Polemica III
Sou ateu não dogmático - Versão 1
 
       Sou ateu não dogmático. Sou ateu não por desgosto, raiva, frustração, ou por não ter tido algum desejo atendido. Sou ateu por escolha e por observação. Certo ou errado, é a forma como leio o livro da mãe natureza. Talvez nem mesmo o futuro possa nos dizer quem está certo, os que creem na existência do transcendente, ou os que creem apenas e tão-somente no imanente.
 
       Como não dogmático, tão logo eu tenha alguma evidência real de que deus exista, serei o primeiro a assumir esta nova posição. Aliás, esta é uma posição dos que seriamente amam e respeitam a ciência. Basta uma evidência séria que refute uma crença, para que estes assumam como refutada a teoria ou a crença.
 
       Vivemos uma realidade onde a crença é um fato. Crer é uma condição humana decorrente da dificuldade de conhecermos em detalhes e em verdade tudo.
 
       Cremos enquanto não temos provas positivas de algo, pois tão logo tenhamos evidências factíveis deixamos de crer e a aceitamos como verdade.
 
       Não crer, é semelhante. A diferença é que o fato de não crer, não inviabiliza a possibilidade de existir o objeto natural daquela “des”crença. O fato de não crer, me reduz o fardo de ter de provar qualquer existência.
 
       Aos que creem que algo exista sobra o trabalho de provar sua existência.
 
       Não creio que existam elefantes voadores folhados a ouro, que emitam micro-ondas pela tromba e que sejam capazes de dar cria a homens. Não creio posto que não conheço evidências que me permitam ter tal crença.
 
       Não há como provar a não existência de algo. Toda inexistência implica em uma crença pura. Entretanto, se algo existe, deve-se ter uma prova dessa existência. Basta uma única demonstração e a prova está dada. Naquele alucinante exemplo, bastaria que me mostrassem um único elemento daquele exótico ser, e somente me caberia a possibilidade de aceitar que tal ser exista. Não havendo provas evidenciais que corroborem a afirmação da existência de algo, será uma crença, e não uma existência.
 
       Não cabe ao ateu provar a não existência de deus, cabe aos teístas, provar sua realidade.
 
       Gostaria de lembrar que o ateu, por definição, é o que não aceita o teísmo (a existência de um deus personificado, com poderes sobre-humanos de onipotência, onisciência, onipresença, de forma simplista um deus abraâmico, que possa interagir, sobre escolha própria em algum vivente..).
 
       Um ateu, poderia inclusive aceitar um deísmo, posto que o deísmo não implica em um ser personificado, e sim em algo que pode inclusive ser a própria natureza, ou no estremo ser as forças naturais que ordenam a loucura da complexidade de nossa imanente natureza. Uma vez que no deísmo não existe a ação intencional de um deus sobre um ser, ajudando ou como alguns acreditam, punindo.
 
       O deísmo foi temporariamente o meu caminho, enquanto buscava uma interpretação que melhor me representasse esta loucura em que vivemos.
 
       Não crer em deus jamais pode significar desrespeitar os seres humanos que nele creem. Como ateu, fica maior a minha obrigação de respeitar o ser humano, de amar todos os seres viventes, pois para mim é a vida que merece ser louvada. É a humanidade que reside dentro de cada um de nós que merece ser descoberta e iluminada. Amo todos os seres humanos. E para piorar tenho uma única chance de ser útil e humano. 
 
       Há poucos dias passei uma mensagem para um AMIGO, o qual aprendi a respeitar, em toda a sua fé e crença em DEUS. Tentava nesta mensagem, demonstrar que enquanto caminhando para dignificar a vida em todas as suas vertentes, e a existência humana em especial, que ele poderia contar comigo. E, se necessário fosse, até o carregaria no colo para que ele pudesse se fazer ouvir, mantendo-o por mais tempo descansado, guardando suas forças, para a luta pela felicidade humana.
 
