E SE HOJE FOSSE O NOSSO ÚLTIMO DIA?

Gritaria ao mundo a força da euforia

Abraçaria em silêncio a quem fizesse falta

Amaria com a intensidade que nunca via

Com a incerteza de um amor que não tivesse volta

Riria meu último riso

Derramaria meu último pranto

Meus braços se tornariam acalantos

Para a despedida da poesia de Vinícius

Florbela e Clarice seriam recitadas

Na sinceridade de calores sofridos

Do meu único amor que não foi vivido

A última paixão que não foi encontrada.

E o pulso ainda pulsaria?

Comemoraria as conquistas da amizade

E, de verdade, contaria os meus segredos

Sem medo, mostraria a pessoa oculta

Que soube ser criança, mulher e puta.

Gargalharia dos erros

Desacreditando que a vida tivesse fim.

Não questionaria os acertos

E os sentidos que a morte guardou para mim?

Tudo seria possível para aquele que crê

A fé removeria montanhas e outras frases clichê

Das coisas que confessaria:

Queria ver minha sobrinha crescer

Não vivi um só relacionamento inesquecível

Perdoei erros perdoáveis e só

Mudei com o pé o canal da TV

Não aceitei a vida como ela é

Não li metade dos livros que jurei ler

Nunca, de verdade, me interessei por mulher

Mas já beijei três caras sem nem mesmo o nome saber. E na mesma noite.

Já encontrei pessoas virtuais

Já fui sagaz, eloqüente.

Já fui êxtase e deprimente.

Graças a loucura cega de uma vida bandida.

Mudaria meu cabelo para um rasta moicano

Jogaria todos os meus saltos em um sopro

Tatuaria um dragão vermelho em todo o corpo.

O tempo seria curto. A vida passaria.

O querer não obedeceria. Sobraria uma prece.

De uma fé, que, meu Deus, nunca existiu.

Plantaria um filho.

Escreveria uma árvore. Teria um livro.

Deixaria de lado tudo que se partiu.

E finalmente morreria quando todos dessem as costas

Dançando todas as danças que inventaram

em memórias póstumas.