Considerações sobre o Ser

Não somos aquilo que pensamos ou dizemos ser. Nós somos aquilo que fazemos. Mas não só. Nós somos o que somos, mas também aquilo que podemos ser. Somos o presente, o passado e o futuro. Somos as escolhas que fazemos, os feitos que realizamos, as nossas ações, as decisões que tomamos. Mas além disso, somos também nossas capacidades, nossas potencialidades, nossas possibilidades. Isso é a vida. Isso é a história. Um campo de possibilidades. E um campo de batalha. A vida é luta. E a história é um campo de possibilidades. Nem tudo é possível. Em cada época, em cada momento, em cada contexto existe um conjunto de condicionantes, de determinações estruturais. No entanto, a realidade não deixa de ser por isso cheia de surpresas, sem espaço para o acaso, para o imprevisível. As condicionantes que existam que atuam fortemente na realidade concreta de modo algum criam um futuro predeterminado. Existe sempre uma margem para a escolha. Não podemos fazer todas as escolhas que queremos, mas podemos escolher não seguir pelo caminho mais fácil, pelo mais previsível, pelo mais provável, pelo mais de acordo com as tendências mais poderosas de um dado contexto. Sempre existe o espaço para a ruptura, para uma mudança de curso, assim como para acelerar e retardar processos. Isso é verdade para o plano mais geral dos grandes acontecimentos, dos processos de longa duração, dos destinos coletivos, das coletividades, mas também é verdade para a vida dos indivíduos. Talvez a diferença esteja no fato de que no plano macro as deteminações estruturais exerçam uma força mais poderosa, a tendência à inércia seja mais forte, as forças de permanência tenham um peso maior, assim como a partir do momento em que se processa uma mudança o curso desse desenvolvimento, a partir de um dado momento, passe da possibilidade para a inevitabilidade de um dado futuro possível. Ao passo que no plano micro as forças do acaso sejam mais presentes. Aquilo que é uma verdade comprovada da física, podendo-se partir do exemplo das diferenças existentes entre a teoria da relatividade e a mecânica quântica, por exemplo, teorias revolucionárias e que explicam o funcionamento do universo nos planos macro e micro, desde os movimentos dos corpos celestes até o comportamento das partículas, contrastando a harmonia existente no âmbito macro na natureza da imprevisibilidade do comportamento das partículas, mas que de algum modo se influenciam e determinam a nossa realidade. Na história também podemos fazer uma comparação, grosso modo, entre uma análise de longa duração, onde o que prevalece são os aspectos harmônicos, de permanência, das determinações estruturais, ou mesmo dos padrões, sejam de mudanças ou de permanências, existentes nas histórias econômica e das mentalidades para as mudanças constantes e o peso do papel desempenhado pelos indivíduos e pelo acaso na história política e no tempo curto dos eventos. Na nossa vida também é assim. Não escrevemos todo o nosso destino. Nascemos numa determinada classe social, num determinado país, numa determinada família, num determinado grupo étnico ou racial, de um determinado gênero ou orientação sexual e num determinado momento da história, num determinado contexto político e social, estando imersos numa determinada cultura e com determinadas possibilidades econômicas e outras do meio social, além de possibilidades e limitações condicionadas pela genética ou o meio ambiente, como doenças, etc. No entanto, estando inscritos nesse conjunto de determinações, podemos fazer determinadas escolhas. Nossas escolhas sempre têm consequências, algumas maravilhosas, outras nem sempre agradáveis e outras muitas vezes absolutamente terríveis mesmo. Mas devemos assumir por inteiro essa responsabilidade. É nesse sentido e somente nesse sentido que fazemos e somos responsáveis pelo nosso destino. Ou seja, somos sempre responsáveis pelas escolhas que podemos fazer. Dentro de um determinado contexto, dentro das possibilidades historicamente determinadas, para os grupos sociais e para os indivíduos, estamos condenados a sermos sempre responsáveis pelas escolhas que fizermos e por aquilo que fizermos ou não, porque também somos responsáveis por aquilo que deixamos de fazer. Somos aquilo que fazemos e o que podemos ser.