Continuum

““Confia em teu sentimento!” — Mas os sentimentos não são nada de definitivo, nada de original; por trás dos sentimentos há os juízos e as apreciações que nos são transmitidos sob forma de sentimentos (predileções, antipatias). A inspiração que decorre de um sentimento é neta de um juízo — muitas vezes de um juízo errôneo! — mas, em qualquer caso, não de um juízo que te seja pessoal! Confiar nos próprios sentimentos significa obedecer mais ao avô, à avó e aos antepassados do que obedecer aos deuses que estão em nós, à nossa razão e à nossa experiência”.

NIETZSCHE, FRIEDRICH. AURORA; ED. ESCALA. SÃO PAULO

De onde vem nossa razão? Como ela surge? Ou como provar que somos de fato racionais? Algum dia você já se perguntou se sua consagrada razão é real? Ou, se ela vem de algum lugar, ou surge de forma espontânea, ou é doada por uma entidade Divina? E ainda uma pergunta mais inquietante: Como provar a razão? Como provar sua existência objetiva, se não temos uma outra referência, exceto nossas convenções? Somos nós os fundadores das bases da razão, somos nós que convencionamos o certo e o errado, ou o lógico e o ilógico, a sanidade e a loucura. Nossos cálculos são os algozes do erro, os verdugos da intuição, da poesia. Somos nós que inventamos a roda e supomos pelos sentidos ser ela redonda. O termo adjetivo redondo, por sua vez, é uma convenção lingüística que não se explica sozinha. Afinal, a razão parece uma tentativa como tantas outras que nós inventamos para comer o outro com uma consciência mais ou menos tranqüila. Temos uma percepção ofuscada de tudo que nos cerca, somos constantemente seduzidos por nossas emoções, somos convencidos pela propaganda que o consumo é justo para quem tem como comprá-lo. Entorpecemos-nos com nossa cultura, e louvamos nossa tecnologia, e ensinamos o trabalhismo como garantia de futuro. “Tudo mentira de nossa suposta razão”. O Brasil está cheio de trabalhadores miseráveis, sem dignidade, esquecidos nos subúrbios do capital. Então se pergunte qual a razão da razão instituída pelo Estado de Direito, que se apressa para conceder o hábeas corpus ao rico, e deixa o pobre mofando na cadeia, até marcar a primeira audiência? O Estado de Direito que te nega o direito de viver, de trabalhar, de estudar, de se tratar; o Estado do direito torto, empenado para direita e manco na esquerda. Por esta causa, questiono a nossa razão Brasileira. Atrevo-me a te perguntar, meu caro leitor, qual sua lógica, a que ela se propõe e o que ela espera do povo que um dia há de se levantar inspirado pela angustia de esperar, esperar e ouvir tantas fórmulas econômicas. A razão que o Brasil inventou e consagrou em sua cultura é a razão da exploração, da vantagem, da malandragem, do oportunismo, do cinismo, e de uma burguesia risonha que canta “abaixo a ditadura” em festivais de tropicália aos filhos de coronéis. Nossa razão é um continuum de mentiras, de supostas reformas, de revoluções fabricadas nos quartéis, de uma leitura sem interpretação, de um texto mal escrito. É a razão do bom crioulo que se conforma com tudo, sempre resignado, e pronto a atender ao branco de terno e gravata que, às vezes, usa toga no STF... Bem, essa é apenas uma razão de se dizer será Razão? Mas tudo isso já foi dito, eu apenas repeti o que ouvi até hoje...

Roosevelt leite
Enviado por Roosevelt leite em 22/11/2010
Reeditado em 02/01/2011
Código do texto: T2630539
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