O grande teatro da vida
 
Somos ao mesmo tempo atores e expectadores na trama da vida.

Rimos, choramos, aplaudimos, vaiamos, mas o espetáculo não para, nem mesmo quando saímos do teatro.

Fico imaginando o desafio de integrar essas dicotomias, de encontrar sentido nos extremos dessas polaridades que a vida apresenta.

Quando assistimos um drama ele nos faz chorar, quando assistimos uma comédia rimos.

Demoro a me dar conta de que não sou só expectador, insisto às vezes, em negar que sou também ator. Assistir demanda menos esforço, escolho se assisto ou não.

Atuar demanda responsabilidades e escolhas. Contracenar exige harmonia, equilíbrio, autocontrole.

O elenco do grande teatro da vida age em dois planos, o individual e o coletivo.

E eu como ator amador, que insisto em ser, me dou melhor no individual, mas o Roteirista, que misteriosamente se revela somente nas entrelinhas, me quer um ator completo.
 
E mesmo que eu me recuse a fazer bem o que precisa ser feito, a trama da peça me leva ao encontro do papel representado por cada um dos atores que atuam ao meu lado.

Sou forçado a ouvir sua fala, sentir seus cheiros, me encantar com seus sorrisos, me aborrecer com suas imperfeições, a me indignar com seus destemperos, a amar seus jeitos tão únicos de se colocar em cena, a me desesperar quando no próximo ato os procuro e alguém avisa que a temporada acabou e o elenco...se foi!

Coloco-me sentado no meio fio em frente ao teatro, próximo à bilheteria, a procurar incessantemente nos cartazes, das futuras peças anunciadas, pelos nomes dos atores queridos que já não vejo.

Em vão..., os nomes estão ali, mas alguns, precisamente aqueles que eu mais procuro, não os vejo mais. Me pergunto se eles, em algum lugar, procuram também pelo meu.

Algo que brota do coração me diz, acho que acontece quando, mesmo sem saber, fico estudando o roteiro da próxima peça: que não devo me deter em minha busca.

Não a busca desesperada e inútil pelo passado, por reviver peças cujas temporadas já se foram e não vão se repetir, mas busca pelo que passou a ser em mim algo melhor, com a presença daqueles atores que já não vejo mais.

A busca por uma atuação que vá marcar positivamente outros atores, que por ordem do Roteirista, permanecem  aqui contracenando comigo.

Devo prosseguir, eu sei,  na melhora paulatina do meu desempenho cênico, na oficina do que posso fazer para a melhoria do desempenho cênico de outros atores ainda inexperientes.

Ancorado no amparo do inestimável conselho dos inúmeros outros atores que, com suas experiências, podem fazer com que meu  caminho fique menos árduo.

Venho percebendo que nenhum roteiro é escrito ao acaso e que somos atores e não fantoches.

Percebo também que o enredo de minha  próxima peça é escrito com base nos aspectos que trabalhei melhor, ou pior, na peça anterior. Isso nutre em mim uma esperança viva de que o que vejo não é tudo.

As peças em que já atuei faziam parte de um circuito amador onde fui preparado para um circuito profissional, lugar para onde foram aqueles atores que já não vejo mais.
 
Cultivo uma certeza íntima de que um dia desses estaremos todos juntos novamente lá, no circuito profissional, desfrutando do espetáculo das mais belas atuações de todos aqueles que amamos.

Até lá não permitirei que as lágrimas dos dramas sufoquem os suspiros dos romances e, rindo ou chorando, estarei sempre na busca pelo sentido maior de tudo que a experiência existencial nos proporciona no...

...grande teatro da vida!