Certezas!




 
"Certeza, só os loucos ou os gênios a possuem"! Esta é uma assertiva que li em algum lugar. Será verdadeira, parcialmente verdadeira, ou mentirosa. Se verdadeira, para que eu nela me incluísse teria que ser louco ou Gênio. Não creio ser gênio, então deveria ser louco. Entende-la com incorreta seria mais fácil, me removendo o peso da loucura ou da genialidade, mas implicaria que todos os outros, não loucos ou gênios, teriam a capacidade de sempre estarem no completo domínio da certeza sobre tudo, o que convenhamos não parece ser factível ou aceitável. Sobra-nos então alguma coisa parcial entre a verdade absoluta da assertiva, e sua refutação absoluta. Assim a certeza absoluta não seria uma característica possível nem por loucos, nem por gênios, nem tão pouco por todos os demais. Todos viveríamos flutuando, caso a caso, por uma jornada flexível entre a certeza absoluta e a incerteza absoluta.
 
Já percebo que alguns se contorcem em suas poltronas, afirmando que a assertiva em si não é digna de respeito, por isso defini-la como verdadeira ou falsa seria perda de tempo. É possível, mas é uma assertiva. Entendo que Bertrand Russel a qualificaria como falsa, mas no contexto que aqui me exponho de peito aberto à críticas, ela parece ter a força de, pelo menos, fazer alguns de nós repensar nossas crenças sobre a certeza (Mas se são crenças não são certezas. Crê aquele que não tem certeza ou domínio completo sobre a verdade, pois neste caso não creria, e sim teria domínio total sobre o objeto da crença).
 
Eu não creio que a gravidade atrairá todo corpo material em direção ao centro da terra, eu tenho certeza (será absolutamente verdade?), agora eu não tenho certeza que existam multversos, que existam mais de quatro dimensões em nosso espaço tempo, ou mesmo que minha oração pode me trazer bons reflexos, ou mesmo que a vida na terra tenha nascido com certeza em nosso planeta, por isso eu acabo crendo, ou não crendo, mas nunca com a certeza absoluta.
 
É mais ou menos isso mesmo. A certeza, como a verdade, caso existam absolutas, estão completamente fora de nosso escopo de possibilidade ou de validade, em sua totalidade. É obvio que não posso me comportar como um cético dogmático e de tudo duvidar. A certeza existe em graus diversos, mas nunca no seu estado de máximo valor, de absoluta existência. Como duvidar da gravidade, pode ser que jamais tenha a certeza da real estrutura por traz da gravidade, (será ela uma distorção da geometria de nosso espaço/tempo? Será proveniente de partículas intermediarias nunca encontradas o famoso Gráviton? Terá ela outra origem, como a ação de dimensões extras refletindo como gravidade em nosso espaço/tempo tetradimensional?), porém seus reflexos são facilmente perceptíveis, e nossos, mesmo inseguros sensores, são capazes de confirmá-la. Mesmo assim, por mais certeza que ela está atuando, somente poderei comprovar sua existência quando arremessar algo para cima, ou algo largar e comprovar mais uma vez experimentalmente que ela continua valendo. A incerteza será uma das nossas, me permitam a colocação incorreta, certezas. Seria impossível estar sempre comprovando a veracidade de todas as leis, de tudo o que nos cerca, assim, depois de testadas e experimentadas em um volume tal, assumimos como certeza e verdade, mas sempre existirá uma infinitesimal possibilidade de que ela falhe, ou que tenhamos sempre estado incorretos, no sentido de a termos interpretado erroneamente.
 
Todos temos a certeza de que o cristo redentor está com os braços abertos, eu pessoalmente morando em santa Tereza o vejo milhares de vezes, posso quase que afirmar que amanhã ele lá estará com seus braços abertos sobre o Rio de Janeiro, creia eu nele ou não. Mas pela incerteza de Heisenberg, e pela sobreposição de estados e pela possibilidade de cada partícula ocupar uma infinita disposição de diferentes posições (quanto mais conhecermos o momento desta partícula, menos conheceremos sua posição relativa, e vice e versa), posso amanhã olhar para o cristo redentor e ele simplesmente estar de braços cruzados, é uma possibilidade infinitesimal, talvez uma em um tempo maior do que toda existência prevista para nosso universo, mas ela existe.
 
Nossos sensores, nossa interpretação, nosso processamento mental e a física nos aprontando com suas relações não intuitivas, nos impossibilitam de ter total certeza sobre algo, pelo menos por enquanto, e creio eu (já que não posso ter certeza) por infinito tempo.
 
O próprio, meu maior ídolo, Einstein duvidava disso e comentava que deus não jogaria dados. Ele passou toda sua vida tentando provar o diferente, porém ele morreu na posição de que eram Niels Bohr (amigo pessoal de Einstein), Heisenberg, e todo o resto da coletividade quântica, pelo menos até aquele momento, os ganhadores nesta contenda.
 
Pela própria incerteza, não podemos ter certeza que a incerteza é uma certeza. A física quântica é linda, e o que tem de linda tem de complexa e não intuitiva, e infelizmente abre oportunidade a místicos para se utilizarem de seus argumentos para vender uma nova espécie de religião, aquela em que a fé nos permitiria alterar o comportamento ou o status quântico, e poderíamos assim navegar entre diferentes realidades, até alcançarmos a que a nossa fé nos levaria, pelos infinitos “mult-estados sobrepostos” onde a mesma estrutura de leis e constantes universais valeria. Não devemos confundir este estado de coisas com multversos, independentes, onde cada um deles teria o seu próprio conjunto de leis e constantes universais.
 
Assim, mantenho, apesar de saber que posso estar equivocado, minha posição inicial de que certezas e verdades, mesmo que existam em sua essência como atributos absolutos, estão totalmente fora de nosso alcance atual, e quem sabe por toda uma infinidade de tempo, se é que o homem conseguirá existir por mais algumas décadas apenas.

O nosso amor se esvai em vaidades, orgulhos, egoísmos e certezas impossíveis. Continuemos crendo que somos o estado superior da vida, e talvez não sobre nem uma viva alma para contar este pedante pensamento para seus filhos.


Arlindo Tavares
Enviado por Arlindo Tavares em 08/10/2010
Reeditado em 09/10/2010
Código do texto: T2545427
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