        Neste texto eu fazia uma pequena brincadeira, mas que tem muito de verdade. Caso no futuro eu o encontrasse em algum outro mundo, dimensão ou algum ambiente transcendente, seria eu o primeiro a avisar que tinha estado errado em minha leitura deste mundo. Infelizmente, caso eu estivesse correto, não nos encontraríamos jamais, e ele jamais poderia dizer que ele tinha estado errado. Isto não muda nada nesta nossa existência. Apenas as nossas ações podem ter algum valor na dignificação de nossa humanidade.
 
       Em outro texto meu, comentava que ensinava meus filhos a serem éticos e justos, com amor no coração, independente da crença em um deus, e que se ele existisse, ficaria feliz com as atitudes, que devem ter mais valor do que preces e demonstrações de louvor. Se deus não existisse, eles teriam a certeza de se comportarem como verdadeiros humanos.
 
       Como dizia o escritor português, José Saramago: “... Sou ateu mas não sou tolo. A sociedade onde cresci e onde vivemos não se concebe sem Deus. ... Eu não creio em Deus, mas se uma pessoa que está próximo a mim nele acreditar, então este Deus existirá para mim através da realidade que esta pessoa me passa”.
 
       Ainda como falava nosso escritor: “O meu ateísmo não é destrutivo, mas sim crítico”.
 
       Nenhum ateísmo sério pode ser destrutivo. As pessoas resolvem nivelar ateísmo (simples descrença em um deus ativo) com niilismo (o nada absoluto, a falta de valores). Ser ateu não significa uma filosofia de vida e sim uma descrença na existência de um deus maior. Minha filosofia de vida é também múltipla: sou materialista, humanista secular, naturalista, fisicista,
racionalista crítico, com toques de ceticismo (o que me obriga a correr atrás de fontes e evidências), amante da vida em todas as suas múltiplas representações e amante da verdadeira ciência.
 
       Ainda com Saramago: “Não sou um ateu total, todos os dias tento encontrar um sinal de Deus, mas infelizmente não o encontro”. Apesar de me assumir ateu, não o sou de forma dogmática, estou aberto a mudanças e infelizmente para mim, quanto mais observo o homem e a nossa sociedade, além do comportamento de nossa natureza, mais motivos tenho para não crer em um deus benevolente.
 
       Ainda como dizia o grande humanista, pensador e matemático Bertrand Russell: “Se um ser com o máximo de potencial, tendo a sua disposição a eternidade do tempo somente projetou esta raça humana, ele ficou muito a desejar” e “Um dos paradoxos dolorosos do nosso tempo reside no fato de serem os estúpidos os que têm a certeza, enquanto os que possuem imaginação e inteligência se debatem em dúvidas e indecisões”. Tenho duvidas, é evidente, mas tenho minhas posições, não me escondo de tê-las.
 
       Encerro com uma passagem de Fernando Pessoa
 
“Não acredito em Deus porque nunca o vi.
 Se ele quisesse que eu acreditasse nele,
    Sem dúvida que viria falar comigo
      E entraria pela minha porta dentro
        Dizendo-me: Aqui estou!”
                        Fernando Pessoa

 Ainda:


Mas se Deus é as flores e as árvores
E os montes e o sol e o luar,
Então acredito nele,
Então acredito nele a toda hora,
E a minha vida é toda uma oração e uma missa,
E uma comunhão com os olhos e pelos ouvidos.
 
Mas se Deus é as árvores e as flores
E os montes e o luar e o sol
Para que lhe chamo eu Deus?
Chamo-lhe flores e árvores e montes e sol e luar;
Porque, se ele se fez, para eu o ver,
Sol e luar e flores e árvores e montes,
Se ele me aparece como sendo árvores e montes
E luar e sol e flores,
É que ele quer que eu o conheça
Como árvores e montes e flores e luar e sol.
 
E por isso eu obedeço-lhe,
(Que mais sei eu de Deus que Deus de si-próprio?),
Obedeço-lhe a viver, espontaneamente,
Como quem abre os olhos e vê,
E chamo-lhe luar e sol e flores e árvores e montes,
E amo-o sem pensar nele,
E penso-o vendo e ouvindo,
E ando com ele a toda hora.
   

Arlindo Tavares
Enviado por Arlindo Tavares em 26/07/2010
Reeditado em 28/07/2010
Código do texto: T2401019
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