhar o sonho da juventude, consciente demais de quem era, do meu papel na sociedade, não na sociedade, não se iluda, mas ao redor dela, servindo-a. E quem somos nós sem sonhos? Mas ainda sim me pergunto o porquê de jamais ter-me atrevido a sonhar, quando todos os outros sonham, e todos os outros pertencem à mesma classe que eu, pois a outra resume-se a deus; talvez estenda-se ao restante da trindade e aos santos mais chegados. Mas a pergunta persiste: Porque nunca fui capaz de sonhar? Quem foi que escreveu em mim tão prematura e irreversivelmente a consciência? Meus pais? Certamente eles tem que haver desempenhado nisso o seu papel, mas apenas eles? Quanto devo nessa venda? Se a dor de se saber quem é, até onde se pode chegar, mas não saber onde se pode ir, servir como amortecimento, deixo já algumas prestações adiantadas para os erros dos meus próximos trinta anos.

Trinta anos. Trinta anos. A crise dos trinta anos. Dói; é sabido, passageira, mas porque machuca tanto? Porque acorda todos os monstros que a incompetência da juventude nos fez esconder ao invés de matar? Porque todos de uma vez? E o que fazem enfim os analistas, neurologistas, psiquiatras e afins que não encontram,se não possível a cura, ao menos uma explicacão clara e plausível para toda essa angústia, a todo esse medo, insatisfação e derrotismo inexplicáveis? Bosta de cientistas que nada melhor que aspirina desenvolveram e desde meus 27 anos elas já não exterminam minha dor de cabeça. Se a cocaína mata os neurônios talvez mate também a consciência...

Mas eu estou já muito velha pra experimentar drogas. Essa minha fase está perdida pra sempre. Se não provei na idade da inconsequência, como o poderia fazer agora, na da consciência? E todo esse bla, bla, bla em torno de Balzac... Ah, mas como eu bem receberia o amortecimento do ópio... Dê-me um tapa na cara. Deixe-me irada. Deixe-me sozinha. A responsabilidade me impossibilita o alívio eterno da morte.

Mas ao menos algo é certo e real em toda essa conjectura: Estou só.

Monique Freitas

Monique Freitas
Enviado por Monique Freitas em 19/10/2008
Reeditado em 12/08/2013
Código do texto: T1236205
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