O amor como construção

Quem disse que amor é coisa que dá na terra e que o homem só precisa estar aqui pra colher desse fruto? Quem disse que basta querer? Amar é um projeto, não uma resignação. "Estou esperando o amor acontecer". Frase ingênua. O que se espera é a paixão, aquela vontade repentina, intensa, que se dá pela afinidade, mexendo com toda a estrutura volitiva do ser humano. Isso não é amor.

Amar é saber que isso tende a passar conforme os dias fazem do outro parte do cotidiano. Se antes era o outro um lugar de fuga, agora ele está incorporado pelo dia-a-dia. Ou não? É uma decisão difícil e coparticipativa, de modo que a relação é esta coisa difícil que vemos começar e acabar tão facilmente por aí.

Toda relação é um diálogo. Todo diálogo se constrói por dupla iniciativa, que não precisa ser necessariamente um jogo regular de estimulo e resposta, o que é impossível, mas que deve tender diversas vezes à colisão, para o bem-estar da dupla. E é preciso olhar ao redor, sempre, pra olhar para dentro e poder sorrir. As vitimas de asfixia por relacionamento são inúmeras e vêm e vão, multiplicando-se desenfreadamente. A indústria do chocolate e do álcool agradecem.

O grande barato de amar é que ele não precisa. Ele não tem que. Nem mesmo deve. Ele é, está sendo, de forma que olho pra frente e o vejo estendido sobre milhares e milhares de quilômetros-luz. E no ocaso, talvez, ainda haja espaço pra uma despedida antes do grande mergulho na escuridão. É aquela vontade de companhia da última hora. "É ela que tem de estar lá comigo".

Acreditar em ideias assim é perigoso. É viver uma literatura imoderada, viciosa, com chances de uma reviravolta vertiginosa na trama, quem sabe até um esgarçamento das fibras e o rompimento. Por motivos vários, amar é um risco imenso, por isso o maior dos projetos da humanidade. É com essa ideia que devemos crer num mundo feito de amor. Ele não é o mundo de um deus. Deuses não vivem a vida dos homens. O mundo de amor é um projeto que se faz com as mãos, com a reflexão, a paciência e a bondade, virtude de quem vê na parceria a chance de construir um império onde cada um possa ser o homem que sempre sonhou.