PRECONCEITO
     Conversava com um amigo, que a algum tempo não via. Ele era uma pessoa muito crente e para tudo envolvia deus. Meio se graça, de uma forma muito tranquila e amorosa, comentei que pessoalmente achava mais importante a dignidade humana, do que qualquer outra coisa, entre estas, qualquer ligação com o transcendental, uma vez que eu era Ateu, Humanista Secular e Materialista. Tive o cuidado de deixar claro o que é ser materialista. Que não tem nada a ver com a imagem falaciosa que criaram dos materialistas.
 
     Ser materialista é acreditar que tudo emana da matéria e que da matéria necessita. Ser materialista, não é, como vulgarmente divulgado, aquele que coloca os bens materiais acima de tudo, inclusive da ética, e do AMOR. Ser materialista é ser ético acima de tudo, é amar a vida como um premio maior, uma raridade, uma única chance para marcarmos nossa existência. Ser humanista secular é defender a humanidade, sempre com propriedades de verdade, virtude e valores que dignifiquem a própria vida.
 
     Com meu coração aberto, buscava as melhores palavras para não parecer alguma crítica direta a ele. Tentei deixar claro que aceitava totalmente a escolha dele, e que enquanto ele trabalhasse para a dignidade humana, ele teria em mim um aliado e um amigo. Expus-lhe o quanto eu defendia o direito a todos, de expressarem suas opiniões, e que mesmo que não acreditasse, defenderia o seu direito a falar. Comentei também que no fundo, um ateu, é meio fadado a um sofrimento final, posto que sem crença, sabia que o meu fim seria definitivo, e que achava até bonito a capacidade de alguns de crerem em uma vida futura.


     Meu Amigo, não sei exatamente se interpretou minha colocação como uma ofensa, ou como um elogio, comentou do fundo de seu preconceito:

 
     “Você pode ser um ateu e materialista, MAS é competente, decente, e busca viver dignamente.”

     Na hora senti uma vontade de rir daquela frase. Como vinha de um amigo, senti uma certa frustração. O seu preconceito era tanto, que mesmo com a explicação que tentei dar sobre o materialismo e o humanismo secular, ele manteve viva em sua mente a parte que não expliquei. Ser ateu.

 
     Agora parece-me claro que para ele, ser ateu pode não ser coerente com ser materialista e humanista secular. Apesar de minha explicação sobre o quanto valorizo a ética e a vida, ser ateu na visão dele, não coadunava com uma vida reta e digna. 

     No imaginário dele, e de muitos seres viventes, quase que catequizados ao extremo, ser ateu é sinônimo de ser mau, indigno, imoral e niilista.

 
     Quem não sabe pensar, acaba acreditando em tudo que pensa, sem nenhuma crítica racional. Para estes, um ateu deve fazer antropofagia, um ateu deve ser um verme social, um ateu deve ser mentiroso, e deve ter pacto com o diabo. Mas caramba, se não acredito em deus, porque haveria de acreditar no diabo... É totalmente incoerente isso. 

     As pessoas confundem ateísmo, não crer em deus, com algum princípio de vida. Ser ateu é tão-somente não acreditar em deus, e mais especialmente em uma linha teísta (um deus que age, que decide, onipotente, onipresente e onisciente).

 
     Meu princípio de vida é materialista, humanista secular, com bons toques de positivista, cético, fisicista e naturalista entre outros. Com certeza sou um mix variado de filosofias de vida, mas que sempre, e acima de tudo, busca dignificar a HUMANIDADE. Amo a Vida e amo a humanidade. Alias todos os ateus sérios que conheço, são em média, muito mais éticos do que os religiosos em estremo que também conheço. Não buscam nada além da dignidade humana, não se entregam por medo a nenhuma crença, ritual ou dogmas falaciosos. Não colecionam bônus pelas ações que praticam, simplesmente praticam o bem, sem olhar a quem.

     Esta conjunção MAS implica em falso juízo, falso valor ideológico, espera-se assim que um ateu não possa ser bom, ser justo, ser amante da verdade e da vida, ser defensor da dignidade humana e ferrenho amante da HUMANIDADE. Ledo engano. 
Ser Ateu me dá maior valor da vida, me dá maior transparência em meus atos, que são regidos por nenhum interesse pessoal, a não ser o de ajudar a dignificar a minha, e a dos outros, vida.
   
Arlindo Tavares
Enviado por Arlindo Tavares em 17/06/2010
Reeditado em 17/06/2010
Código do texto: T2326225
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